ETCO comemora cinco anos
Autor: Andrea Assef
Fonte: Revista ETCO – No. 9, Abril 2008
Há cinco anos, um grupo de empresários dos setores de cerveja, refrigerante,
fumo e combustível constatou que tinha um concorrente em comum: a alarmante
informalidade e a elevada sonegação na economia brasileira. Ao perceberem que
lutavam isoladamente contra desvios de conduta que afetavam a todos, como
sonegação fiscal, contrabando e falsificação de marcas, os empresários decidiram
juntar forças. Em 8 de abril de 2003 surgia o Instituto Brasileiro de Ética
Concorrencial – ETCO – com a missão de melhorar o ambiente de negócios e lutar
contra a ilegalidade nas práticas de mercado. Dois anos depois, o setor de
medicamentos entrou no Instituto e, em 2007, foi criada mais uma câmara
setorial, a de tecnologia.
“Esses empresários tiveram uma visão ampla do problema da informalidade no
Brasil. Eles tiveram uma ambição maior, mais generosa, ao criar o ETCO para
defender a ética concorrencial”, afirmou o professor André Montoro, presidente
executivo do ETCO.Com a palavra, um dos fundadores e atual presidente do
Conselho de Administração do ETCO, Victório De Marchi, que também é
co-presidente da AmBev: “Nosso objetivo inicial era mostrar para as autoridades
e para a sociedade, por meio de dados e estudos, os prejuízos da concorrência
desleal. Nas reuniões, eu levava todos os dados que tinha do setor de cervejas.
O pessoal da Souza Cruz levava os estudos sobre cigarros. O representante da
Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes (Abir) também colocava suas
preocupações. Convidei outras pessoas de empresas como a Kaiser, a Coca-Cola.
Assim, informalmente formamos um grupo que iria se transformar no Instituto. A
rigor, o ETCO surgiu pela união entre Pepsi Cola, Coca-Cola, AmBev, Kaiser e
Sindicom e Souza Cruz”.
Uma das primeiras ações do ETCO foi desenvolver trabalhos que revelavam a
asfixia da atividade empresarial com os atos de concorrência ilegal. O Instituto
contratou instituições respeitadas para mapear a informalidade, como a Fundação
Getúlio Vargas e a McKinsey. O ETCO conseguiu conscientizar as autoridades e a
sociedade sobre o problema e conquistou credibilidade a ponto de ser reconhecido
pela Receita Federal e pelas demais autoridades tributárias de todos os Estados,
além de organismos como o próprio Banco Mundial. Como resultado o ETCO tornou-se
a principal referência sobre o assunto no país.
“Desde o início, nossa preocupação era mostrar os prejuízos para a
sociedade das práticas ilegais de mercado”, contou Milton de Carvalho Cabral,
que foi o primeiro presidente do Conselho de Administração do ETCO. “Se uma
parte da sociedade leva vantagem no curto prazo ao comprar produtos
contrabandeados ou falsificados, no médio prazo a maioria dos cidadãos é
prejudicada com a queda de arrecadação e com o aumento da ilegalidade e da
insegurança”, concluiu Cabral. Ele lembra que o ideal dos fundadores era ter um
país onde não houvesse ilegalidades na concorrência de mercado.
O lançamento oficial do ETCO ocorreu em uma prestigiada solenidade na
Academia de Tênis, em Brasília, com a presença de cerca de 500 representantes
empresariais e autoridades de governo. Na ocasião, Emerson Kapaz, que foi o
primeiro presidente executivo da entidade – função que ocupou até setembro de
2006, que passou a ser exercida pelo economista e professor André Franco Montoro
Filho, a partir de janeiro de 2007 –, solicitou ao governo federal a criação de
um programa de combate à ilegalidade no meio empresarial. Foi a primeira de uma
série de ações que o ETCO estabeleceu com a iniciativa pública e privada para
combater a concorrência desleal e levar essa discussão ao cerne da sociedade
brasileira.
Em junho de 2004, o ETCO reuniu empresários, economistas e políticos e
apresentou um estudo inédito, elaborado pela McKinsey, que revelou a rede
subterrânea da concorrência desleal no Brasil. A principal constatação: a
informalidade era muito maior do que se imaginava e representava 40% da renda
nacional. A partir daquele evento, que contou com a presença do então governador
de São Paulo, Geraldo Alckmin, do economista Eduardo Gianetti da Fonseca e do
empresário Abilio Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, o ETCO transformou-se num
catalisador dos debates sobre os temas que giravam em torno da economia
informal. No ano seguinte, por exemplo, ocorria o seminário Sonegação X Carga
Tributária: Existe um Ponto de Equilíbrio?, que teve como base um estudo inédito
da GVconsult. O trabalho mostrava os impactos da reforma em discussão no
Congresso Nacional e contou com a presença do ex-ministro e deputado federal
Delfim Netto (PP-SP) e do então secretário executivo do Ministério da Fazenda,
Murilo Portugal.
