Seminário Tributação no Brasil

O ETCO, em parceria com o jornal Valor Econômico, realizou na terça feira (23 de julho), em São Paulo, o seminário Tributação no Brasil.

O evento reuniu renomados especialistas para discutir como a reforma tributária pode contribuir para o crescimento do Brasil. Acesse aqui as matérias exclusivas com a cobertura do evento, publicadas em 30 de julho, em um caderno especial do Jornal Valor Econômico:

Ilegalidade avança e financia violência

Em entrevista, Edson Luiz Vismona, presidente-executivo do ETCO, conta como contrabandistas e devedores contumazes se beneficiam do sistema tributário.

Revisão tributária é crucial ao país

Sistema brasileiro é colocado em xeque por especialistas durante seminário Tributação no Brasil

Leia mais…

“Não precisamos unificar impostos”

Roberto Mosquera defende alterações menores com resultados econômicos mais significativos

Leia mais…

Contrabando é um mal a ser combatido

Revisão tributária deve priorizar setor produtivo e focar no enfraquecimento do mercado ilegal

Leia mais…

“Histórico no Brasil é de grande equívocos”

Crença de que modelos estrangeiros podem ser reproduzidos aqui é um erro, diz tributarista

Leia mais…

Equilíbrio fiscal desafia legisladores

Tributos sustentáveis e harmônicos favorecerão negociações mais vantajosas

Leia mais…

 

 

“Não precisamos unificar impostos”

Para o doutor e professor de Direito Tributário Roberto Quiroga Mosquera, o ideal seria que fossem feitas mudanças menos drásticas do que as que estão sendo discutidas pelo governo atualmente. Ele acredita que um dos caminhos é não focar na unificação de impostos.
“Não adianta apenas unir os tributos que já existem e colocar um nome diferente para eles” — afirma Mosquera. Como exemplo, ele cita as chamadas excise taxes, impostos sobre produtos específicos como combustíveis, tabaco e energia. “Nós já temos o nosso
IPI (Imposto sobre Produto Industrializado). É um tributo seletivo, que representa menos de 5% da arrecadação, mas que já faz as vezes das excise taxes. Não há a necessidade, portanto, de mudar esse tributo.”
Para ele, apenas a tributação não será suficiente para mudar a situação do Brasil. “Atualmente, é arrecadado R$ 1,4 trilhão de
tributos federais, sendo que 80% incidem sobre renda e receita. Dificilmente seria possível arrecadar tantos recursos de outra forma. Com apenas 5% da população ganhando mais de R$ 4 mil, é complicado transferir os impostos em uma economia
que está estagnada. É preciso ter uma mudança econômica para então fazer com que a tributação a acompanhe.”

CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO

Outra dificuldade é o contencioso tributário, o litígio entre as empresas e o fisco. De acordo com Mosquera, são cerca de 15 mil empresas nessa situação, que vai acabar em uma discussão no Judiciário com um prazo de dez anos e uma descapitalização da empresa, o que pode gerar um grande problema macroeconômico.
“E hoje não é fácil discutir um tema tributário dentro da Justiça federal. Os juízes exigem garantias, e isso é custoso para uma
companhia.” De acordo com Mosquera, a regra tributária tem que se adaptar aos fatores econômicos do país.
“Não adianta uma norma mágica para solucionar o problema econômico. Ele é o substrato da questão tributária. É claro que vai impactar os negócios, mas isso quer dizer que ela não é a salvadora da pátria. Precisamos mudar muito da economia para ter uma norma tributária que realmente seja eficiente.”
Para Mosquera, é preciso criar soluções específicas para o país e não ter princípios baseados nos parâmetros do exterior.
“O que fazer para que não tenha mais contrabando de cigarro no Brasil? Eventualmente as empresas que fabricam cigarros
Premium podem produzir outros produtos para competir com o sonegador. É preciso saber a realidade brasileira para encontrar as melhores soluções.”
Como alternativas para uma maior eficiência na tributação brasileira, Mosquera aponta as pequenas reformas, que podem ser muito mais assertivas. “Acho difícil que a fusão de tributos das esferas federal, estadual e municipal seja aceita. Mas tributar no destino e não na origem é uma ideia interessante. E, às vezes, um tributo sobre o valor agregado, pensando em finanças públicas, pode ser o mais correto.”

