A defesa do contribuinte na Reforma do Imposto de Renda

Diz um antigo dito popular que ao nascermos temos duas certezas: vamos morrer e pagaremos impostos.

Quanto à primeira, nada podemos fazer, quanto à segunda, devemos, ao menos, procurar conter a volúpia do Estado (em qualquer governo) e estabelecer parâmetros de justiça e racionalidade.

Historicamente no Brasil essa ação de contenção do ânimo arrecadatório não tem sido fácil. Desde o achamento dessas “terras brasilis” nos deparamos com o crescimento da busca por mais recursos pelo Estado sem considerar o contribuinte.

A racionalização das despesas e combate aos desperdícios de recursos públicos é uma quimera e resta ao cidadão arcar com o ônus do desequilíbrio entre o que é gasto e o que é arrecadado, sendo cada vez mais onerado.

As empresas e os cidadãos, que pagam impostos e mantêm seus registros regulares, são muitas vezes vítimas de procedimentos que podem ser considerados abusivos.

É flagrante a transformação de punições, que deveriam ser exceções, em regra, exemplo, a utilização indiscriminada da representação fiscal para fins penais e a aplicação da multa agravada com acréscimo de 150%, antes mesmo de ser comprovada qualquer fraude, a interpretação do auditor fiscal já basta.

Estudo patrocinado pelo ETCO com a consultoria EY apontou esses desvios que incentivam discussões nas esferas administrativa e judicial, gerando um contencioso de mais de R$ 3,4 trilhões. Os contribuintes que legitimamente procuram se defender frente às interpretações discutíveis ou erros, são protestados, multados em excesso e coagidos com a ameaças de natureza penal, restando exercer seus direitos em todas as instâncias em processos que levam mais de vinte anos.

De outro lado, a atuação dolosa dos devedores contumazes causa impacto de bilhões em evasão fiscal. Por meio da constituição de empresas laranjas e de liminares sem fim, vão postergando o pagamento de impostos, conseguindo um financiamento indevido para fortalecer suas operações, prejudicando a leal concorrência. No final, com essa inadimplência reiterada, nós, contribuintes sustentamos esse empreendedorismo fundado na ilegalidade,

A sociedade fica entre duas posturas indignas: o devedor contumaz que se estrutura para não pagar impostos assume o “Devo, não nego e não pago” e de outro, o Estado que quando cobrado se escora no “Devo, não nego, pagarei quando puder”.

Essas posturas demonstram que há algo de muito errado no Brasil (infelizmente há muita coisa errada), especialmente na subversão de valores. Em vez de facilitarmos e incentivarmos as melhores condutas, criamos dificuldades e obstáculos para quem quer cumprir suas obrigações e, por outro lado, quem opera na obscuridade encontra caminhos para continuar progredindo à margem da lei.

Recentemente tivemos mais uma prova de desrespeito ao contribuinte, o pacote tributário — que alterou profundamente a taxação da renda, aumentando ainda mais a complexidade tributária — foi votado pela Câmara em regime de urgência, diminuindo o espaço para aprofundar a avaliação dos impactos que, após a aprovação, estão sendo identificados. Mais uma vez, quem paga não tem nem o direito de discutir, questionar. Se há erros, paciência. E a necessária segurança jurídica foi assim, mais uma vez, subvertida.

A nossa realidade histórica demonstra que, com certeza, estamos atrasados na constituição de uma legislação que consolide os direitos dos contribuintes. O cidadão na condição de consumidor e de usuário do serviço público já conquistou leis que o protege contra abusos, mas como pagador de impostos que sustenta o Estado, ainda não tem instrumentos mais efetivos de defesa.

Está na hora de evoluir, assegurando o respeito aos direitos do contribuinte, reformulando o processo tributário, definindo normas contra abusos e distinguindo quem procura cumprir suas obrigações de quem faz de tudo para se afastar dolosamente das determinações legais.

Esse movimento precisa ser incentivado em linha com os estudos realizados pela Comissão criada pelo Conselho Nacional de Justiça, com a participação da Receita Federal, que está fazendo um diagnóstico sobre o contencioso tributário, com o objetivo de conter seu crescimento, inclusive apontando para a elaboração de um novo Código Tributário Nacional.

O sentido de urgência não deve ser aplicado somente quando há o interesse do erário. A reformulação da relação fisco – contribuinte, contendo abusos daquele e garantindo os direitos deste, deve entrar na pauta legislativa

Diante das certezas apontadas no início desse artigo, já que vamos morrer, pelo menos, paguemos o que é justo.

*Edson Luiz Vismona é advogado, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade — FNCP.  Foi secretário da justiça e defesa da cidadania do Estado de São Paulo (2000/2002)