As batalhas pela simplificação tributária

O Estado de S. Paulo – 08/11/2011

Por Everardo Maciel

A funcionalidade e a diversidade da natureza, tão fascinantes quanto quase imperscrutáveis, estão associadas à existência de uma estrutura complexa, em que as partes estão em contínuo processo de interação. Ante a desproporcional limitação da inteligência humana, sua compreensão requer a construção de modelos que simplifiquem a realidade, para compreendê-la e com ela interagir, a despeito dos riscos de uma modelação simplista, desapegada da realidade e muitas vezes fundada em apriorismos filosóficos ou religiosos.

À medida que prospera o processo civilizatório, as relações sociais, em sentido lato, tendem à complexidade, ainda que em escala infinitamente menor se cotejada com os sistemas naturais.

O elogio à genialidade de Steve Jobs ressaltou sua obsessão com a simplicidade criativa. O primeiro folheto propagandístico da Apple proclamava, acolhendo célebre frase de Leonardo da Vinci, que “a simplicidade é a sofisticação máxima”. Acrescentou Jobs: “O simples pode ser mais difícil que o complexo. Você tem de trabalhar muito para chegar a um pensamento claro e fazer o simples”.

Sistemas tributários correspondem a intervenções do Estado – em tese meritórias – nas relações sociais, daí porque se vocacionam para a complexidade, quando acriticamente se limitam a replicar, no âmbito do seu objeto, relações sociais mais elaboradas.

A complexidade tributária é custosa, ineficiente, controversa e produz as trevas nas quais deambulam o burocratismo, que não raro inclui a corrupção administrativa, e as diversas modalidades de alquimia tributária, ao gosto da sonegação e da elisão fiscal.

A iniquidade dos sistemas complexos foi denunciada por eminentes tributaristas contemporâneos, a exemplo de Klaus Tipke, Casalta Nabais, Richard Musgrave e Vito Tanzi. Há uma convicção generalizada de que a demanda por simplificação se tornou universal e de que o caos tributário não é propriedade de nenhum país.

A reforma tributária de 1965 foi um extraordinário exercício de simplificação, ao reparar – ao menos parcialmente – as imperfeições na tributação do consumo, centralizar na União os tributos sobre o comércio exterior e codificar a matéria tributária, sem descurar de melhorias na administração fiscal.

Outro exemplo de iniciativa simplificadora foi a reforma do Imposto de Renda, empreendida na segunda metade dos anos 90.

A eliminação da correção monetária, para fins fiscais, expurgou uma aberração que tornava a legislação do Imposto de Renda brasileiro, além de complexa, extremamente injusta, porque premiava as grandes empresas, em escala progressiva, com a aceleração do processo inflacionário.

A efetivação do lucro presumido, pela elevação dos limites de faturamento para opção dos contribuintes e isenção na distribuição dos resultados, elidindo uma virtual bitributação, produziu, singularmente, aumento de opções e de arrecadação, constituindo uma solução que conciliou interesses do Fisco e dos contribuintes.

A instituição do Simples, em 1996, representou a mais significativa onda de formalização de micro e pequenas empresas no Brasil, a despeito de todas as deploráveis restrições burocráticas à constituição e baixa de empresas, que ainda hoje perduram. Motivou, inclusive, a adoção de modelos análogos estaduais, como o Simples Paulista e o Simples Candango.

O esforço simplificador, contudo, enfrenta obstáculos sucessivos. Muitas vezes, o Fisco parece abominar a simplicidade. O contribuinte é visto, nessa hipótese, como adversário. Quanto mais complexa e obscura a legislação, maior a dependência à interpretação da administração fiscal, fazendo sobressair a força corporativa.

Desse modo, de tempos em tempos ressurge a demanda por indexação de tabelas de impostos, esquecendo que esse instituto foi um dos principais responsáveis pela inflação, que infelicitou o Brasil por um longo período.

Desde 2002 não se revê o limite de opção do lucro presumido. Argumenta-se com virtual perda de arrecadação, o que não corresponde à verdade. Nenhuma vez em que houve elevação desse limite ocorreu diminuição de receitas.

No Congresso Nacional tramitam projetos que pretendem estabelecer novos limites, entre eles um de autoria do hoje vice-presidente Michel Temer. Os parlamentares não devem demitir de si a discussão da matéria.

Foi boa a intenção de unificar, no âmbito federativo, os diferentes regimes simplificados de tributação das micro e pequenas empresas, com a criação do Simples Nacional.