Ética e legalidade são fundamentais ao desenvolvimento

A indústria do tabaco paga as taxas de impostos mais elevadas do país, entre 70 e 90%. Enquanto isso, a tributação no Paraguai é a menor do continente, ficando em 18%. A consequência disso, junto à falta de controle das fronteiras, é o crescimento do mercado ilegal de cigarros no país. Hoje mais de 50% do cigarro consumido no Brasil é ilegal. Com isso, o governo deixou de arrecadar R$ 11,5 bilhões em impostos sobre o setor no ano passado. Além disso, como os cigarros contrabandeados não atendem às normas fitossanitárias impostas às empresas brasileiras, a diminuição do contrabando evitará que os brasileiros consumam produtos não regulados. Para o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), se os tributos fossem menores, o consumidor compraria mais o produto nacional, e isso aumentaria a arrecadação pública.
Um levantamento realizado pelo ETCO, em parceria com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), revela que 16,9% do PIB — cerca de R$ 1,17 trilhão — são originários da economia informal. Está inclusa nesse cálculo a  produção de bens e serviços não declarados ao governo. A sonegação de impostos e contribuições reduz os custos e eleva o lucro dessas empresas de forma ilegal.

“Enquanto isso, nós, que queremos estar em dia com nossas contribuições, encontramos todos os tipos de dificuldades. Muitos ‘penduricalhos’ vêm sendo
colocados ao longo dos anos, e muitas vezes o próprio Fisco não consegue entender todo esse mecanismo” — destacou Edson Vismona, presidente do ETCO e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade, durante o painel Tributação e Economia Sustentável.
Para ele, práticas efetivas que garantam a fiscalização e a concorrência leal não são somente uma questão de ética e legalidade, mas, sim, um passo fundamental para o desenvolvimento do
país. No caso dos cigarros, segundo Vismona, a diferença no preço é drástica: se um maço de cigarro legal é vendido por R$ 7, o obtido por meio de contrabando pode custar apenas R$ 3.
— Nosso mercado está sendo entregue ao tráfico desses produtos ilegais. Em estados como Mato Grosso do Sul, por exemplo, 82% do cigarro consumido é oriundo do contrabando.
O crime organizado se financia com esses bilhões que são sonegados.

SOBREVIVÊNCIA DO SETOR

Para solucionar a questão dos produtos paralelos e garantir a sobrevivência das empresas do setor, um grupo composto por diversos players vem discutindo propostas para viabilizar o comércio legal e, assim, beneficiar tanto as empresas quanto o governo. Uma das soluções seria a revisão do modelo de tributação dessas indústrias.
— Concordamos que a carga tributária desses produtos precisa ser elevada. Mas temos que olhar a demanda, atuar para reprimir as organizações criminosas que se beneficiam com esse dinheiro.

Caso isso não aconteça, o mercado vai ser cada dia mais dominado pelos contrabandistas que não pagam nada por isso. A maior parcela do mercado não paga imposto. Uma outra prática sugerida por correntes desses setores é o controle físico de bebidas e cigarros. O presidente do ETCO ressalta também que a convergência de ações entre o poder público e as empresas deve ser uma via de mão dupla, sempre em respeito àqueles contribuintes que estão em dia com suas obrigações.
— Caso contrário, o beneficiado será sempre o devedor contumaz que faz do não recolhimento de tributos sua fonte de renda, prejudicando os cofres públicos, a concorrência e toda a sociedade.

Histórico no Brasil é de grandes equívocos

Em sua explanação no seminário Tributação no Brasil, o tributarista Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, trouxe à tona questões tributárias contemporâneas, tanto no Brasil como no mundo — e as principais diferenças de abordagens nestes cenários. Quando se trata da conjuntura brasileira, Maciel ressalta que este é um ponto de enorme rejeição social, e por isso é fácil
encontrar muitas conclusões apressadas sobre o tema. Entre os destaques, ele aponta a crença de se achar que modelos estrangeiros podem ser reproduzidos aqui facilmente, sem levar em consideração aspectos legais de nossa realidade. O fato de muitos profissionais afirmarem que o sistema tributário é extremamente complexo também é uma crença que, segundo ele, precisa ser analisada.

