Fraude em impostos deve atingir R$ 165 bilhões em 2018. Má qualidade de produtos amplia prejuízos. Poucos são punidos.
por Jéssica Antunes
jessica.antunes@grupojbr.com
Seja nas bancas das feiras ou nas prateleiras das lojas, produtos piratas ganham espaço no Distrito Federal. São itens falsificados e contrabandeados, que sonegam impostos e crescem à revelia dos produtores, das marcas e da fiscalização. A Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) estima que R$ 145 bilhões de impostos deixaram de ser arrecadados no Brasil em 2017. A previsão é de que chegue a R$ 165 bilhões neste ano. A punição é branda, e a reincidência, alta. Na capital, a polícia tenta cortar o mal pela raiz.
O crime de pirataria pode ser enquadrado em duas naturezas criminais: violação de direitos de autor ou de marca. O primeiro, se há comercialização, tem pena prevista de dois a quatro anos de reclusão, mas é passível de fiança. O segundo prevê até um ano de prisão, e geralmente a pena é convertida a prestação de serviços. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, neste ano foram 22 ocorrências relacionadas aos dois crimes que envolvem o mercado pirata, com 43 pessoas presas, conforme levantamento preliminar da Polícia Civil.
A investigação e a repressão desses casos são atribuições da Delegacia de Combate aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DCPim). O delegado Marcelo Portela conta que esse tipo de atividade pode estar relacionada a outros crimes, como suborno de agentes públicos e tráfico de drogas, por exemplo. O combate é feito, normalmente, em grandes operações. “Em virtude do pouco efetivo, as ações têm de ser mais certas, aprofundadas e detalhadas. Se há pouca munição, o tiro tem que ser certeiro”.
A maioria dos criminosos responde em liberdade. No Tribunal de Justiça do DF (TJDFT), 179 processos relacionados à propriedade intelectual foram abertos desde 2016. No período, 620 tramitaram e 257 foram julgados. Neste ano, já houve 21 julgamentos, 171 tramitações e 18 distribuições. A maior parte, em todos os casos e anos, se refere à violação de direito autoral.
Apreensão histórica
Em 20 de março, a Polícia Civil fez a maior apreensão de CDs e DVDs piratas da história do Distrito Federal e desmontou uma fábrica clandestina de produção em massa de mídias piratas. A Operação Perfídia teve início na Feira dos Importados de Taguatinga e chegou a uma fábrica clandestina no Itapoã. Foram apreendidas 30 mil mídias, impressoras, computadores e torres gravadoras. Nas feiras da cidade, mochileiros madrugavam e faziam fila para abastecimento.
Uma mulher foi presa em flagrante, mas liberada após pagamento de fiança. Segundo o delegado Portela, ela atuava com o companheiro: “São velhos conhecidos como distribuidores. Juntos, chegaram a ser presos 17 vezes. Dessa vez pegamos o laboratório de produção”. De acordo com ele, há o desafio de fazer operações dolorosas para os criminosos, “mas é muito difícil estancar se chega ao Judiciário e a pessoa é solta”.
Venda vai além das feiras e chega às lojas
As falsificações são produzidas especialmente na Região Metropolitana, mas vendas acontecem em plena luz do dia em comércios ilegais e formais da capital. A concentração é maior em locais de grande movimentação de clientes, como feiras. Taguatinga tem chamado a atenção da polícia pela comercialização de produtos falsificados ou pirateados. Há um mês, três lojas regulares próximas à Feira dos Goianos foram autuadas, e três pessoas presas em flagrante comercializando pijamas com estampas de desenhos da Disney sem autorização – considerado violação do direito de marca.
“Um empresário que se preze não abre as portas para vender produto pirata ou contrabandeado. Eu me sinto na obrigação de dizer que isso não é empresário, é bandido”, dispara o presidente da Associação Comercial do DF, Cléber Pires. Ele diz não ter conhecimento de comercialização desses produtos em estabelecimentos legalizados e pede que denúncias sejam feitas. “Toda pirataria afeta, de imediato, a economia local. Além de uma afronta à sociedade, causa perda na receita, na geração de emprego, na cadeia produtiva”, diz.
