Comissão aprova imunidade tributária para medicamentos

Fonte: Valor Econômico – 27/11/2012

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) aprovou, ontem, por unanimidade, proposta de emenda constitucional (PEC) do senador Paulo Bauer (PSDB-SC) que concede imunidade tributária à cadeia produtiva de medicamentos. A PEC 115 vai agora ao plenário do Senado, onde, para ser aprovada, precisa receber votos favoráveis de três quintos dos 81 senadores, em dois turnos de votação.
Bauer disse que vai pedir ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), para o projeto ser colocado logo em pauta. “Como é fim de ano podemos ter alguma dificuldade, mas como esse é um assunto de grande apelo popular, é possível criar essa possibilidade”, disse. A renúncia fiscal estimada com tal medida fica na casa dos R$ 17 bilhões. A Receita Federal e o Ministério da Fazenda não quiseram comentar a emenda constitucional aprovada.
Mas o Valor apurou que o governo é completamente contra a proposta. A aprovação na CCJ foi mais por “vista grossa” do que um “cochilo” dos senadores governistas. A estratégia do governo seria barrar o projeto na Câmara, já que o custo de brigar contra uma proposta dessas é mais elevado no Senado.
O governo é contra a imunidade tributária, primeiro, pela perda de receita, e depois porque a proposta poderia acirrar as discussões sobre favorecer um Estado ou outro no momento em que o governo tenta acabar com a guerra fiscal, buscando unificar alíquotas de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Nota técnica do Ministério da Saúde, feita a pedido do senador Bauer, levanta dados sobre o setor e mostra que a carga tributária incidente sobre os remédios, no Brasil, beira os 34% em média, contra 21% da Argentina, 6% do Reino Unido e 3% na França. Imposto zero sobre o setor é fato nos Estados Unidos, México e Canadá. Já a média mundial está em 6%.
A nota técnica também apresenta dados do Ibope indicando que o mercado de medicamentos deve movimentar R$ 63 bilhões em 2012. Os principais consumidores serão das classes “B” e “C” demandando 80%.
O parecer do ministério também ressalta, com base nos dados da ISM Health, que 71,4% do desembolso com medicamentos é feito diretamente pela população. Na Europa, esse percentual é de 10% a 15%.
Isso acontece mesmo com o aumento na distribuição de medicamentos pelo governo nos últimos anos. Dados do IBGE, compilados pelo ministério, mostram que em 2009 – último levantamento disponível – o governo gastou R$ 6 bilhões com medicamentos, enquanto a população desembolsou R$ 56 bilhões.
Tanto o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma) quanto a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) mostram-se favoráveis a tal projeto.
O presidente-executivo da Sindusfarma, Nelson Mussolini, lembra que não há como a desoneração não chegar ao consumidor final, já que há legislação específica dando conta de que qualquer redução de imposto sobre remédio é automaticamente repassada.
Segundo o presidente-executivo da Interfarma, Antônio Britto, há um claro problema de acesso a medicamentos no país. “Chegamos ao limite dessa situação. Há impedimento de acesso por conta da tributação e isso gera custos para o governo”, disse Britto, lembrando que 54% dos brasileiros não fazem o tratamento médico como deveriam e um dos motivos é o preço dos medicamentos.
“O governo desonerou seletivamente montadoras, linha branca e outros setores. Esperamos que o presidente Dilma e o ministro Guido Mantega tenham a sensibilidade de avaliar questões dos medicamentos”, diz Britto.
Britto explica ainda, que entre a maior fatia desses tributos é estadual. No Paraná, caso sempre citado nessas discussões, a alíquota caiu de 18% para 12% desde abril de 2009 e o governo viu um aumento de arrecadação em função do maior consumo. O imposto mais alto praticado sobre o setor é do Rio de Janeiro, com alíquota de 19%. A experiência adotada no Paraná é citada pela nota técnica do Ministério da Saúde sobre a PEC 115.
A conclusão da nota técnica diz que a proposta “é de suma importância e extremamente necessária”. No entanto, como trata de isenção tributária deve considerar o risco de uma eventual renúncia fiscal não se traduzir em redução de recursos destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Para os técnicos do Ministério da Saúde, parece “mais apropriada” a redução parcial de impostos notadamente no ICMS, pois isso não traria grande interferência na receita base dos Estados.
“Fica a sugestão de estudo mais aprofundado, o qual requer o acesso a dados primários, sobretudo de arrecadação, para que se estime com maior precisão o impacto fiscal de tal medida”, conclui a nota técnica sugerindo que a Fazenda e a Anvisa também avaliem a questão.