— Complexidade é inerente ao sistema. Ele precisa ser operável e não simples. São 27 legislações de ICMS, por exemplo, e precisa ter isso mesmo, porque o imposto é estadual. Mas no geral todos são muito parecidos uns com os outros, salvo em situações especiais.

Entre os principais problemas tributários do Brasil atualmente, o especialista destaca pontos como a excessiva litigiosidade e o burocratismo — porém, sempre ressaltando que se trata de problema com processo tributário e não com o tributo propriamente dito. Por isso, soluções como juntar ICMS e ISS são consideradas simplórias.

— São impostos diferentes, com destinação diferente.  Como fica a questão federativa? Como fica toda a jurisprudência que existe em torno disso? É como jogar água suja com a criança na bacia. É isso que se quer fazer? Ou está faltando um pouco de disponibilidade para raciocinar sobre o assunto e encontrar soluções com algum grau de criatividade?

O tributarista resgatou o histórico de reformas tributárias já ocorridas no Brasil e avaliou a  trajetória como sendo de mais equívocos do que de acertos. Em sua opinião, a maior parte das intervenções realizadas após 1965 podem ser classificadas como desastrosas. E a Proposta de Emenda Constitucional 45, conhecida como a PEC da reforma tributária, segue a mesma linha de equívocos.
Segundo Maciel, existem atualmente três grandes questões tributárias sendo discutidas em vários locais do mundo: a erosão das bases tributárias; a tributação da economia digital; e as novas fontes de financiamento da previdência social.

— A transferência de capital e a tributação de lucros de países de maior tributação para países de menor tributação ou sem  tributação, os paraísos fiscais, é algo que incomoda a todos — destaca.

A tributação da economia digital, um ponto de destaque nesse cenário, chama a atenção principalmente pela criação do imposto GAFAM – em discussão atualmente em países como a França e o Reino Unido. Trata-se de iniciativa dos governos locais para taxar as grandes empresas de tecnologia: Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft. Ele fala ainda sobre a possibilidade de tributar transações financeiras e robôs como forma de financiamento da previdência social.

Equilíbrio fiscal desafia legisladores

Tributos sustentáveis e harmônicos favorecerão negociações mais vantajosas

Tributação e economia sustentável pressupõem uma taxação adequada. Não pode ser muito baixa, para permitir a saúde financeira do Estado, e não pode ser elevada, a ponto de asfixiar a economia e impossibilitar os negócios. Com essa explicação, Phelippe Toledo Pires de Oliveira, procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, resumiu os desafios do Estado em desenvolver políticas propícias ao desenvolvimento de negócios no país durante o seminário Tributação no Brasil. Para ele, refletir sobre se as bases de tributação estão corretas e se podem ser aprimoradas é de grande relevância para o cenário nacional.
De acordo com dados do último estudo realizado pela Receita Federal, em 2017, a tributação no Brasil é baseada no consumo e na folha de salários. A alíquota sobre patrimônio é menor do que 5%, enquanto a que incide sobre a renda é inferior a 20%, sobre o consumo é de 48% e a que incide sobre a folha de pagamento é de 26%.
— A complexidade é inerente ao nosso sistema tributário. É complexo porque temos diferentes espécies tributárias no sistema  brasileiro: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios. E cada uma dessas espécies ainda tem os tributos em si: Imposto de Renda, contribuição sobre a folha de salários etc. Ser complexo, contudo, não significa que não possa ser  simplificado.
Para Oliveira, os desafios são grandes, e este é um ótimo momento para essa discussão. Para exemplificar, ele explica que atualmente o país possui cerca de 6 milhões de execuções fiscais por ano, só no âmbito da União. Há aproximadamente 1 milhão de processos de contribuintes contra a administração tributária em âmbito federal. O procurador-geral adjunto reconhece que é necessário pensar em mudanças pontuais para simplificar o sistema e diminuir a litigância. Contudo, é preciso estar atento para
não gerar outras ocorrências não desejadas.
— O fim da isenção de dividendos, por exemplo, ao mesmo tempo que trouxe um benefício para acabar com a discussão de  distribuição disfarçada de lucros, também gerou o fenômeno da “Pejotização” para pagar menos tributos. A pessoa física que  receberia aquele rendimento tributado a um percentual maior cria uma Pessoa Jurídica para ser tributado em um percentual
menor.
Oliveira ressaltou também pontos como a redução das alíquotas como condição para o alargamento das bases. Apesar de o os benefícios fiscais existirem no mundo inteiro, é preciso questionar se eles estão cumprindo a finalidade que
deveriam cumprir.
— O momento é de trazer à tona essas discussões até então não muito comuns no âmbito tributário, mas pouco usual entre a sociedade.
Com relação à reforma tributária, Oliveira afirma que a intenção do governo é discutir as propostas e aproveitar o melhor de cada uma para chegar a uma solução que seja viável e razoável para simplificação tributária.
— A reforma desejável, na minha opinião, é aquela que respeite o pacto federativo, promova a simplificação
tributária e respeite os direitos e garantias fundamentais do contribuinte.