Aos méritos da instituição do Microempreendedor Individual e da elevação dos limites máximos de receita bruta para enquadramento no regime se contrapõem a completa inépcia em relação à simplificação dos procedimentos de inscrição e baixa de optantes, a desconcertante e contraditória complexidade na apuração do imposto devido e a profusão de normas emanadas pelo comitê gestor.

A simplificação precisa se inscrever na agenda tributária brasileira em caráter permanente. Não se pode esquecer de que a complexidade é oportunista e de difícil erradicação.

O ajuste fiscal inflacionário

Fonte: Valor Econômico – 15/06/2011

Ao privilegiar o aumento da arrecadação tributária em vez do corte de despesas, a política fiscal adotada pelo governo não contribuirá para o esforço anti-inflacionário em 2011. Na verdade, a elevação da carga tributária em 1,1 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB), prevista pelo próprio governo, alimentará a inflação. A ênfase no incremento das receitas mostra, na prática, as autoridades mais interessadas em diminuir a dívida pública com proporção do PIB do que em ajudar a conter a escalada dos preços.

Em 2010, o superávit primário das contas públicas (excluídos os gastos com juros e as receitas da capitalização da Petrobras) foi, no âmbito do governo federal, de 1,3% do PIB, o segundo menor desde 1999, quando o país adotou o atual tripé de política econômica – superávit, câmbio flutuante e metas para inflação. Em 2011, a meta é aumentar o superávit para 2% do PIB.

As receitas totais da União devem crescer, segundo estimativas oficiais, de 23% do PIB em 2010 para 24,1% do PIB este ano. As transferências a Estados e municípios devem saltar, por sua vez, de 3,8% para 4,1% do PIB. A previsão é que as despesas totais cresçam 0,1 ponto percentual do PIB no período. A consolidação fiscal será feita, portanto, por meio do aumento de receitas e não do corte de gastos.

Alta da carga tributária deve pressionar o IPCA

Essa escolha, sustenta o economista-chefe do banco Credit Suisse, Nilson Teixeira, não ajuda o Banco Central (BC) a conter a inflação. O aumento da carga tributária reduz o nível de atividade e também a renda disponível das famílias. Num ambiente de baixa competitividade, a elevação de impostos tende a ser repassada, em grande medida, aos consumidores, pressionando a inflação. A resposta do BC a esse cenário é mais juros.

Se a opção do ajuste fosse pelo corte de despesas, também haveria um impacto negativo sobre o nível de atividade, uma vez que o menor consumo do governo diminuiria a demanda agregada. Pelo canal da demanda, portanto, o efeito sobre a inflação seria negativo. Diante disso, o BC operaria com menor necessidade de aumento da taxa de juros.

Como o governo optou pelo forte crescimento das receitas, por meio do reajuste de alíquotas de impostos como IOF e IPI, e pela quase estabilidade das despesas, o efeito do aumento da arrecadação na inflação será maior do que o de contenção dos gastos públicos. “Isso não decorre apenas da magnitude relativa da variação das receitas ser muito superior ao da variação das despesas. Esse resultado também é sugerido por uma ampla literatura empírica que aponta que os multiplicadores associados a variações na taxação, de modo geral, são muito maiores do que aqueles associados a variações nas despesas do governo para explicar a dinâmica da inflação, produto e taxa de juros”, explica o economista do Credit Suisse.

Teixeira e sua equipe fizeram exercícios econométricos, a partir das variáveis econômicas e doajuste fiscal, e constataram que a política fiscal contribuirá com 0,9 ponto percentual do IPCA em 2011. Trata-se, portanto, de um efeito distinto ao previsto pelo Banco Central em seus documentos – o BC não tornou públicas estimativas do impacto do ajuste fiscal na inflação, mas anunciou que, na sua estratégia anti-inflacionária, conta com o cumprimento da meta de superávit de 2,9% do PIB (2% do governo federal mais 0,9% de Estados e municípios).

“Nesse contexto, a taxa de crescimento do PIB no acumulado em 2011 será 0,4 ponto percentual menor que na ausência do ajuste fiscal projetado. Ao mesmo tempo, esperamos uma Selic, em média, 150 pontos básicos maior”, diz Nilson Teixeira. Para ele, o governo deve promover no ano corrente o maior aumento de carga tributária dos últimos anos, fazendo com que a contribuição da política fiscal para o controle da inflação seja a mais desfavorável desde 2005.