Alerta: Está cada vez mais difícil comprar remédios com receita no Brasil

O alto custo do medicamento prescrito pelo médico continua sendo o maior obstáculo para o acesso da população ao direito básico à saúde, previsto na Constituição. O peso dos impostos sobre remédios vendidos com prescrição médica no Brasil supera o de outros 37 países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do grupo dos BRICs.

De acordo com estudos reunidos pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), mais de 71% dos medicamentos são comprados diretamente pela população, um porcentual bem maior do que a participação do governo no fornecimento de medicamentos. Além disso, na hora de pagar o remédio no caixa da farmácia, 34% do preço do medicamento referem-se a 86 impostos que incidem sobre o produto. Para o presidente-executivo da Interfarma, Antonio Britto, “há uma relação direta entre a dificuldade de acesso ao medicamento e o peso dos tributos”.

Esses e outros dados constam da publicação “Tributos e Medicamentos”, que analisa a estrutura tributária do setor farmacêutico no Brasil e em outros países. A obra foi lançada no dia 20 de agosto pela Interfarma, durante o Seminário “Medicamentos & Tributos”, realizado pela Associação em parceria com o jornal Valor Econômico. Organizado pelos professores Eduardo Perillo e Maria Cristina Sanches Amorim, pesquisadores em economia da PUC/SP, o livro traz contribuições de diversos pesquisadores de universidades brasileiras e estrangeiras.

Em sua palestra no evento, o professor de Políticas de Saúde do Imperial College de Londres, Nick Bosanquet, apresentou levantamento sobre o peso dos impostos em diversos países, que mostra claramente que a incidência de impostos sobre medicamentos com receita no Brasil é maior que 37 dos países da OCDE e também dos outros integrantes dos Brics. São 86 impostos, taxas e tributos que incidem sobre os produtos, cuja alíquota chega a 28%.

“Estamos longe de oferecer o bem-estar social proporcionado por nações que, apesar de terem cargas tributárias mais elevadas que o Brasil, apresentam elevados níveis de retorno à população dos impostos pagos”, afirmou o presidente-executivo do ETCO, Roberto Abdenur, referindo-se a países como Austrália, Japão, Suécia, Suíça e Finlândia.

Durante o evento, a Interfarma declarou o seu apoio a iniciativas que buscam reduzir ou eliminar os impostos que incidem sobre o medicamento no Brasil, como é o caso da Frente Parlamentar pela Redução de Tributos em Medicamentos, uma iniciativa conjunta da Associação Brasileira dos Distribuidores de Laboratórios Nacionais (Abradilan), da Associação Brasileira do Atacado Farmacêutico (Abafarma), da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) e da Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (ABCFarma).

Além disso, a Interfarma apoia a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de autoria do senador Paulo Bauer, que isenta os medicamentos de uso humano de impostos, e também o Projeto de Lei do deputado federal José Antônio Machado Regufe, que propõe a isenção de impostos para os medicamentos essenciais.

Entre todos os tributos que incidem hoje sobre os remédios, um deles é o PIS/Cofins, um imposto federal que tem isenção para 65% dos produtos com prescrição médica destinados a doenças crônicas. A Interfarma reivindica que o governo estenda essa isenção a todos os medicamentos. A entidade apoia também a redução do ICMS dos Estados e do ICMS interestadual para uma alíquota de 7%.

Brasil é líder mundial em tributação de remédio

Folha de S. Paulo – 19/08/2012

Entre 38 países, o Brasil é hoje recordista no nível de tributação sobre os medicamentos vendidos nas farmácias sob prescrição.

A somatória das alíquotas de impostos federais e estaduais incidentes sobre o produto, de 28%, é três vezes maior que a média obtida entre os países do estudo. Alguns, como Canadá, México e Reino Unido, têm alíquota zero sobre os remédios.

A constatação é de um estudo inédito elaborado pelo pesquisador Nick Bosanquet, professor de políticas de saúde do Imperial College, em Londres, que considerou os impostos sobre consumo em cada um dos países.

No Brasil, foram contabilizados o ICMS, imposto cobrado pelos governos dos Estados, e o PIS/Cofins, cobrado pelo governo federal.

O ranking faz parte de uma publicação da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), que será divulgada amanhã.