Ilegalidade avança e financia violência

Em entrevista, Edson Vismona, presidente-executivo do ETCO, conta como contrabandistas e devedores contumazes se beneficiam do sistema tributário

 

Um sistema de tributação com critérios pouco claros, inúmeros obstáculos para a regularização fiscal de empresas e processos  Judiciais intermináveis têm sido terreno fértil para o crescimento do mercado ilegal no país.
Contrabandistas e devedores contumazes — aqueles que criam empresas formais, porém não pagam impostos — aproveitam-se dessas deficiências para atrair o consumidor com preços baixos, mas oferecem produtos de origem criminosa que não possuem
registro nem seguem as normas dos órgãos reguladores. No caso dos cigarros, o comércio ilícito já é maior que o mercado legal.

Para o presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), Edson Luiz Vismona, o Brasil está em um momento crucial para discutir o sistema de tributação e o consequente avanço do contrabando e da pirataria. Destaca que
a ilegalidade é beneficiária direta desse sistema caótico e defende que é preciso discutir a tributação agora para garantir uma economia forte e segura no futuro.

Por que é tão importante discutir a tributação neste momento?
Estamos discutindo a própria sobrevivência das nossas empresas e o estímulo necessário ao desenvolvimento brasileiro. Ao
falarmos de tributação, estamos falando de qual vai ser o nosso futuro. Se vamos estimular o empreendedorismo, a geração de
investimentos, de empregos ou vamos continuar carregando um Estado perdulário em que os setores produtivos já estão no
nível máximo de sustentação desse Estado.

Qual é o ponto mais importante para mudar esse cenário?
Quando falamos em tributação, a primeira coisa que vem à nossa mente é diminuir o tributo. Mas, para isso, a única resposta é diminuir o desperdício do dinheiro público. O Estado precisa ser mais eficiente, mais eficaz no uso e na administração dos recursos públicos. Hoje o que nos estimula muito são respostas imediatas. Durante a campanha eleitoral à Presidência, o ETCO apresentou aos candidatos um documento falando de tributação e desenvolvimento.
Nossa proposta é avançar rapidamente na simplificação, na desburocratização e na busca de mediação no pagamento de tributos. O passivo fiscal brasileiro é imenso, estimamos em R$ 3,3 trilhões. São pagamentos de tributos que estão em discussão judicial? É o que está sendo discutido na Justiça e em processos administrativos. Tem que haver ações voltadas para agilizar a arrecadação
desses recursos e regularizar a situação fiscal de muitas empresas. Nosso passivo tributário é talvez metade do PIB, o que é um
absurdo.

Quais são os maiores gargalos do processo tributário?
Ele não atende o devedor que quer pagar nem o credor que quer receber. Temos que diminuir a margem de subjetividade na imposição de multas, pois isso é inaceitável. Você tem empresas hoje que estão pagando imposto que elas não devem, mas, pelas imposições de multas e até de ameaças de levar a denúncias criminais, a empresa acaba pagando, para depois discutir na Justiça. Temos que falar de compliance fiscal e outras iniciativas que podem ser feitas rapidamente.