Para encerrar a bateria de estudos e debates realizados em 2007, o ETCO
organizou o seminário Como Melhorar o Ambiente de Negócios, em dezembro do ano
passado. O governador de São Paulo, José Serra, que participou da mesa de
abertura de debate, ao lado do embaixador Marcílio Marques Moreira, presidente
do Conselho Consultivo do ETCO, e do professor André Montoro, afirmou que os
empresários e o poder público não podem tolerar práticas de esperteza. O
governador da Bahia, Jaques Wagner, defendeu maior rigor na fiscalização dos
gastos da administração pública. Ao proporcionar fóruns de debates entre
governantes, acadêmicos e empresários, o ETCO colabora para enriquecer a
reflexão sobre o assunto. “Uma das grandes pragas do Brasil é a não direção das
políticas públicas necessariamente para o bem comum, mas sim para os interesses
de A ou B”, disse Marques Moreira.
“Mas a contribuição mais sólida do ETCO para a sociedade brasileira foi a
conscientização sobre os malefícios das atividades ilegais que geram a
concorrência desleal”, afirmou Leonardo Gadotti Filho, vice-presidente de
Operações da Esso do Brasil e presidente do Sindicato Nacional das Empresas
Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom). Gadotti presidiu o
Conselho de Administração do ETCO entre 2005 e 2006 e atualmente integra o
Conselho de Administração do Instituto.
Segundo Gadotti, o setor de combustíveis comemora a lei estadual de São
Paulo que permite a cassação da inscrição estadual de distribuidoras,
transportadoras ou postos flagrados vendendo combustível fora das especificações
da Agência Nacional do Petróleo. Na opinião dele, a ética só estará incorporada
ao ambiente de negócios quando fizer parte do cotidiano das pessoas. “Cabe à
sociedade civil, ao poder público, às entidades e às empresas o resgate desses
valores, essenciais para a construção de uma nação moderna”, afirmou
Gadotti.
Ao longo desses anos, o ETCO participou de forma efetiva de algumas das
mais importantes decisões que envolveram o combate à ilegalidade na economia
brasileira. De acordo com o consultor tributário e ex-secretário da Receita
Federal Everardo Maciel, que faz parte do Conselho Consultivo do ETCO, a
entidade é a união de empresas comprometidas com a defesa de instrumentos
tributários capazes de coibir atos de sonegação, como os medidores de vazão na
indústria de bebidas. Desde 2005, toda a indústria de cerveja e parte da
indústria de refrigerante contam com o medidor de vazão, aparelho instalado nas
enchedoras de bebidas que informa os volumes líquidos envasados em cada linha de
produção. Os dados são coletados automaticamente e transferidos para a Receita
Federal. O dispositivo tornou possível maior eficiência na arrecadação. De
acordo com o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), de 2005
para 2006 o volume de produção de cerveja cresceu 6,2% e a arrecadação do IPI
aumentou 17,5%, o que significa um acréscimo de R$ 250 milhões aos cofres
públicos sem que tenha havido aumento da carga tributária.
Segundo Hoche Pulcherio, presidente da Associação Brasileira da Indústria
de Refrigerantes e membro do Conselho de Administração do ETCO, houve uma
redução de 20% na sonegação com a iminência da implantação dos medidores de
vazão na indústria de refrigerantes. “Reduzida a concorrência desleal, houve
aumento nos planos de investimento e no nível de emprego, ainda não mensurados
totalmente”, afirma Pulcherio. “De qualquer forma, a conscientização da opinião
pública sobre os males da informalidade é a maior vitória. A ética através do
ETCO está no centro de todas as discussões”, disse Pulcherio.
Outra medida que contou com o apoio do ETCO foi o fato de os
fabricantes de cigarros, com a edição das Instruções Normativas da Receita
Federal do Brasil (IN 769 e 770), terem sido obrigados a instalar contadores de
produção, que transmitirão os dados on-line para a Receita, o que vai permitir o
rastreamento dos produtos em todo o país. Do mercado total de 129 bilhões
de cigarros em 2007, o setor estima que 29% (37 bilhões de cigarros) sejam
resultado de contrabando, falsificação e evasão fiscal. Em 2007, de acordo com a
Receita Federal do Brasil, o setor de cigarros arrecadou R$ 2,8 bilhões em IPI.
