ETCO e Fipe fazem uma radiografia dos gastos públicos

Fonte: Revista ETCO, No 18, Janeiro 2011

Gastos Públicos“A própria notícia do déficit, que me afligira tanto, parece-me agora que nem a li. Realmente, se não me incumbe cobri-lo, para que meter o déficit entre as minhas preocupações, que não são poucas? Se houvesse saldo, viria o Estado dividi-lo comigo?”

 

As palavras do cronista Machado de Assis foram escritas logo nos primeiros anos da República, em agosto de 1892, pouco antes da demissão de Rodrigues Alves, quando ocupou o Ministério da Fazenda pela primeira vez. Alves vinha se batendo pelo combate ao déficit público e, para isso, introduziu uma sobretaxa de 50% sobre todas as tarifas aduaneiras, de longe nosso imposto mais importante na época.
Mas nosso cronista maior parecia não estar preocupado. Não era bem assim, contudo. Machado de Assis dedicou várias de suas crônicas ao tema e com mais alguns anos de desajuste fiscal o cronista foi percebendo que a conta acabara caindo em seus braços, via impostos, maior custo de vida ou mesmo um não pagamento do serviço nas apólices da dívida pública. “O contribuinte sou eu, és tu” era o título da crônica que Machado de Assis escreveu em 1897 e que trata do assunto fiscal em sua integralidade.
A ideia de que é necessário um ajuste fiscal para se obter o bem-estar da população, estabilidade na economia e crescimento sustentável atravessou séculos. Mas o consenso em torno do rótulo não necessariamente corresponde a um acordo em torno do conteúdo. Cada participante entende os gastos públicos a seu modo.
A presidente eleita, Dilma Rousseff, herda este problema histórico, mas cuja análise é de crucial importância na definição de políticas públicas. Num país com um nível de arrecadação superlativo, aumentar impostos, como recorreu Rodrigues Alves e tantos outros gestores públicos ao longo dos últimos séculos, parece fora de propósito. O caminho então é racionalizar as despesas públicas.
Por entender que a questão da qualidade do gasto é um tópico relevante na discussão do setor público brasileiro, o ETCO encomendou aos pesquisadores da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da USP o estudo “Qualidade do gasto público no Brasil: Sugestões para melhorar os resultados das políticas públicas, sem aumento de impostos”.
“É preciso buscar mais eficiência no uso do dinheiro público”, diz o professor Andre Montoro, Presidente Executivo do ETCO. Os gastos públ icos devem ter como alvo a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. E, a julgar pelos resultados apresentados pelos pesquisadores, não é necessário elevar impostos para atender a essas necessidades.
O estudo mostra que é possível fazer mais com menos ou mai s com o mesmo. Um dos caminhos é criar modelos de gestão e acompanhamento dos gastos públicos, sugere o professor Helio Zylberstajn, da Fipe.
Segundo ele, o Brasil gasta bastante (em termos relativos) com educação, mas os resultados são pífios. Há certamente espaço para melhorar os resultados com o mesmo nível de gasto.
De acordo com o levantamento da equipe de Zylberstajn, num grupo de países selecionados, que gastam com educação de 3,7% a 8,8% do PIB, o Brasil aparece na mesma faixa dos que mais gastam, com 6,6% da renda nacional. Constatação semelhante vale para outros setores, como saúde e segurança.
A possibilidade de manter os resultados das políticas atuais ou de melhorá-los e, ao mesmo tempo, reduzir os gastos públicos criaria um alívio para as empresas e para os cidadãos. A poupança privada poderia ser canalizada para finalidades mais nobres do que o simples financiamento da dívida pública. Em particular, a poupança poderia ser canalizada para investimentos produtivos, tão necessários para a manutenção do crescimento econômico. Para elevar a eficiência do gasto, seria preciso definir, com muito rigor, o foco das políticas públicas, dirigindo os serviços públicos de que a população necessita para uma real superação de seus problemas. O estudo identificou que o efeito dos gastos do governo depende também de fatores externos aos programas. Por exemplo, o nível de instrução de uma população pode interferir no resultado de um programa de saúde pública. Por essa razão, as políticas públicas deveriam enfatizar objetivos preventivos, procurando corrigir as causas dos problemas para que possam ser descontinuados, quando as causas tiverem sido debeladas. Os exemplos mais característicos dos gastos preventivos estão, certamente, na área educacional, saneamento, infraestrutura, pois os mesmos tornam viáveis e criam melhores condições para que os países possam se desenvolver e, consequentemente, adquirir maior capacidade para a solução dos problemas econômicos e sociais.
A melhor gestão dos gastos públicos é o cerne de um ajuste fiscal eficiente, que dê condições para a eficácia da política macroeconômica. Uma simples reforma tributária, por mais apropriada que venha a ser, corre o risco de proporcionar um alívio momentâneo, quando possível, seguido de aumento de despesa e novo desequilíbrio, basicamente o mesmo resultado das sucessivas tentativas anteriores, desde o tempo em que Machado de Assis escrevia para a um dos três principais jornais do país no final do século XIX.