O que falta para dar mais transparências às multas e cobranças?
Critérios claros. É preciso facilitar a compreensão da legislação vigente, que é caótica. Obrigações acessórias são um exemplo disso. Acho que nem o Fisco sabe quantas obrigações acessórias existem. Nós estamos colocando tantos penduricalhos na estrutura  tributária brasileira que ela ficou incompreensível.

O senhor defende que o país discuta uma reforma tributária ampla ou ajustes pontuais?
O clamor é por um novo sistema tributário. O duro é: que sistema é esse? Na Guerra Civil, Abraham Lincoln dizia aos generais:
“Se vocês se depararem com um pântano, não entrem no pântano”. É como eu vejo a reforma tributária. Um diz que o cálculo está errado, outro diz que vai aumentar o imposto, outro diz que vai inviabilizar uma série de setores e ninguém quer perder. Por isso, defendemos iniciar com o que pode ser feito já: de um lado, simplificação, racionalização dos regimes tributários,  desburocratização, reforma do processo tributário, regras claras e respeito ao contribuinte; de outro, combate ao devedor contumaz que se estrutura para não pagar impostos. São pontos que devem ser equacionados. Assim, creio que teremos efeitos práticos
mais rapidamente.

Como essa situação caótica tributária favorece o mercado ilegal?
Você vê o outro lado da força. De um lado, quem quer pagar imposto encontra dificuldades. No outro lado, quem está determinado
a não pagar imposto encontra suporte no caos do sistema tributário. A gente chama estes de devedores contumazes. A pessoa se estrutura empresarialmente para não pagar imposto. A ilegalidade perverte a concorrência, prejudica o consumidor e onera o Erário. Ela é direta beneficiária desse sistema caótico. Estamos no pior dos mundos: desestimulando quem gera emprego e investindo em quem perverte todo esse sentido de desenvolvimento. O exemplo típico disso, além do combustível e das bebidas, onde você tem estruturas formadas para não pagar imposto, é o cigarro. O mercado brasileiro está sendo cada vez mais dominado pelos contrabandistas.

Os números já indicam um mercado ilegal maior do que o legal no caso dos cigarros?
O contrabando está em 49% do mercado, e o devedor contumaz, em 5%. São 54% que não pagam imposto. Toda a política brasileira de combate ao fumo está indo para o ralo. A política de aumentar o imposto e diminuir o consumo perdeu todo o efeito. O  contrabando vai dizer: “Muito bom, pode aumentar, porque é aí que eu ganho”. Isso vale para outros setores. No caso do cigarro, a alíquota do imposto vai de 71% a 90%, dependendo do ICMS do estado. No Paraguai, é 18%. Essa é a fotografia. O contrabandista paga 18% no Paraguai e não paga nada aqui, onde oferta cigarros a preços muito baixos, menos da metade do custo do produto legal.
Em março o governo anunciou medidas contra o mercado ilegal, uma delas foi o estudo da redução da tributação do cigarro.

Essa iniciativa avançou?
Um grupo formado por agentes do governo foi criado, não tenho informação de como está andando esse trabalho, mas nós temos algumas sugestões a fazer. Nós que queremos combater o contrabando — e não estou falando do cigarro, estou falando do contrabando — defendemos uma ação relacionada a essa demanda. Nossa proposta é manter a carga tributária alta, mas escalonar  melhor. Para marcas mais caras, que atendem o público com maior poder aquisitivo e que não vai migrar para um produto sem qualquer controle e qualidade como os contrabandeados, pode ser aumentado o imposto. E, para uma categoria mais popular,  diminuir o imposto. Você pode ter um produto mais competitivo para tirar o mercado do contrabando. A população de baixa renda paga de R$ 2 a R$ 3 pelo produto contrabandeado. E não vai comprar um produto legal que custa, no mínimo, R$ 5. É preciso ter uma marca de confronto, que pagaria menos imposto. Dizem que queremos aumentar o consumo da indústria nacional. Não, eu quero diminuir o consumo do contrabando que só cresce e a margem que o contrabandista tem hoje para usar na criminalidade É uma equação econômica. O contrabando está livre.