Se tudo caminhar como o previsto, o esforço fiscal provocará redução de 0,7 ponto percentual do PIB na dívida pública líquida. O impacto da política fiscal sobre os indicadores da economia (inflação, PIB e taxa de juros) deve diminuir esse resultado, no entanto, para 0,4 p.p..

“Em um contexto de baixo risco de insolvência fiscal e de forte necessidade de controle da inflação, julgamos que o benefício dessa redução da dívida pública não supera o custo de um aumento da inflação em 0,9 p.p. no ano. Esse resultado reforça a avaliação de que a forma adequada de reduzir a magnitude do aperto monetário necessário para fazer a inflação convergir para o centro da meta em 2012 seria por meio de uma política fiscal com contração das despesas como proporção do PIB e não com aumento da carga tributária”, sugere Teixeira.

O problema é que conter as despesas no próximo ano não será nada fácil. De saída, o salário mínimo terá reajuste de cerca de 14%, elevando despesas obrigatórias como benefícios previdenciários e assistenciais e o seguro-desemprego, itens que respondem por cerca de 45% do gasto corrente total. Além disso, o capital político para continuar represando demandas do funcionalismo por reajustes será cada vez menor.

 

Renúncia fiscal do Simples pode custar R$ 3,5 bilhões

Fonte: Brasil Econômico – 14/06/2011

Essa é a estimativa da queda na arrecadação com a mudança nas faixas de enquadramento de micro e pequenas empresas.

O desfecho das negociações para elevar os limites de faturamento que credenciam uma empresa a se beneficiar do regime tributário simplificado, o Simples, ainda depende de quanto o governo está disposto a abrir mão de suas receitas.

As primeiras estimativas apontam para uma renúncia fiscal de até R$ 3,5 bilhões ao ano, caso a equipe econômica aceite reajustar as faixas intermediárias para o enquadramento de microempreendedores, microempresas e companhias pequenas.

Como o impacto é alto, o Ministério da Fazenda colocou à mesa duas propostas a deputados e senadores da Frente Parlamentar Mista da Micro e Pequena Empresa e que serão discutidas novamente com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, na próxima semana.

O presidente da frente, deputado Pepe Vargas (PT-RS), disse que, no primeiro cenário, o governo propôs elevar apenas a última faixa do faturamento bruto, de R$ 2,4 milhões para R$ 3,6 milhões. Nesse caso, a renúncia seria de R$ 1,5 bilhão.

A segunda hipótese é fazer um reajuste menor em todos os limites, reduzindo o que está descrito no projeto. Com isso, o reajuste da faixa superior iria a R$ 3,2 milhões – saída para reduzir a renúncia a menos de R$ 2 bilhões anuais.

Pelo texto que modifica a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, o limite da receita bruta anual para a formalização do Empreendedor Individual (EI) sobe de R$ 36 mil para R$ 48 mil. A faixa intermediária para o ingresso no Simples Nacional sobe de R$ 240 mil para R$ 360 mil e a última, de R$ 2,4 milhões para R$ 3,6 milhões.

O presidente do Sebrae, Luiz Barreto, defende que toda a tabela do Simples seja corrigida, principalmente a primeira e segunda faixas. Isso porque, é nesse intervalo, que se concentram 70% das beneficiadas.

Fatia tributária

Os novos valores para enquadramento no Simples são uma das quatro “fatias” da Reforma Tributária que o Executivo tenta aprovar este ano. O projeto de lei (PL nº591/10), de autoria do atual secretário-executivo do Ministério de Relações Institucionais e ex-deputado, Cláudio Vignatti, tramita no Congresso desde o ano passado.

Os técnicos do Ministério da Fazenda ainda estão trabalhando nos cálculos e nas variações da renúncia fiscal, uma vez que a ampliação da cobertura do Simples pode ser seguida por um processo de formalização e, portanto, de arrecadação.

Incentivo à exportação

O ponto de consenso entre o Executivo e o Parlamento é estabelecer incentivo para que as empresas de micro e pequeno porte exportem mais.

Dessa forma, tanto os parlamentares quanto o Ministério da Fazenda, já concordaram em prever que o faturamento que vier das vendas de produtos e serviços a outros países não entre no enquadramento.

Assim, se o teto subir para R$ 3,6 milhões, as empresas poderão faturar por suas exportações o mesmo montante sem sair do Simples.

