A ética digital e os objetivos da ONU

Nos últimos anos as questões relacionadas com a ética no mundo corporativo vem sendo cada vez mais debatidas com o objetivo de direcionar condutas e aperfeiçoar a convivência no mercado.

O Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO, há vinte anos, defende essa causa, propondo iniciativas e amplificando debates, demonstrando que o respeito à ética e à lei constituem fatores que incentivam o desenvolvimento, conferindo segurança jurídica, fator fundamental para a atração de investimentos e geração de empregos e renda.

Essa visão pioneira, na última década, foi fortalecida pela ação da ONU na definição dos chamados Objetivos do Desenvolvimento Social, as ODS, que devem orientar ações para alcançar resultados até o ano 2030. Essa agenda estimulou no mundo corporativo a adoção das métricas ESG, orientando a realização de metas voltadas para o efetivo respeito ao meio ambiente, às relações sociais e às práticas da melhor governança.

Essas posturas têm direta relação com o combate aos desvios de conduta e defesa da conformidade com a lei, fortalecendo ações: sustentabilidade, logística reversa, diminuição da poluição, geração de créditos de carbono, direitos trabalhistas, acolhimento da diversidade e da inclusão, estímulo à participação, combate à corrupção; cumprimento de obrigações tributárias e sociais, defesa de práticas legais no mercado, rastreabilidade, entre outras.

Entretanto, ao lado das práticas ESG — favorável à disseminação de valores e princípios no meio corporativo — chama a atenção a chamada “greenwashing”, que também pode ser acompanhada da “socialwashing” e “compliancewashing”, ou seja, pode não ser verdadeira essa preocupação com a sustentabilidade, respeito ao social e combate aos desvios éticos, esses postulados podem ser meras declarações, constituindo propaganda enganosa. Assim, é necessário que as políticas adotadas sejam efetivas, eficientes e eficazes.

Esse contexto demonstra que o capitalismo, fundado na livre iniciativa, tem que assumir responsabilidades, incorporando a defesa dos direitos humanos na governança corporativa. O lucro a qualquer custo não é aceitável e vem sendo cada vez mais rechaçado pela sociedade.

As redes sociais e a mídia vêm revelando condutas que são repelidas: empresas flagradas por práticas consideradas racistas; aceitação do assédio; utilização de trabalho análogo ao escravo, ainda que feita por terceiros contratados, enfim, qualquer desrespeito à dignidade humana é denunciado e os implicados devem se posicionar, sendo certo que as perdas reputacionais são rapidamente sentidas.

O respeito aos princípios e valores ressaltados pelo ESG valem, com certeza, para as mídias sociais – uma nova dimensão do relacionamento humano – que assumem cada vez maior relevância e que, igualmente, devem respeitar a ética e a lei. Afinal, a internet não pode ser isolada da realidade, portanto, precisa seguir as regras de convivência. A disseminação de mentiras, as chamadas “Fake News” que ampliam o desconhecimento de modo doloso; o estímulo do ódio; a oferta de produtos ilegais que prejudicam a saúde; de medicamentos e processos de cura milagrosos, entre outras práticas identificadas no espaço digital; devem ser coibidas e estão sendo objeto de iniciativas legislativas, não só no Brasil, como em todo o mundo. Essas leis precisam ser profundamente discutidas, para validar a transparência e afastar qualquer relação com censura, visando conter abusos.

Interessante notar que, sempre que ocorre um movimento de controle no meio digital, há reações afirmando que o sagrado direito à liberdade de expressão está sendo violado. Isso aconteceu quando foi proposta a coibição de ofertas de produtos ilegais pelos marketplaces e, com o amadurecimento das discussões, ficou evidente que não pode ser confundida oferta com liberdade de expressão. Houve um avanço na conformação desse entendimento, inclusive com a participação dos operadores do mercado digital. O mesmo deve acontecer quando pretendem embaralhar combate às falsas informações com censura.

O ambiente digital só irá crescer e terá que se adequar à lei e ao respeito à ética, como deve ser toda a atividade humana, seja no âmbito pessoal, seja no meio institucional e corporativo. E o mesmo deve ocorrer com o desenvolvimento da Inteligência Artificial. Esse movimento é irresistível.

Mesmo com a edição de leis, como proposta para a solução de conflitos, seria interessante que a judicialização fosse evitada com a adoção de meios alternativos, como a mediação, buscando maior celeridade e segurança jurídica. A autorregulação pode ser incentivada com a participação das partes envolvidas na busca de convergências e consensos, afinal não é crível que grandes empresas, players mundiais no mercado digital, apostem no confronto e sejam contrárias à ética e à lei.