GASTOS PESSOAIS

O nível recorde de tributação tem impacto direto no bolso dos consumidores, uma vez que, no mercado brasileiro, os gastos com remédios não são reembolsados pelo Estado ou pelos planos de saúde, como ocorre em países desenvolvidos.

No mercado farmacêutico brasileiro, cujo faturamento somou R$ 42,8 bilhões em 2011, segundo dados do instituto IMS Health, 71,4% do desembolso é realizado diretamente pela população.

Nos países europeus, de 10% a 15% dos gastos são assumidos pelo consumidor.

“O consumidor tira do próprio bolso para financiar seu tratamento e ainda paga o maior tributo do mundo”, diz Antonio Brito, presidente da Interfarma. “A soma das duas situações é explosiva.”

A eliminação de tributos sobre medicamentos prescritos pode aumentar as vendas em 2,5% a 5%, diz o estudo.

Esse impacto ocorreria sobretudo entre os consumidores de menor renda.

Dados do IBGE mostram que o desembolso das famílias de classe E em medicamentos é de R$ 7 por mês.

Os mais ricos gastam por mês R$ 97, enquanto a média nacional é de R$ 38,60.

“Esses números mostram que o acesso aos medicamentos depende exclusivamente da renda do brasileiro”, afirma Brito.

ICMS

Segundo o tributarista Bruno Coutinho de Aguiar, do escritório Rayes e Fagundes, o grande vilão da tributação no setor farmacêutico é o ICMS.

A alíquota do imposto dos Estados é de, em média, 17%.

“Um produto essencial como o medicamento tem uma alíquota maior que a de automóveis, por exemplo.”

Marcelo Liebhard, diretor de assuntos econômicos da Interfarma, diz que, em muitos Estados, o valor arrecadado com o ICMS sobre medicamentos é superior à quantia gasta pelo governo na distribuição de medicamentos.

“Isso ocorre em São Paulo, onde são recolhidos R$ 3 bilhões de imposto.”

Segundo os especialistas, o preço impeditivo faz com que cresçam as demandas na Justiça pedindo o fornecimento de medicamentos pelo governo. Estima-se que existam 200 mil processos na Justiça brasileira com esse tipo de solicitação.

Senado aprova política nacional de combate à pirataria de remédios e cosméticos

Fonte: Agência Brasil – 13/06/2012

Marcos Chagas – Repórter da Agência Brasil

O Senado superou hoje (13) a primeira etapa da criação de uma política nacional de combate à pirataria de produtos submetidos à Vigilância Sanitária. O foco principal é integrar as diversas ações governamentais de enfrentamento da pirataria de produtos que devem passar pelo crivo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Projeto de lei nesse sentido, de autoria do senador Humberto Costa (PT-PE), foi aprovado em caráter terminativo na Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Agora, a matéria seguirá para a análise da Câmara dos Deputados.

Segundo levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), citado pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), na América Latina, no Sudeste da Ásia e na África estima-se que 30% dos produtos à venda no mercado e usados pela população têm origem fraudulenta. A Anvisa, por sua vez, estima esse percentual em 20% no Brasil.

Os dados foram apresentados pela relatora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). Ela lembrou que a OMS estima em 25% o percentual de falsificação ou adulteração de medicamentos vendidos em países em desenvolvimento como Brasil, Turquia, Rússia e Índia.

A relatora citou, por exemplo, a pirataria de cosméticos, que tem características peculiares. “A produção ilegal ocorre dentro das fronteiras do país, em fabriquetas de fundo de quintal ou em pequenos laboratórios”. Ela acrescentou que a produção está mais próxima dos locais de consumo, o que dificulta a interceptação dos produtos. A senadora citou que as denúncias veiculadas recentemente de uso de formol (formaldeído) em cremes para o cabelo trouxeram à tona um pouco da realidade da fabricação e do uso ilegal de cosméticos no Brasil.

Descoberta fábrica de medicamentos clandestinos no Paraná

Fonte: 180 graus.com (Teresina – PI) – 23/05/2012

Medicamentos falsificados no Brasil são mais comum do que se imagina e todo cuidado é pouco na hora de adquiri-los.

Órgãos Internacionais estimam que até 30% do medicamento comercializado no País tenha problemas. No estado do Paraná, conhecido por possuir uma dos mais atuantes sistemas de vigilância sanitária do País, a polícia civil daquele estado descobriu uma fabrica clandestina de medicamentos clandestinos que funcionava em uma chácara na Estrada Bandeirante, na zona rural da cidade Maringá.