Vargas afirma que, apesar de o projeto permitir a entrada no Simples de mais atividades, o governo resiste à inclusão de profissionais liberais, como médicos, advogados e jornalistas.

“Para nós, é importante que haja uma solução, mas há resistência”.

O PL prevê ingresso de destilarias de aguardentes, vinhos, cervejas e licores artesanais e áreas do setor de serviços que não se beneficiam do Simples.

 

Governo amplia proposta de reforma tributária depois de apelos dos governadores

Fonte: Jornal Brasil – 11/06/2011

Depois de apelos dos governadores, o governo concordou em ampliar a proposta de reforma tributária que pretende enviar ao Congresso no começo do segundo semestre. Inicialmente restrita à diminuição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) interestadual, agora a discussão se estenderá a outras questões. O Ministério da Fazenda, no entanto, quer consenso entre os estados para evitar o acirramento dos debates no Congresso.

O tema com maior consenso dentro da equipe econômica diz respeito à revisão do indexador da dívida dos estados. Segundo o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, o ministro Guido Mantega admitiu incluir o assunto na reforma tributária. A preocupação da equipe econômica, no entanto, é que a mudança exigiria a alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

“O ministro se mostrou disposto a tratar dessa questão, desde que haja o comprometimento de que esse seja o único ponto a ser mudado na Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirmou Barbosa na última terça-feira (7) após reunião com governadores do Norte e do Centro-Oeste.

Atualmente, as dívidas dos estados são corrigidas pelo IGP-DI mais 6% ou 7,5% ao ano, dependendo do caso. Em épocas de alta na inflação, como nos últimos meses, os débitos disparam e comprometem a capacidade de investimento dos governos estaduais. Os governadores propuseram a criação de uma trava no indexador. A correção seria limitada à taxa Selic (juros básicos da economia), que corrige boa parte da dívida pública federal.

Outro tema que deve ser incluído na reforma tributária é a mudança na distribuição do Fundo de Participação dos Estados, formado por impostos federais que a União repassa aos governadores. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou defasados os critérios de repartição e determinou a substituição das regras atuais até dezembro de 2012. Barbosa admitiu que os novos critérios podem constar da reforma, desde que haja consenso entre os estados e a proposta que cria os fundos de compensação para os estados que perderem com a reforma tributáriaseja enviada ao Congresso por meio de projeto de lei complementar.

Segundo a equipe econômica, a maioria das reivindicações terá de ser debatida pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne os secretários de Fazenda das 27 unidades da Federação, para evitar divergências no Congresso. Entre os pontos que exigirão acordo no Confaz estão a regulamentação do comércio eletrônico e a validação dos incentivos fiscais derrubados pelo STF há cerca de dez dias.

Hoje todo o ICMS das mercadorias compradas pela internet fica com os estados onde são registradas as páginas de comércio eletrônico. Os governadores dos estados compradores querem a repartição do imposto, como ocorre com os automóveis. De acordo com Barbosa, a questão pode ser resolvida internamente pelo Confaz, mas o governo pode enviar um projeto de lei ou medida provisória ao Congresso se os estados desejarem.

Apenas em dois pontos o governo não cedeu aos governadores. A alíquota do ICMS interestadual não será diferenciada entre estados ricos e pobres. A equipe econômica também não aceitou incluir a redistribuição de royalties do petróleo e da renda do pré-sal na reforma tributária. “De fato, essa questão é federativa, mas tem dinâmica própria e já está sendo discutida no Congresso”, disse Barbosa na semana passada.

 

SP defende intervenção do STF na guerra fiscal

Fonte: O Estado de S. Paulo, 6/6/2011

ENTREVISTA

Andrea Calabi, Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo

O secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Andrea Calabi, comemorou a decisão do Supremo Tribunal Federal (SFT), que condenou leis que concedem benefícios fiscais em seis Estados e no Distrito Federal. Ele afirma que a decisão é um passo para o fim da guerra fiscal.

Calabi é favorável a proposta do governo federal de promover uma reforma tributária “fatiada”, desde que as fatias sejam substanciais. O secretário defende a renegociação da dívida dos Estados, mesmo que isso signifique alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal, uma bandeira política do PSDB, partido do governador Geraldo Alckmin. A seguir, trechos da entrevista.