Com certeza, haverá avanços e as métricas ESG disseminadas pelas grandes estruturas corporativas não serão meras declarações de boas intenções, tanto no mercado físico como no digital.

ESG: capitalismo além do lucro

Temos visto, cada vez com mais destaque, no mercado acionário e no meio corporativo brasileiro a sigla ESG, que representa indicadores que balizam investidores na avaliação da conduta das empresas em áreas consideradas estratégicas: ambiental, social e de governança (environmental, social and governance).

Assim, são apontadas as iniciativas que as empresas devem estimular para demonstrar que suas ações são pautadas pelo respeito ao meio ambiente; pela adoção de políticas sociais que envolvem as posturas internas de inclusão e convivência dos colaboradores; pelo relacionamento com a comunidade; e também pelos processos decisórios corporativos, estimulando a adoção de valores relacionados a controle, dignidade, ética, transparência e legalidade.  Com foco nessas ações, as empresas podem atrair recursos alocados em fundos de investimentos globais, que movimentam trilhões de dólares.

Esse movimento foi incentivado em 2015 pela Agenda Mundial de Desenvolvimento da ONU (Agenda global 2030) – compromisso firmado por 193 Países, inclusive o Brasil – determinando a união de forças em prol de uma Agenda Mundial de Desenvolvimento Sustentável, que deve ser cumprida até o ano de 2030, contemplada em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que foram desdobrados em 169 metas.

Os objetivos vão desde a erradicação da pobreza, saúde e bem-estar, educação, ações contra a mudança climática, energia limpa, trabalho decente e crescimento econômico, até redução das desigualdades, paz, justiça e instituições eficazes. Uma pauta de ações dessa magnitude, desdobradas em 169 metas, poderia ser considerada como mais uma utopia no âmbito das Nações Unidas, que ficaria no plano do dever ser, sem uma aplicação efetiva.

Entretanto, esses objetivos atraíram a atenção dos investidores globais que compreenderam que as empresas não poderiam ficar alijadas desse processo, as demandas, as expectativas da sociedade mudaram, cobrando com maior exigência que essa pauta seja para valer e que envolva governos, ONGs e os setores produtivos.

Hoje é normal que uma empresa, que não precisa ser de grande porte, ao demandar investimentos, seja questionada se atende às metas da Agenda 2030 da ONU. Os chamados fundos de investimento responsável já movimentam 31 trilhões de dólares, o que representa 36% dos ativos financeiros totais geridos no mundo.

Os indicadores ESG envolvem temas de grande importância, porém, constato, nas matérias jornalísticas que vêm explicando esses indicadores, que o “E” (environmental) tem sido ressaltado com maiores pormenores, a ponto do “S” e “G” ficarem em segundo plano. Em verdade, as ações de diversidade e inclusão têm assumido relevância, assim como os programas de integridade, mas a atenção que é apresentada nos relatórios tem sido mais focada no tema ambiental.

As iniciativas de aumento da participação das mulheres em Conselhos de Administração; inclusão de profissionais de formações, culturas, gêneros e raças diferentes; combate aos assédios; incentivo às ações de respeito ao consumidor, com adoção de ouvidorias; desenvolvimento de programas de integridade e combate a qualquer prática ilegal representam a evolução de conceitos e princípios do ambiente corporativo. Assim os pontos relacionados ao Social e à Governança devem ser, igualmente, destacados, compondo um equilíbrio entre os indicadores almejados, uma vez que representam um todo que não deve ser dissociado.

Esse sentido evolutivo é muito interessante. O objetivo do investidor é a rentabilidade alcançada pelo lucro, porém, essa meta, cada vez mais, não pode ser alcançada a qualquer custo. A sociedade e os consumidores cobram novas posturas das empresas, que devem atender aos compromissos ESG que ultrapassam as posturas básicas de rentabilidade: baixo custo, alta produtividade, preço atrativo, logística, canais de venda, política de marketing, adequação tributária.

O secretário geral do ONU, Antonio Guterres afirmou que a “Agenda Global  2030 é a nossa Declaração Global de Interdependência”. Ouso afirmar que, com esse avanço estimulado pelos fundos de investimentos, essa Agenda representou um encontro que há pouco tempo poderia ser considerado insólito: o capitalismo com os direitos humanos, viabilizando que as gerações dos Direitos Humanos sejam inseridas na visão estratégica das empresas. Com certeza um estímulo necessário à renovação e à inovação, com inclusão, conformidade e sustentabilidade.