No local, foram apreendidos três adolescentes e um gerente responsável pela falsificação dos produtos. Segundo a polícia, os detidos falsificavam 15 tipos de medicamentos diferentes no local, que eram enviados para distribuidoras nos estados do Paraná e Santa Catarina. No total, o bando produzia aproximadamente 1200 potes de remédios e movimentava mais de R$ 100 mil por mês no esquema.

No local, os investigadores encontraram milhares de potes de plástico, rótulos, capsulas vazias, caixas de papelão e outros materiais utilizados para embalar e distribuir os remédios. De acordo com a polícia, os suspeitos utilizavam a mesma substância para encher as capsulas dos diferentes tipos de medicamentos.

Alertamos aos usuários de medicamentos a sempre exigir a nota fiscal do medicamento comprado e em caso de suspeita, entrar em contato com a Anvisa no endereço: SIA Trecho 5, Área Especial 57, lote 200, Bloco D, 1º Subsolo. Brasília – DF, CEP: 71.205-050. Ou se preferir, pelos telefones: (61) 3462-6792/5786/6840 ou por fax: (61) 3462-5772.

Em qualquer estabelecimento flagrado com medicamentos irregulares, seus responsáveis responderão pelos crimes enquadrado no Art. 273 do Código Penal Brasileiro e estarão sujeitos a pena de reclusão que varia de 10 a 15 anos.

Um terço dos remédios contra malária no mundo é falso

Fonte: O Globo Online (Rio de Janeiro – RJ) – 22/05/2012

Falsificação causa resistência e falha no tratamento da doença, dizem pesquisadores

Um artigo publicado na revista “The Lancet Infectious Diseases” mostra que um terço dos medicamentos usados para conter a propagação da malária no mundo é falso. Pesquisadores que analisaram 1500 amostras de drogas retiradas de sete países do Sudeste Asiático afirmam que a baixa qualidade dos remédios falsificados está causando resistência e falhas no tratamento.

Outra análise realizada em 21 países da África Subsaariana, com mais de 2500 amostras de drogas, mostrou resultados semelhantes. Os pesquisadores americanos do Fogarty International Center, dos Institutos Nacionais de Saúde, que coordenaram o trabalho, acreditam que o problema pode ser até maior que os dados sugerem.

“A maioria dos casos pode não ser relatada, ou é comunicada às agências erradas, ou mantida sob confidencialidade pelas farmacêuticas”, escrevem os pesquisadores.

Nenhum estudo de grande alcance sobre a qualidade dos medicamentos foi realizado na China ou na Índia, países que concentram um terço da população mundial e são pontos importantes de produção de remédios.

– Entre 655 mil e 1,2 milhão de pessoas morrem todos os anos por causa da doença – disse à BBC o pesquisador que liderou o estudo, Gaurvika Nayyar. – Grande parte dessas mortes poderia ser evitada se as drogas disponíveis para os pacientes fossem eficazes, de qualidade e usadas corretamente.

O estudo afirma que os meios de monitorar a qualidade das drogas contra a malária são insuficientes e há pouco conhecimento dos consumidores e profissionais de saúde sobre os tratamentos. Falta ainda supervisão da produção dessas drogas, assim como ações punitivas contra os falsificadores.

Apesar disso, a mortalidade por malária tem caído mais de 25% em todo o mundo desde 2000, e 33% na região africana. Mas a Organização Mundial da Saúde diz que manter as atuais taxas de diminuição do número de mortes não é suficiente para cumprir as metas globais de controle da doença. E faz um chamado para aumentar os investimentos em testes de diagnóstico, tratamento e fiscalização.

Passeio de nota fiscal 2.0

Fonte: Info Exame (São Paulo – SP) – 22/05/2012

São Paulo – O manicômio tributário brasileiro oferece um vasto espaço para a atua­ção de sonegadores. Apenas no que diz respeito ao imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), cada estado tem sua própria legislação, com um total de 3.500 normas em constante mutação.

Nos últimos anos, esse emaranhado se complicou ainda mais com o agravamento da guerra fiscal entre estados e municípios para atrair empresas e aumentar sua arrecadação. É fácil entender o apetite pelo ICMS. A arrecadação do imposto aumentou 33% desde 2009 e se aproximou de 300 bilhões de reais no ano passado.

A principal arma utilizada na guerra é a oferta de redução no tributo. Como resultado, vigoram no país mais de 40 alíquotas diferentes de ICMS, variando de 4% a 25%. E o que poderia ser bom — pagar menos imposto — se tornou um campo fértil para o crime.