Na quarta-feira, o STF considerou inconstitucionais leis estaduais que concedem benefícios fiscais para atrair empresas, inclusive um programa de São Paulo. Como o senhor reagiu a isso?

Com júbilo e gáudio. Estou feliz. Acho que é uma decisão importante sobre a guerra fiscal. Havia diversas ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, que não vinha se manifestando. Estamos comemorando a decisão de ontem, principalmente se o Supremo passar a decidir liminarmente as Adins (Ações de Inconstitucionalidade) da guerra fiscal entre os Estados. Isso restaura o império da lei e contribui para a solução de um problema que afeta a economia, asegurança jurídica e dilapida os recursos públicos. No caso de São Paulo, a lei condenada se refere a um benefício dado em 2007 para os produtores de leite, mas que já havia sido contestado judicialmente pelos supermercados.

Mas a decisão do Supremo terá efeito na prática? Os Estados costumam reeditar leis de benefícios fiscais com pequenas mudanças e o problema continua…

Nós, de São Paulo, não brincamos com as decisões do Supremo. Nós cumprimos. O que ocorria até agora é que quando os Estados sabiam que a lei estava para ser julgada, se adiantavam e mudavam a sua redação. Dessa forma, a ação perdia seu objeto e não havia mais julgamento. Dessa vez, foi diferente. Não se pode burlar o espírito de uma decisão já tomada pelo Supremo.

Então, a decisão do STF pode ser o fim da guerra fiscal?

Sim. É uma decisão muito importante.

É saudável uma solução via Poder Judiciário ao invés de uma ampla discussão sobre reforma tributária no Congresso?

O Legislativo demora e não faz. E não é nem culpa do Legislativo federal. São os próprios Estados que não conseguem chegar a um acordo. Então vem a ordem jurídica e impõe um acordo.

Tramita no Senado uma proposta para acabar com os incentivos fiscais à importação, reduzindo a zero o ICMS cobrado nas importações. Qual é a posição de São Paulo?

É favorável. Hoje temos uma forte valorização do real que estimula importações e desestimula exportações, uma competição asiática expressiva com preços impensáveis até outro dia, e uma guerra fiscal que dá subsídios às importações. Os três fatores contribuem para a desindustrialização. É nesse sentido que o governo promoveu esse projeto de resolução no Senado. A proposta de São Paulo não é zerar o ICMS interestadual das importações, mas reduzir a 4%. Dessa maneira, mantém algum ganho para o Estado importador e evita que ocorram fraudes.

Essa discussão está evoluindo para uma reforma mais ampla do ICMS. Deveríamos focar na guerra fiscal das importações ou é necessário ampliar o debate?

Ao tentar discutir uma pequena parte, imediatamente a discussão se amplia para todo o comércio interestadual e outras discussões são trazidas a mesa. Os Estados começam a se perguntar quem ganha e quem perde. Se fizermos uma reforma para cobrança de ICMS no destino, São Paulo perderia muito, porque é um exportador líquido de mercadorias. Não sou contra a cobrança no destino, porque é benéfico do ponto de vista da guerra fiscal, mas o impacto é insuportável para o Estado de São Paulo.

Qual é o tamanho da perda para São Paulo?

Se a alíquota de ICMS cair para 4%, é da ordem de R$ 5 bilhões por ano. É um quarto do que São Paulo pretende investir por ano. Portanto, tem que haver alguma compensação. Todos os Estados vão fazer contas semelhantes. Há algumas compensações possíveis. Um exemplo é a Lei Kandir, que desonera as exportações, mas determina um ressarcimento do governo federal aos Estados. Outra possibilidade é mexer no fundo de participação de Estados e municípios. Foi feita uma partilha política, na qual o Sul e o Sudeste recebem 15% do total e São Paulo, 1%. O Supremo declarou a inconstitucionalidade dessa lei e a necessidade de fazer uma reforma até o fim do ano que vem. Nossa proposta é que seja seguida a constituição e se faça um índice de partilha diretamente proporcional à população dos Estados e inversamente proporcional à renda.
Se isso fosse feito, qual seria a nova participação de São Paulo no fundo?
Daria algo entre 4% a 5% dos recursos do fundo de participação, que reparte os recursos do IPI, do IR (Imposto de Renda) e de outros impostos federais. Estamos falando de R$ 1 bilhão por ponto porcentual. Logo, seria uma receita extra para São Paulo de R$ 4 bilhões.

