A Guerra Fiscal e a Defesa da Concorrência

A Newsletter ETCO abre espaço para artigo de autoria de Luisa Vasconcelos Araujo* sobre tema de grande relevância para a ética concorrencial.

O ano legislativo iniciou-se em 4 de fevereiro com a pendência de o Congresso Nacional analisar temas difíceis, capazes de redefinir o equilíbrio financeiro da Federação e a relação entre os Estados. Se no ano de 2012 os parlamentares enfrentaram um ambiente de intenso embate político, 2013 não deve ser muito diferente no que diz respeito às discussões sobre um novo pacto federativo.

Os parlamentares já deram início à discussão sobre o tema, com a alteração das alíquotas de Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) para produtos importados e a instituição de nova forma de distribuição dos royalties de petróleo. No entanto, outros temas de igual relevância não lograram ter sua discussão exaurida na última sessão legislativa.

Temas que têm gerado controvérsia entre os Estados federados dizem respeito à proposta do governo de unificação das alíquotas do ICMS em 4%, além da questão dos incentivos fiscais concedidos pelos Estados sem aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

O desafio para reduzir as alíquotas integra a agenda política do governo federal, que, no intuito de angariar apoio dos entes políticos em torno da temática, editou, em 28/12/2012, a Medida Provisória (MPV) 599/2012, que cria um fundo de compensação federal de perdas futuras dos governos regionais com a unificação da alíquota do ICMS cobrado das mercadorias transportadas de um Estado para outro. Ademais, o Palácio do Planalto também enviou projeto de lei complementar que prevê a aprovação de convênio no âmbito do Confaz para convalidar todos os incentivos fiscais concedidos, unilateralmente, pelos Estados.

O objetivo das medidas é acabar com a guerra fiscal, a qual gera concorrência predatória entre os entes federados, na medida em que estes concedem, de forma irregular, benefícios fiscais para atrair para seus territórios investimentos de empresas. Frise-se que a guerra fiscal compromete o equilíbrio econômico-financeiro das diferentes regiões do País, haja vista que, quando uma unidade federada toma medidas unilaterais para atrair investimentos, sem respeitar regras legais e constitucionais, estabelece-se uma interferência econômica nos demais entes federados, a um custo elevado.

No entanto, não se pode intentar deslegitimar a concessão de benefícios fiscais, já que eles são previstos no texto constitucional. O que se deve evitar é sua concessão desregrada. Isso porque os benefícios fiscais são úteis para gerar eficiência econômica, no sentido de buscar o desenvolvimento econômico, e não para gerar desigualdades ainda maiores.

No que diz respeito à concessão unilateral de benefícios pelos Estados, importante destacar ao menos duas razões impeditivas para a validação de tal prática: (i) a necessária neutralidade que abarca o ICMS e (ii) a impossibilidade de o Estado intervir na livre concorrência entre os agentes econômicos.

Nesse sentido, deve-se sempre ter em mente que a atuação do Estado em relação à livre concorrência deve privilegiar a garantia de um ambiente de igualdade de condições competitivas. Nem a imposição nem a exoneração tributária devem causar desequilíbrios na concorrência, haja vista que o poder de tributação não deve influenciar a competitividade.

Na esteira de ações governamentais que têm como finalidade a eliminação das práticas atentatórias ao equilíbrio concorrencial, além da proposta de unificação do ICMS, pode-se citar a regulamentação do artigo 146-A, da Constituição Federal, o qual eleva à categoria de princípio constitucional a neutralidade tributária ao prever a possibilidade de instituição, pelo legislador complementar da União, de critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência.

A importância do artigo 146-A consiste justamente em ser um instrumento de ação positiva do Estado para garantir maior concretude ao princípio da livre concorrência e da isonomia tributária. Com base nele, podem ser instituídos regimes especiais sem agressão às normas constitucionais. É exatamente para assegurar que não existam “ganhadores” e “perdedores”, com risco ao equilíbrio econômico, financeiro e social, e, ainda assim, garantir a livre concorrência, que se justificam os regimes especiais. Oportuno salientar que o artigo 146-A carece da edição de lei complementar para que possa produzir efeitos concretos.

Por meio de declarações, o Palácio do Planalto tem se manifestado no sentido de que o Poder o Executivo pretende privilegiar assuntos tributários e federativos, com atenção especial para a unificação das alíquotas do ICMS e a criação do fundo de compensação, que cobrirá as diferenças, e do fundo de desenvolvimento regional, para contemplar regiões que precisam atrair desenvolvimento sem promover a guerra fiscal.

Contudo, para além da edição de medidas provisórias, seria de extrema relevância que tanto o Poder Executivo quanto o Poder Legislativo se debruçassem sobre outras possibilidades legislativas, que tenham a finalidade de tratar sobre temas federativos e tributários.

Embora a unificação das alíquotas do ICMS seja um passo importante na resolução da guerra fiscal, não soluciona a equação no que diz respeito à possibilidade de concessão de regimes especiais de tributação, o que, da mesma forma, como já mencionado, constitui ferramenta em favor do equilíbrio da concorrência. Nesse sentido, tem-se como uma medida que merece atenção a já anteriormente citada regulamentação do artigo 146-A, com o objetivo de estabelecer os parâmetros para que a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios possam, por meio de leis ordinárias próprias, fixar critérios especiais de tributação aptos a prevenir ou restabelecer a igualdade da concorrência.

Assim, espera-se que a construção da agenda política para o presente ano contemple, também, o debate acerca da regulamentação do modo pelo qual os critérios especiais de tributação poderão ser concedidos pelos entes políticos.

 

*Advogada graduada pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e graduanda em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalha na área de Relações Governamentais desde 2011.