O golpe mais aplicado é o passeio da nota fiscal. Há alguns anos, os golpistas elaboravam uma verdadeira engenharia logística para fraudar: partindo de um estado produtor, as mercadorias viajavam para estados com tributo menor. O passeio servia para esquentar a nota, registrando o produto como se tivesse sido produzido no estado que cobra menos imposto.

Depois, o bem voltava ao ponto de partida, geralmente São Paulo, para ser consumido. Com a criação da nota eletrônica, um clique no computador passou a ser suficiente para emitir o documento — são 180 milhões por mês no país. E aí nasceu o passeio 2.0: a nota fiscal cumpre virtualmente o trajeto para outros estados, mas o produto não sai do lugar.

Para simular que algo foi produzido num estado distante, basta enviar a nota para lá e depois fazer o inverso. Por mágica, o produto “muda” de origem. “A diferença de ICMS induz o desonesto a simular um destino fictício”, diz Clóvis Panzarini, ex-coordenador da Secretaria da Fazenda paulista.

Embora alguns estados e algumas empresas possam ter ganhos com a fraude, a economia do país só tem a perder. “A guerra fiscal promove distorção nas decisões de investimento, eleva custos e prejudica as empresas que andam dentro da lei”, diz o economista Paulo Rabello de Castro.

Para tentar acabar com a guerra, o governo federal discute com estados a unificação das alíquotas interestaduais — hoje elas são de 7% e 12%. Mas a negociação deve demorar. Enquanto isso, o passeio de nota viceja, como mostram três exemplos a seguir, nos mercados de etanol, medicamentos e aço.

Etanol

Desde 2007, para evitar fraudes, o governo determinou que as 16 refinarias do país centralizassem o recolhimento de impostos sobre a gasolina e o óleo diesel. O etanol, porém, por ser produzido em centenas de usinas, ficou de fora — e se tornou o alvo preferido de distribuidores desonestos.

Os fraudadores criam distribuidoras em estados como Goiás, onde a alíquota do ICMS é inferior à de São Paulo, o principal estado produtor. “O esquema é montado com uma empresa legalmente constituída, mas em nome de laranjas”, diz Alísio Vaz, presidente do sindicato das distribuidoras de combustíveis.

A empresa serve apenas para simular a passagem do etanol e emitir a nota fiscal eletrônica, obtendo o benefício do imposto menor. Mas só a nota viaja a Goiás. O combustível segue direto do produtor para postos que participam do esquema e que, assim, oferecem etanol a preço baixo — tirando clientes dos concorrentes que atuam na legalidade.

A fraude, porém, não termina no passeio da nota. Com o tempo, os fraudadores passam a sonegar todos os impostos. Quando são multados, abandonam a distribuidora e recomeçam com o nome de outro laranja. Sete empresas estão atualmente sob investigação — a Agência Nacional do Petróleo não divulga quais são.

Medicamentos

os medicamentos são um dos produtos mais afetados pelo passeio de nota fiscal. A existência de 82 000 farmácias dispersas pelo país — 90% delas pequenas — e as margens apertadas do setor facilitam a atuação dos picaretas, pois ganhos no imposto podem aumentar o lucro dos comerciantes.

As fraudes com remédios são antigas, mas recentemente incorporaram a tecnologia. Até três anos atrás, a carga e a nota fiscal de papel faziam um bate-volta: viajavam de estados que são produtores, como São Paulo e Rio de Janeiro, onde o ICMS é mais pesado, até, por exemplo, o Distrito Federal, que cobra um tributo menor.

Depois, a carga voltava à origem para ser vendida. Agora, com um clique no computador, é emitida a nota eletrônica como se a carga tivesse cumprido o mesmo trajeto. O novo esquema é chamado de carrossel: a nota faz uma volta para chegar ao mesmo lugar e a carga fica parada. “A diferença de alguns pontos percentuais incentiva o passeio de notas no atacado”, diz Ronaldo de Carvalho, dono da rede Drogaria São Paulo.

Aço

Longe de diminuir, a guerra fiscal entre os estados tem evoluído com novos formatos. O que ganhou mais espaço recentemente foi a oferta de  benefícios fiscais específicos para produtos importados. Em portos como Itajaí, em Santa Catarina, e Vitória, no Espírito Santo, isso passou a ser feito para atrair cargas vindas do exterior e destinadas a outros estados.