Os Estados também estão incluindo nessa discussão a renegociação da dívida estadual. O senhor é favorável?

É outra forma de compensação. Hoje temos Estados e prefeituras com sua dívida renegociada com a União pagando juros indexados ao IGP (Índice Geral de Preços) mais 9%. A dívida paulista está renegociada pagando IGP mais 6%. No ano passado, esse indicador fechou em 12%. Para alguns Estados, isso significou juros de 21%. Enquanto isso o governo federal se financia por uma taxa próxima a Selic e que está hoje em 10% a 11%. Na prática, os Estados acabam financiando a União. O governador Geraldo Alckmin acha isso, evidentemente, uma injustiça. No Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), estamos discutindo uma limitação do custo financeiro da dívida ao equivalente à taxa Selic. Todas essas discussões se reacendem quando vamos debater as alíquotas de ICMS estaduais. É quase espontâneo que voltem a cena.

É uma reforma tributária completa. É impossível fazer uma reforma tributária fatiada como propõe o governo federal?

Não. A proposta do governo de fatiar a reforma é boa, só que as fatias são de bom tamanho. É como se você dividisse o bolo em quatro partes. Vai comer uma fatia desse tamanho! É difícil e toma tempo. Por exemplo: uma fatia é o ICMS, a outra é a desoneração da folha de pagamentos e seus impactos na Previdência e na distribuição do PIS/Confis. Não são discussões triviais. Exige empenho, dedicação, espírito público e visão federativa.

Mas ao abandonar a proposta inicial de discutir só o ICMS sobre a importação, o governo não corre o risco de não decidir nem isso?

Corremos esse risco, mas uma coisa não exclui a outra. Podemos aprovar a mudança no ICMS cobrado na importação e abrir a discussão dos outros temas. Já vivemos no Brasil desafios mais importantes, como a estabilização da economia. Tenho segurança de que podemos enfrentar uma reorganização tributária, que eleve a competitividade.

Para renegociar a dívida dos Estados, será necessário mexer na Lei de Responsabilidade Fiscal. O quão oportuno é mexer nessa lei?

Todos temos um grande empenho em manter a Lei de Responsabilidade Fiscal, inclusive nas cláusulas que se mostraram eficientes e eficazes no programa de ajuste fiscal dos Estados. Todos – governos federal, estaduais e municipais – tem uma cautela em relação a isso. É uma cautela partilhada. Se houver alguma mudança necessária, é possível fazer por consenso e, ao invés de representar uma brecha no programa, será um elemento para reforçar a estabilização.

São Paulo vai receber novos investimentos de empresas como Huyndai e Foxconn. O Estado está oferecendo benefícios e entrando na guerra fiscal?

Os recursos fiscais de São Paulo são para financiar o orçamento, que vai da folha de salários até grandes projetos. O orçamento não está aqui para subsidiar empresas privadas. Os principais atrativos de São Paulo são o tamanho do mercado, a proximidade com fornecedores, os custos menores de transporte. Além disso, temos, sim, a possibilidade de dar alguma flexibilidade no financiamento dos impostos, se for necessário. No caso da Huyndai, o benefício concedido é a desoneração da compra de bens de capital, com a devolução acelerada dos impostos pagos.

Que benefícios tributários o Estado está oferecendo para a Foxconn?

A Foxconn tem um programa de investimentos amplo, que chega a US$ 12 bilhões. É um projeto muito interessante, porque começa com coeficiente de importação elevados, mas gradualmente, por estratégia da própria empresa, passa a internalizar mais a produção. São Paulo tem infraestrutura, portos, proximidade com o mercado. A empresa também mencionou que precisa contratar cerca de 5 mil engenheiros. São poucas as regiões que conseguem suprir esse volume de mão de obra qualificada. O que o Estado pode fazer é avaliar a infraestrutura externa que a empresa precisa e trabalhar no fornecimento disso.

QUEM É

Economista de formação, Andrea Calabi está à frente da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo desde dezembro do ano passado. Entre 2003 e 2005, durante a primeira gestão de Geraldo Alckmin, foi o titular da pasta de Planejamento. Anteriormente, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, Calabi foi presidente do Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Foi também secretário adjunto de José Serra no Ministério do Planejamento.