Em relação à oferta,o caminho é a repressão nas fronteiras?
A proposta do Ministério da Justiça endereça um ponto fundamental em que acreditamos: a integração e coordenação de operações nas fronteiras, não para ficar catando caminhão, mas, sim, os distribuidores, os depósitos e os grandes operadores. Também sugerimos que se trabalhe nas estradas com operações integradas. A Prefeitura de São Paulo criou um comitê de combate ao comércio ilegal que está batendo todos os recordes de apreensão, em ação coordenada com a Receita Federal e a Polícia Civil. Outra frente é internacional. Temos procurado incentivar que o Paraguai aumente o imposto do seu cigarro, porém até agora não conseguimos nada. O cigarro paraguaio continua sendo um dos mais baratos do mundo porque paga imposto muito baixo.

Já temos resultados práticos dessas ações?
Olha a que situação interessante nós chegamos. Recentemente foram fechadas cinco fábricas no Brasil de cigarros ilegais,  falsificando a marca líder, ou seja, o cigarro contrabandeado. Eram fábricas brasileiras falsificando marcas paraguaias, com mão de obra vinda do Paraguai. Outra coisa que sempre afirmamos: o cigarro contrabandeado financia o crime organizado, pois oferece
alta liquidez, rentabilidade e baixo risco. A Polícia Civil fechou uma fábrica no interior de São Paulo em que a organização criminosa
estava falsificando cigarros não para vender, mas para distribuir nos presídios, como instrumento de poder.

Como mostrar à sociedade que, além do impacto econômico, há uma consequência social e também de saúde?
Aí é que vem a outra questão da demanda, que chamo de incoerência ética. Esse consumidor do cigarro contrabandeado está financiando o crime organizado. Mas ele reclama da corrupção e do crime. De um lado, ele critica e, de outro, financia.  “Se estou levando vantagem, que mal tem?”. Você é instrumento da pirataria e fica feliz. Seu filtro ético termina no seu bolso. Não existe país desenvolvido que não defenda a ética e a lei. Como está o mercado de cigarros no país? O mercado legal está indo para o ralo. Há quatro anos, tínhamos 30% na ilegalidade. A sociedade e o governo olhavam e achavam que era suportável. Pulou para 54%. E sabemos que a perspectiva é que possa chegar a 60%, percentual que já vigora em alguns estados. Até quando vai crescer? Hoje
a sonegação já é mais alta do que a arrecadação. A arrecadação ano passado foi de R$ 11,4 bilhões, e a evasão, de R$ 11,5 bilhões.
O contrabandista está R$ 100 milhões à frente da arrecadação.

Revisão tributária é crucial ao país

Sistema brasileiro é colocado em xeque por especialistas durante seminário Tributação no Brasil

Marcos Lisboa chama atenção para a discrepância tributária

“Temos que reconhecer que tem alguma coisa muito errada na nossa economia, pois o mundo está crescendo e enriquecendo, mas o Brasil não.”  A declaração foi feita pelo economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa, durante o seminário Tributação no Brasil, realizado pelo jornal VALOR ECONÔMICO em parceria com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), na terça-feira, 23 de julho, em São Paulo. O evento reuniu renomados especialistas para discutir como a revisão tributária pode contribuir para o crescimento do Brasil.

O regime tributário afeta diretamente as decisões econômicas e os investimentos feitos no Brasil. É crucial que discutamos a mudança tributária, pois ela contribuirá amplamente para o crescimento do país.” Para o economista, já existe uma agenda de microrreformas tributárias que o secretário da Fazenda pode colocar em prática.

“Primeiro, é preciso acertar esta discrepância tributária, ajustar o comércio exterior e acabar com a insegurança com relação ao investimento em infraestrutura” — diz Lisboa,defendendo que as regras tributárias junto com as políticas industriais e de educação são os fatores mais importantes para o
crescimento dos países.

IMPOSTO CORPORATIVO

Uma maneira de a economia se desenvolver, na avaliação de Lisboa, é promovendo a internacionalização das empresas. Mas, para isso, ele explica, o Brasil precisa fazer como os países que reduziram o imposto corporativo para cerca de 20%. Hoje as empresas brasileiras não são tão competitivas e têm um crescimento menor. Também destaca que é preciso ter maior clareza a respeito das obras de infraestrutura para atrair mais investimentos, o que também pode colaborar com a recuperação da economia.
Lisboa defende o imposto sobre valor agregado (IVA), que é o mais utilizado no mundo e pode ser aplicado no Brasil. Por meio dele,  a tributação é feita sobre o valor vendido e são descontados todos os tributos que foram pagos antes. Já com relação à CPMF, o  economista tem suas ressalvas e afirma que ela aumenta a demanda por moeda, reduz a oferta de crédito e gera menor crescimento
da indústria.