Porém poucos pagam impostos. Segundo a Receita, o Brasil tem 15 fabricantes de
cigarros, sendo que apenas dois pagam seus tributos e respondem por quase 100%
da arrecadação do setor.
Ao longo do tempo, as ações do ETCO passaram a atrair outros setores que
sofrem do mesmo mal. Em 2005, depois de encomendar ao ETCO um estudo sobre a
economia informal no ramo farmacêutico, o setor ficou surpreso com o impacto da
informalidade no mercado, principalmente na saúde pública. O estudo
“Informalidade no Setor Farmacêutico: Barreira ao Crescimento da Economia
Brasileira e Risco à Saúde Pública”, elaborado pela consultoria McKinsey e pelo
escritório Pinheiro Neto Advogados, mostrou que a sonegação no setor
farmacêutico chega a 23% do total de impostos pagos. Nascia a Câmara Setorial de
Medicamentos, que reúne 34 empresas do ramo e iniciou uma série de discussões
sobre a informalidade.
Dirceu Raposo de Mello, diretor-presidente da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), que esteve presente a um desses eventos, o
seminário Incentivando o Crescimento da Economia Formal no Brasil: um Estudo do
Setor Farmacêutico, promovido pelo ETCO, em dezembro de 2005, avisara que a
agência ia promover no país uma ação de fiscalização preventiva. E cumpriu o que
disse. Está em fase avançada a decisão da Anvisa de regulamentar e tornar
obrigatório o sistema de rastreamento de medicamentos. O sistema faz o controle
e o monitoramento do percurso dos produtos desde a saída da linha de produção
até a venda nas farmácias.
O último setor a aderir ao ETCO foi o de tecnologia. Em setembro de 2007,
a Microsoft, empresa líder no fornecimento de software, passou a representar a
Câmara Setorial de Tecnologia. “Levamos dez anos de trabalho árduo para ver o
índice de pirataria no mercado empresarial brasileiro diminuir de 65% para 60%”,
disse Rinaldo César Zangirolami, diretor-geral de assuntos jurídicos e
corporativos da Microsoft. Com a criação da câmara setorial, a expectativa é que
o porcentual sofra uma redução mais relevante.
Nestes cinco anos, o ETCO tem atuado em várias frentes de combate às
práticas ilegais de mercado. Para lutar contra a enxurrada de produtos
falsificados em território nacional, o Ministério da Justiça criou em 2004 o
Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade
Intelectual.
Desde a sua concepção, o Conselho contou com o apoio total do ETCO. Luiz
Paulo Barreto, presidente do Conselho e secretário executivo do Ministério da
Justiça, disse que uma das tarefas foi elaborar um plano de combate à pirataria,
com 99 ações em três vertentes: repressiva, educativa e econômica.
A partir de então, as operações das polícias federal e rodoviária federal
e da Receita Federal do Brasil dobraram. Em 2005, o Brasil tirou do mercado
cerca de US$ 84 milhões em produtos pirata, um aumento de 130% em relação a
2004. A maior vitória, segundo Barreto, foi a criação da cultura de combate a
esse tipo de prática. “O governo e a sociedade sabem que o problema da pirataria
não é social, é vinculado ao crime organizado”, afirmou Barreto.
Quando se enumeram as conquistas do ETCO na luta por um bom
ambiente de negócios, é impossível deixar de fora a implantação da nota fiscal
eletrônica (NF-e), um dos mais importantes passos para a modernização do sistema
tributário brasileiro. A NF-e é um registro para a movimentação de mercadorias e
a prestação de serviços totalmente virtual. O ETCO e as empresas associadas
aderiram com entusiasmo ao processo de implementação do sistema, colaborando com
as autoridades fiscais federais e estaduais. Recentemente, o ETCO fez um
seminário para promover a troca de experiências entre as empresas e os fiscos
estaduais e federal sobre a utilização da NF-e, bem como debater o que facilita
e o que dificulta sua implementação. Até o fim do ano, vários setores,
incluindo quase todos que fazem parte do ETCO (bebidas, medicamentos, cigarro e
combustível), deverão utilizar a NF-e.
No balanço destes cinco anos, o ETCO colecionou vitórias e venceu
batalhas, porém a guerra contra as práticas ilegais de mercado continua. Como
disse Milton Cabral, o grande desafio que o ETCO tem pela frente é manter a
bandeira que lhe deu origem: a busca por uma sociedade mais justa, em que todos
paguem impostos e, na outra ponta, se beneficiem com melhores serviços
públicos.