Do ponto de vista da legalidade, o comércio e a economia são diretamente afetados. Para Adelmir Santana, presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio), é preciso estimular a educação do cliente. “Muitas vezes, consumidores focam apenas nos custos. Mas esses produtos estão fora do controle do Estado, não pagam tributos e o diferencial é muito grande. Além de risco à saúde, a pessoa fortalece o mercado da pirataria”, afirma.
Cigarros no topo dos flagrantes de contrabando e descaminho
as e munições atravessam as divisas brasileiras clandestinamente por contrabando e descaminho. A estimativa é de que o comércio ilegal gere R$ 130 bilhões de perdas aos setores produtivos brasileiros anualmente, mas o enfrentamento esbarra na sensação de impunidade e na ação policial restrita por conta de baixo efetivo.
No Brasil e no DF, cigarros paraguaios têm maior volume nas apreensões de contrabando. Na capital, os produtos costumam chegar pelas estradas até a Região Metropolitana, de onde os produtos são distribuídos. De acordo com o chefe da DCPim, as vendas nos estabelecimentos comerciais da capital são veladas. Em outubro passado, um depósito com aproximadamente 15 mil maços de cigarros contrabandeados do Paraguai foi encontrado em Ceilândia.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal, foram mais de cinco mil itens de vestuário, cem unidades de cosméticos, 15 caixas de medicamentos e mais de três mil outros não catalogados apreendidos nas rodovias federais que cortam o DF e Entorno em 2017, enquadrados nas duas tipificações penais.
Desde 2014, crimes de contrabando e descaminho são diferenciados pela legislação brasileira. O primeiro consiste na importação e exportação de produtos proibidos e tem pena de dois a cinco anos de prisão. O outro trata do não pagamento de impostos pela entrada ou saída de produtos, como no caso da compra de eletrônicos em viagens internacionais, com punição máxima de quatro anos. Geralmente, os dois são praticados ao mesmo tempo.
Pena baixa
Luciano Godoy, advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que os contrabandistas não se sentem acuados com a possibilidade de punição. “Como as penas são muito baixas, a maioria das pessoas nem chega a cumprir em regime fechado”, diz. Secretário Geral da Associação de Juízes Federais (Ajufe), Fernando Mendes acredita que ainda não há “ferramentas suficientes para combater a macro-criminalidade, e o modelo judicial contribui para a ineficiência do resultado”.
Presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a IIegalidade (FNCP), Edson Vismona não considera justo que comerciantes tenham de arcar com todas as taxas e concorrer com quem não faz o mesmo. “É desleal”, afirma.
Saiba mais
– Os produtos contrabandeados apreendidos pela Polícia Civil do DF são repassados à Receita Federal; os falsificados ficam à disposição da Justiça.
– Quem compra produtos pirateados não comete crime, mas pode enfrentar problemas. Brinquedos podem conter partes pequenas ou soltas, causando risco às crianças.
– Anabolizantes, cosméticos e bebidas alcoólicas podem ter componentes nocivos à saúde. Calçados têm baixa qualidade e podem provocar danos à coluna e ao joelho. Eletrônicos podem até explodir.
– Por uma semana, o Jornal de Brasília pediu quantidades de apreensões à Polícia Federal e à Polícia Rodoviária Federal, mas não recebeu retorno até o fechamento desta edição. O TJDFT também não informou sobre os processos iniciados e sentenças decretadas.
Dicas
– Quando for comprar um produto, observe a embalagem. A falsificada nunca é exatamente igual à original.
– Desconfie se o preço anunciado estiver muito abaixo do encontrado em outras lojas ou sites.
– Observe o lugar em que o produto é vendido, porque há marcas comercializadas apenas por lojas credenciadas.
– Peça sempre nota fiscal e garantia de devolução e troca
Para acessar acessar a matéria no Jornal de Brasília, clique aqui