 

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Diadema vira o jogo

Houve um tempo em que os moradores de Diadema tropeçavam diariamente por corpos pelo caminho. O município paulista parecia mais um palco de guerra civil. E na verdade era, a julgar pelos números de homicídios registrados. Eram 111 assassinatos por 1.000 habitantes em 1999, índice quase quatro vezes superior ao que a ONU considera como estado de guerra civil. Mas contra todas as previsões, Diadema virou esse jogo. Em pouco mais de dez anos, o município deixou a posição de líder do ranking de cidade mais violenta do Brasil para se tornar referência em política pública de segurança.
Sem recursos adicionais, a prefeitura colheu os resultados de uma sensível mudança na forma como manusear os recursos públicos. José de Filippi Junior, ex-prefeito de Diadema, conta que o ponto de inflexão na segurança da cidade ocorreu quando a prefeitura investiu num trabalho de inteligência e não meramente numa política repressiva. Foi então mapeada a incidência de crimes, cruzando essas informações com as áreas de vulnerabilidade social e a presença de bares. O levantamento apontou que 60% dos homicídios ocorreriam nas proximidades de estabelecimentos que serviam bebidas alcoólicas no período entre 23 horas e 4 horas.
Com esses dados em mãos, um projeto de lei propondo o fechamento de bares nesse intervalo de tempo foi aprovado na Câmara Municipal. A fiscalização para garantir o cumprimento da lei também recebeu atenção especial. Paralelamente, foram criados programas assistenciais, em áreas como saúde, educação e lazer, nos bairros com taxas de criminalidade mais acentuadas.
Essas iniciativas derrubaram as estatísticas da violência. Em 2007, foram registrados 80 homicídios na cidade, menos de 20 por 1.000 habitantes. Hoje, segundo pesquisas da prefeitura, 93% da população não quer a reabertura dos bares durante a noite.
Houve uma brutal economia na área de saúde com acidentes e homicídios ligados ao consumo de álcool. Os recursos economizados foram redirecionados para programas de saúde preventiva.
O clima de segurança atraiu investimentos para a cidade. O retorno dos investimentos empresariais, por sua vez, provocou um salto no orçamento. E, assim, Diadema iniciou seu círculo virtuoso.
Diadema é um exemplo, mas há outros que apontam para uma mudança na mentalidade de alguns dirigentes públicos que estão trocando a cultura de elevar carga tributária por uma gestão mais eficiente dos recursos disponíveis.
O professor André Montoro, Presidente Executivo do ETCO, conta que viu em Hamburgo, na Alemanha, um caso bem-sucedido do que se convencionou chamar de “choque de gestão”. A cidade tinha um prefeito honorífico. Cabia a ele o papel político de negociações e o estabelecimento das prioridades para a administração do município. “E havia um profissional responsável pela gestão dos projetos e da máquina pública”, conta André Montoro.
Uma experiência semelhante ocorreu aqui mesmo em terras brasileiras, em 2003, quando o então governador Aécio Neves assumiu pela primeira vez o comando de Minas Gerais. Ele implantou um “choque de gestão” e entregou a coordenação do projeto a Antônio Anastasia, na época vice-governador e eleito em 2010 para suceder Aécio no governo.