 

Fazenda defende ICMS interestadual entre 2% e 4%

Fonte: Estadão – São Paulo/SP, 18/05/2011

BRASÍLIA – O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, afirmou hoje que o governo gostaria que a alíquota do ICMS nas operações interestaduais ficasse entre 2% e 4% e que o período de transição não superasse oito anos. “A alíquota e o prazo são critérios de negociação, mas nós achamos que uma alíquota acima de 4% traria um benefício pequeno em relação ao que temos hoje”, afirmou.

Em reunião na tarde de hoje com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, os governadores das regiões Sul e Sudeste pediram alíquotas mais elevadas, entre 6% e 7%, e um prazo de transição de até 12 anos. Segundo Barbosa, o período de transição vai depender da conclusão da análise do tamanho do impacto da medida nas contas dos Estados.

Barbosa disse que o Ministério da Fazenda assumiu o compromisso de avaliar a possibilidade de renegociar os contratos das dívidas dos Estados com a União. “Esta é uma questão importante, porque o indexador e a taxa podem estar acima do que está no mercado. Houve uma abertura do Ministério da Fazenda para talvez incluir essa proposta na transição”, declarou.

Os governadores acham que a correção dos contratos (hoje de IGP-DI mais 6% ao ano ou IGP-DI mais 7,5% ao ano, dependendo do contrato) está muito elevada e querem incluir a repactuação da dívida na discussão da redução da alíquota do ICMS. Outra proposta apresentada pelos governadores foi a de trazer para a discussão da reforma tributária a mudança nos critérios de distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que uma nova regulamentação fosse aprovada para vigorar a partir de 1º de janeiro de 2013. Barbosa afirmou que o Ministério da Fazenda entende que esta é uma discussão “eminentemente estadual”, mas que se houver acordo entre os Estados, o governo federal não se opõe.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda disse que se a proposta de compensação dos Estados que perderem recursos com a queda de recolhimento do ICMS exigir que seja enviada ao Congresso uma lei complementar, poderá ser encaminhada também uma resolução que resolva o problema da divisão do FPE.

 

Mitos tributários

Fonte: O Estado de S. Paulo – 29/11/2010

Clóvis Panzarini – O Estado de S.Paulo

Às vésperas da posse do novo governo, o tema reforma tributária volta à agenda. Mais do que nunca, ela é premente, uma vez que aos deletérios efeitos do manicômio tributário brasileiro sobre a competitividade são acrescidos, agora, os da guerra cambial, gravosa especialmente para os produtos de maior valor agregado, que vêm perdendo representatividade na pauta de exportações e induzindo perigoso processo de desindustrialização.

O sistema tributário brasileiro, complexo e ineficiente, tem sua qualidade persistentemente deteriorada pela voracidade do Fisco, despreocupado com princípios de eficiência. O cipoal de normas que tornam a gestão fiscal onerosa e insegura, a tributação dos investimentos e das exportações e a guerra fiscal são exemplos de distorções que comprometem a competitividade da economia. Mas o debate sobre a reforma tributária se vem assentando em falsas premissas que, repetidas à exaustão, se tornam dogmas que distorcem o diagnóstico do problema. Alguns deles são aqui considerados:

“A elevada carga tributária compromete a competitividade do setor produtivo nacional.” Não é, obviamente, a magnitude da carga que ofende a competitividade, mas sim a qualidade dos impostos que a compõem. Um modelo tributário neutro, infenso a cumulatividades, onera isonomicamente a produção nacional e a importada e permite a desoneração plena das exportações. Não altera, pois, os preços relativos.

“A reforma tributária deve reduzir a insuportável carga tributária.” Reformar o sistema tributário não implica reduzir a carga, cuja magnitude é definida pela calibragem das alíquotas, estabelecidas em lei ordinária. A reforma nem reduz a carga tributária nem é necessária para sua redução. Na verdade, a carga é variável e dependente: sem corte nos gastos públicos, é ingenuidade clamar por redução de tributos. A propósito, o governo eleito já considera a hipótese de recriação da CPMF.

“A eliminação de algumas distorções do ICMS, como a tributação dos bens de capital e os de uso e consumo, abalaria as finanças estaduais.” Os Estados poderiam suprir sua necessidade de caixa por meio de alíquotas transparentes e neutras, mas preferem fazê-lo de forma dissimulada, bitributando insumos e bens de capital. A quebra da cadeia de débito-crédito do ICMS, com a não devolução do imposto pago nas etapas anteriores da cadeia produtiva – como ocorre com os bens de uso e consumo – implica desrespeito ao princípio da não cumulatividade, bitributação e arrecadação espúria. O fato é que os governantes não querem enfrentar o custo político de praticar alíquotas transparentes. Enquanto a alíquota nominal do ICMS é de 18%, a carga efetiva talvez seja de 20% “por dentro” ou de 25%, se cobrada de forma transparente, “por fora”.