Assim, um produto que vai ser vendido em São Paulo, em vez de desembarcar em Santos, utiliza um terminal de um estado que cobra ICMS menor. As empresas que desembaraçam seus produtos importados nesses portos pagam uma pequena parcela de ICMS ao estado e recebem um crédito tributário como se tivessem recolhido integralmente o imposto.

A diferença é cobrada do estado de destino e se transforma em lucro. No mercado de distribuição de aço, esse novo cenário da guerra fiscal está propiciando mais uma trambicagem: o passeio de nota fiscal internacional. Distribuidores desonestos passaram a simular que cargas de produtos brasileiros vieram de países como China ou Itália.

Mas, na realidade, apenas a nota fiscal foi emitida eletronicamente como se o aço tivesse origem no exterior. Com a operação, os enganadores conseguem vender aço a preço até 8% mais barato que a média do mercado, o equivalente a 224 reais por tonelada.

“Dependendo do crédito tributário obtido pelo distribuidor no porto, a vantagem em relação ao preço do meu produto chega a 12%”, afirma um empresário do setor que pediu anonimato. A solução para acabar com esse tipo de golpe está em discussão no Senado: definir uma alíquota única de ICMS para os bens importados.

“A guerra dos portos patrocinada por alguns estados exige uma solução urgente para acabar com fraudes como o passeio de nota internacional”, diz Marco Polo Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil.

Mercado ilegal de remédios explode na internet

Fonte: O Globo (Rio de Janeiro – RJ) – 22/05/2012

Investigação do Ministério da Saúde lista 1,2 mil sites de venda de medicamentos proibidos e produtos falsificados

BRASILIA. Um trabalho encomendado pelo Ministério da Saúde detectou que empresas que operam mercado paralelo na internet de venda ilegal de medicamentos, de inibidores de apetites, de esteroides anabolizantes, de abortivos e de receita azul fazem uso criminoso de logomarcas oficiais. Foi identificado até um perfil falso do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, no Twitter. Esses são alguns resultados do minucioso levantamento “Fiscalização digital: ameaças é saúde coletiva na internet”, que durou um ano, e foi encomendado a uma empresa privada especializada nessa área digital.

O estudo foi entregue ao ministério em março. Na internet, os criminosos usam símbolos e logomarcas de serviços e produtos do Ministério da Saúde e enganam os consumidores com anúncios de que os medicamentos têm o registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Foram contabilizadas a existência de 1,2 mil sites ilegais, dos mais variados. De medicamentos abortivos, em especial Cytotec, foram identificados 359 sites (30% do total); de inibidores de apetite, 382 (32%); de esteroides anabolizantes, 258 (22%); de fitoterápicos, 159 (13%); e de venda de receita azul, 41 sites (3%).

No caso do abortivo, a empresa contratada para fazer essa varredura na internet chega a calcular que o gasto com internações por problemas decorridos do uso do Cytotec chega a R$ 13,4 milhões por ano. O faturamento ilegal com anabolizantes, no período de um ano da aferição, foi estimado em R$ 153 milhões. Com anorexígenos, o mercado ilegal faturaria R$ 82,4 milhões.

Segundo o estudo, os sites vendem ilusões, além de produtos não regulamentados e geradores de problemas de saúde. O trabalho concluiu que hã, nas redes sociais, “drogarias on-line”, com práticas criminosas. “O físico e o virtual se misturam: consultas médicas são feitas on-line, medicamentos falsificados são comprados através da internet e enviados para endereços reais. A farmácia que vende produtos controlados sem receita está na rede”, diz as conclusões do trabalho. “A internet é uma válvula de escape: é o canal de comunicação entre o indivíduo e a rede criminosa que permite o anonimato. A indústria de medicamentos falsificados é fomentada pela busca por medicamentos proibidos, pela falta de fiscalização na internet, pelos preços abaixo do mercado regular, e pela desinformação da população”.

Os autores concluíram que parte dos problemas de saúde pública do Brasil está, de alguma maneira, associada é internet: abortos ilegais, compra de remédios falsificados, intoxicação por medicamentos falsificados e desenvolvimento de doenças devido é ingestão de medicamentos sem acompanhamento médico.

O trabalho monitorou as principais marcas do Ministério da Saúde, como UPA, Farmácia Popular, Saúde da Família, SUS e Samu. Os produtos se apresentam assim na internet: “Cenaless, o segredo para seu emagrecimento. Auxilia na busca do corpo belo. Bumbum perfeito: apareça na praia com um corpo de causar inveja”. E diz que o produto é aprovado pela Anvisa, o que não é verdade.