O seminário Tributação no Brasil foi realizado no Instituto Tomie Ohtake. Além de Marcos Lisboa, participaram o tributarista Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal; Edson Vismona, presidente do ETCO e do Fórum Nacional Contra a Pirataria
e a Ilegalidade; Phelippe Toledo Pires de Oliveira, procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional; Roberto Quiroga Mosquera,
doutor e mestre em Direito Tributário; e Efraim Filho, deputado federal. A mediação ficou a cargo do jornalista Samy Dana, colunista do site de educação financeira Valor Investe e professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Os principais destaques das discussões dos especialistas foram os desafios de uma mudança na tributação que traga ganhos tanto para o Estado quanto para os contribuintes e proporcione o desenvolvimento nacional. Os palestrantes também explicaram as razões pelas quais o atual sistema tributário favorece a ilegalidade e o contrabando no país, propiciando a consolidação
dos devedores contumazes.

Contrabando é um mal a ser combatido

Revisão tributária deve priorizar setor produtivo e focar no enfraquecimento do mercado ilegal

 

 

A luta contra o mercado ilegal que tomou conta do país e as expectativas com relação à revisão tributária foram os principais assuntos abordados pelo deputado federal e presidente da Frente Parlamentar Mista de Combate ao Contrabando e à Falsificação, Efraim Filho, no seminário Tributação no Brasil.

Para o deputado, o setor produtivo precisa ser priorizado e ter condições de manter o seu negócio. “Os problemas não são circunstanciais, são estruturantes. No país há uma regra para facilitar a vida do Estado, a arrecadação, mas não para colaborar
com o contribuinte. É preciso valorizar quem gera emprego e oferece oportunidades.”
Ele questionou o fato de o setor de cigarros, por exemplo, ter quase 60% de mercado ilegal. “Estamos deixando de arrecadar imposto e gerar emprego. O contrabando é extremamente nocivo para a sociedade.”
Segundo Efraim Filho, a sociedade é tolerante com pequenos desvios, mas, quando se investiga, é possível perceber que o mercado
ilegal financia o crime organizado, gera evasão de divisas, perda de receita, além de prejudicar o mercado de trabalho formal e oferecer um produto sem registro nem controle da Anvisa. “É um jogo de perde perde. O contrabando inibe os negócios e precisa ser combatido.”
Para ele, durante o período em que a economia do país estava em crescimento, o contrabando não foi combatido adequadamente
e se estabeleceu. Mas, em momentos de crise, as perdas cada vez maiores têm sido motivo de preocupação para as empresas brasileiras.

PAPEL DO CONGRESSO
Segundo o deputado, apesar dos desafios, existe um terreno fértil para avançar na discussão sobre a reforma tributária. Para Efraim Filho, o protagonismo que o Congresso assumiu na reforma da Previdência deve se repetir nessa pauta. Ele afirma que a intenção é que o setor produtivo, a Receita Federal e o governo deem suas opiniões para que a proposta tenha legitimidade.

“Temos presidente e relator escolhidos, a comissão especial da reforma tributária está instalada, mas audiências públicas devem ocorrer para que os mais diversos setores possam ser ouvidos.”
Segundo Efraim Filho, o grande desafio da reforma tributária não é mudar a lei, mas a cultura do país. “O nosso papel é liderar o processo de renovação e manter a mão estendida para aqueles que quiserem colaborar.”
Para o deputado, o Congresso está aberto a receber sugestões e viabilizar uma proposta realmente nova. De acordo com ele, os parlamentares precisam aceitar opiniões sobre o assunto e chamar para si a responsabilidade de avançar na reforma. “No governo Temer, a discussão que ocorreu na comissão especial da reforma tributária deixou o legado de um debate mais amadurecido. O  diagnóstico, portanto, já está pronto. Agora o foco deve ser na aprovação das matérias.”