“Crise ética e política pode empurrar recuperação da economia para 2018”

Em palestra para conselheiros do ETCO, economista Samuel Pessôa fala sobre a conjuntura interna e as influências de China, Europa e Estados Unidos para o Brasil

Samuel-Pessoa

O economista Samuel Pessôa, chefe do Centro de Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV), foi um dos palestrantes da reunião do Conselho Consultivo do ETCO-Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, no dia 27 de novembro, no Rio. Ele falou sobre a conjuntura interna, a economia global e as perspectivas para o Brasil nos próximos anos.

Pessôa é professor da pós-graduação em economia da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro (EPGE/FGV) e colunista do jornal Folha de S.Paulo. Após o encontro, ele conversou com o ETCO em Ação. Confira os principais trechos da entrevista.

ETCO – Qual a origem do cenário econômico desafiador enfrentado pelo País atualmente?

Samuel Pessôa – A crise atual tem uma origem antiga. O processo de alta contínua nos gastos da União, desde a década de 90, não corresponde com a realidade do País e já deveria ter sido revisto. Há muitos anos o aumento dos gastos públicos supera o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e isso sempre foi financiado pela alta exorbitante das receitas do País. Até 2008, esse modelo de aumento de gastos públicos se sustentou e o País tinha superávit de 3,5%. Porém, em meados de 2010 o crescimento da receita começou a diminuir, mas os gastos continuaram crescendo de maneira exponencial. Em 2014, já tivemos déficit de 0,6% e neste ano o índice deve subir para 1%. Devido ao problema estrutural do País, que gasta mais do que arrecada, houve uma debandada de investimento. Desde o primeiro trimestre de 2014 os investimentos no Brasil começaram a recuar e a tendência é que, ao menos até o terceiro trimestre do ano que vem, isso continue acontecendo. Daí o cenário desafiador que estamos vivendo.

ETCO – Os problemas políticos observados no País ajudaram a piorar o cenário econômico?

Samuel Pessôa – O gasto público cresce exageradamente e o crescimento econômico é baixo. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sinalizou os ajustes necessários para mudar o cenário econômico, porém ficou claro que ele não conseguirá colocar as medidas em prática por problemas políticos. Isso gerou uma quebra de confiança dos investidores e a nota do Brasil foi rebaixada. Uma das grandes agências de risco mundias já não indica o Brasil como um lugar seguro para investir e espera-se que as outras façam o mesmo em breve. Então, sim, os problemas políticos e os imbróglios partidários fazem com que as medidas necessárias não sejam tomadas e a situação permaneça estática. O Banco Central não consegue baixar os juros, a inflação sobe e os investidores perdem a confiança. Estamos em um pântano.

ETCO – O que pode ser feito para que a economia sinalize uma recuperação?

Samuel Pessôa – A receita não é simples e nem vai agradar a todos. Mas estamos falando da necessidade de novas fontes de arrecadação, ou seja, mais impostos. Além disso, precisamos de reformas estruturais, como na Previdência Social, para que os gastos fixos sejam reduzidos.

ETCO – Essas mudanças devem acontecer no curto prazo? Quando o cenário deve estar mais favorável?

Samuel Pessôa – Esbarramos mais uma vez na questão política. Os problemas não são umbilicais da presidente Dilma Rousseff, contudo estão personificados e a base do governo dela não tem força para aprovar as medidas necessárias. A crise ética e política está atrapalhando e isso atrasa a recuperação. Talvez as mudanças efetivas só aconteçam em um novo governo, seja em 2018, como novas eleições, seja antes, se houver um desgaste maior e a presidente não chegar até o fim do mandato. É importante ressaltar que não se trata apenas do presidente e sim da reforma na base parlamentar para que as mudanças sejam implementadas. Enquanto isso, vamos amargar mais desemprego, inflação maior e um déficit nas contas primárias cada vez mais alto.

ETCO – Como a situação econômica dos Estados Unidos pode afetar o mercado brasileiro?

Samuel Pessôa – Os Estados Unidos estão terminando o ciclo de sua pior fase econômica. O crescimento do PIB, de 2,2%, mostra que o país está aproveitando seu potencial e índices como a recorrente queda do desemprego comprovam que o pior para eles já passou. A inflação deles está baixa e a taxa de juros do Federal Reserve (banco central americano) está perto de zero. A estabilidade deles é positiva para o Brasil, uma vez que eles são grandes importadores e ajudam a amenizar as perdas da indústria local, especialmente com a valorização da moeda americana ante o real. Contudo, há um sinal para estarmos alertas, que é o possível aumento da taxa de juros deles a partir de 2016. Esse processo pode retirar investimento do Brasil e isso pode pressionar nosso câmbio e inflação.

ETCO – Como a situação da economia europeia pode afetar os negócios no Brasil?

Samuel Pessôa – A Europa tem uma participação mais neutra na nossa economia se comparada com os Estados Unidos. Depois de 2009, a periferia europeia, que inclui Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia,  não conseguiu se livrar dos problemas fiscais e acabou impedindo um potencial melhor da região. Ainda assim, a Europa cresce em média 1,5% ao ano e tudo leva a crer que conseguirá se estabilizar. Ainda que bastante incipiente, já é possível apurar uma pequena queda do desemprego na região. Para o Brasil, o restabelecimento da região é positivo, pois afasta uma possibilidade de ruptura comercial repentina.

ETCO – E como a desaceleração da China afeta nosso cenário econômico?

Samuel Pessôa – Tenho uma visão otimista sobre a China, apesar de o crescimento ter desacelerado. Não acho que os números são catastróficos, pelo contrário, estamos falando de um crescimento médio de 5,5% ou 6% por ano, enquanto a população aumenta 0,5% por ano. Ou seja, o crescimento de renda per capita ainda ultrapassa 5% ao ano e supera bastante os Estados Unidos, onde esse índice é de cerca de 1%. Ainda há demanda chinesa por nossas commodities e isso será garantido por muito tempo.