Desequilíbrio da concorrência por fatores tributários

Por ETCO

Autor: Sandra Balbi

Fonte: Revista ETCO, No. 15, Abril 2010

Por Sandra Balbi



A discussão está lançada. A necessidade de regulamentação do artigo 146-A da Constituição Federal torna-se a cada dia mais urgente na medida em que setores importantes da economia vêm sofrendo desequilíbrios concorrenciais por fatores tributários. “Cigarros, bebidas, combustíveis, fabricantes de CDs e DVDs sofrem a concorrência por meio de instrumentos tributários. Quem não paga tem vantagem competitiva em relação ao concorrente”, observa Hamilton Dias de Souza, advogado especializado em Direito Tributário e conselheiro do ETCO. O artigo 146-A tem por objetivo combater os desequilíbrios concorrenciais provocados por elisão, evasão fiscal ou sonegação. “Os tributos criam assimetria na concorrência e a norma constitucional é uma pauta genérica de valores, não se constitui em regras, as quais devem ser veiculadas por leis”, observa o Dias de Souza. O artigo tem a seguinte redação: “Lei Complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência,sem prejuízo da competência da União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”.



Dias de Souza defende a necessidade de leis complementar (da alçada federal) e ordinária (municipal) para regulamentar o artigo. Mas como há muitas interpretações colidentes sobre o 146-A, que podem levar a “projetos de lei erráticos”, segundo ele, é fundamental abrir-se a discussão amplamente.



Neste sentido, o ETCO realizará no dia 10 de maio um seminário nacional, em Brasília, cuja abertura será feita pelo ministro da Justiça Luiz Paulo Barreto, com a presença de autoridades, especialistas e membros do Judiciário para debater os prejuízos causados pela ausência de uma regulamentação mais específica sobre o tema. O primeiro painel será sobre A Questão Constitucional,com Luís Eduardo Schoueri, Tércio Sampaio Ferraz e Hamilton de Souza Dias, como debatedores.O segundo painel tratará das Leis Complementares e Leis Ordinárias,e os debatedores serão o ministro Marcílio Marques Moreira, o jurista Humberto Ávila e o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luis Fux. No terceiro painel será discutida a Aplicação da Lei, os atos concretos em função do que diz a Constituição, com o professor André Montoro Filho, presidente do ETCO, O ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel e a secretária de Direito Econômico, Mariana Tavares de Araujo. O encerramento será feito pelo Secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo. “O objetivo é fazer uma discussão muito técnica para chegarmos a um projeto de regulamentação mais produtivo”, diz o Dias de Souza. Ele lembra que a lei que regula a concorrência, Lei nº 8884, não cogita da questão tributária e sim do efeito que a concorrência traz ao mercado como um todo – uma seara onde atuam a SDE (Secretariade Direito Econômico) e o Cade ( “http://www.cade.gov.br/” Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Mas, segundo Dias de Souza, às vezes o desequilíbrio se antecipa, se dá entre empresas que pagam e outras que não pagam impostos valendo-se de liminares ou de sonegação, ou mesmo de planejamentos tributários, e até de decisões judiciais que as deixam em vantagem competitiva. Um exemplo é o da American Virginia, fabricante de cigarros, que conseguiu liminares para continuar operando depois deter sido fechada pela Receita Federal por não pagar impostos. “Havia uma súmula que dizia ser inconstitucional interditar uma empresa para fazê-la pagar tributos, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que era correto o fechamento da empresa, pois suas práticas desequilibravam o mercado. Foi a primeira decisão do Supremo com base no artigo 146-A”, comemora o conselheiro do ETCO.



O desequilíbrio concorrencial tributário é um tema de relevância nacional, na opinião do conselheiro do ETCO. Ele lembra que por causada ausência de regulamentação da norma constitucional ainda hoje há contestações judiciais ao modelo de cobrança do IPI no setor de bebidas. “Há duas décadas a tributação é baseada na classe da bebida, pelo sistema ad-rem, em que o imposto incide sobre o produto e não sobre o seu valor (sistema ad-valorem)”. No passado, o modelo de tributação baseado no valor do produto gerou inúmeras distorções. “Há mais de20 anos, o IPI incidia sobre o valor da mercadoria no setor de bebidas o que permitia que empresas tentassem ganhar mercado reduzindo sua base de cálculo do tributo”, conta o advogado. Elas usavam o artifício de vender para uma empresa comercial do mesmo grupo por valores menores, que ao repassar o produto ao mercado é isenta de IPI. “Havia um planejamento tributário intra-empresas para reduzir o IPI e assim ganhar competitividade. Isso era recorrente e gerou o caos”, lembra o Dias de Souza. Só a partir da década de 70 isso mudou com a adoção do sistema ad-rem.



Mas na ausência de uma regulamentação do artigo 146-A “há dificuldades de regular determinados setores de forma diferente dos demais adotando o sistema monofásico apenas para alguns produtos, tributação fixa ao invés de ad-valorem, para os que são objeto de elisão ou evasão fiscal, sistemas especiais de fiscalização e recolhimento para certas empresas, etc.”, acrescenta.



O tema desequilíbrios concorrenciais por fatores tributários é muito rico, enfatiza o conselheiro do ETCO. “Daí a importância da discussão que estamos abrindo ao organizar um seminário nacional sobre o tema.”

Daniel Wainstein


Hamilton Dias de Souza, conselheiro do ETCO: “Assimetria na concorrência”