“O princípio de destino resolverá o problema do crédito acumulado do ICMS, pois os Estados não mais terão de devolver imposto arrecadado por outra unidade federada.” A lógica do ICMS, vigente desde a instituição do ICM, em 1967, impõe ao Estado destinatário da mercadoria, por obediência ao princípio da não cumulatividade, o ônus da devolução do imposto recebido pelo Estado remetente, mesmo quando ela venha a ser consumida (transformada ou não) em seu território. Arrecada, portanto, apenas o imposto incidente sobre o valor agregado em seu território, mais o correspondente à diferença de alíquota, se houver. Quando a saída subsequente à compra interestadual não é tributada, como no caso das exportações, a diferença de alíquota é negativa. O ônus do crédito de ICMS arrecadado por outro Estado decorre, por óbvio, de insuficiência de produção própria para suprir seu consumo e exportação, e não porque estas são imunes. De outro lado, o princípio de destino nas operações interestaduais com a cobrança na origem, como querem os Estados, agravará o processo de acumulação de crédito nas saídas não tributadas – entre elas as exportações -, pois as compras interestaduais passarão a ser tributadas pela alíquota interna.

“A diversidade de alíquotas é um dos fatores responsáveis pela complexidade do sistema.” Essa cantilena sobre diversidade de alíquotas – do ICMS ou de qualquer outro tributo – vem, talvez, da longínqua época em que o cálculo do imposto devido exigia morosas operações aritméticas. Não parece crível que o fato de a rapadura e o piano sofrerem diferentes incidências de ICMS torne o sistema tributário mais complexo. Até porque existe razoável estabilidade temporal nas alíquotas praticadas. A profusão de normas editadas cotidianamente (só o Estado de São Paulo editou, em média, 33,5 atos por mês nos últimos quatro anos) por certo é muito mais onerosa à gestão tributária do que o fato de as alíquotas do piano e da rapadura serem diferentes.

Vários outros dogmas são aceitos sem reflexão. Na verdade, os problemas do ICMS decorrem do evidente conflito entre responsabilidade e competência tributária dos Estados. Enquanto a União é responsável pela competitividade da economia e pelo equilíbrio das contas externas, a gestão do ICMS, pelos Estados, tem sempre viés arrecadatório, ainda que à custa de graves ofensas à neutralidade do imposto.

 

Delfim Netto descarta grande reforma tributária

Fonte: Estadão – São Paulo/SP – 08/11/2010

SÃO PAULO – O professor e ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto afirmou nesta segunda-feira, 8, em São Paulo, que é mais importante a sociedade “insistir em pequenas coisas”, a maioria de ordem infraconstitucional, para tornar viável a reforma tributária, que há dez anos é debatida no País e até agora não foi aprovada. “Não adianta imaginar uma grande reforma. O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de destino é fundamental, inclusive para desonerar as exportações.”

Delfim Netto também defendeu a desoneração dos investimentos, pela mudança estrutural da ordem tributária do Brasil, a fim de estimular o crescimento da economia. De acordo com ele, é possível que as operações reduzam a “regressividade” do sistema brasileiro de impostos. “É condição fundamental também dar aos Estados clara oportunidade, que vai ajudar o desenvolvimento regional”, comentou.

“Tais mudanças não são difíceis”, pois, segundo Delfim Netto, a maioria delas não requer modificações na Constituição. O professor e ex-ministro da Fazenda também mencionou que um dos elementos que pode colaborar para um acordo entre os entes da Federação a fim de tornar viável no curto prazo a reforma tributária.

Delfim Netto também ressaltou que, além das boas condições da economia, o País passa por um momento propício para a realização da reforma tributária por dois outros motivos. Um deles é que o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou de decidir sobre o Fundo de Participação dos Estados (FPE). Um outro elemento importante é que agora, no País, há um grande debate sobre a distribuição de royalties relativos à extração de petróleo da camada do pré-sal, que são recursos extras que ajudarão o Tesouro Nacional e os caixas dos governos dos Estados e prefeituras. O ex-ministro da Fazenda falou no Congresso da Indústria, promovido pela Fiesp.