Código penal está aquém dos anseios da sociedade

Por ETCO
17/08/2012
Valor Econômico – Caderno Especial – Combate à Corrupção – 17/08/2012
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Defasado, o Código Penal brasileiro não atende aos anseios da sociedade e  tampouco permite que se puna de forma exemplar o crime organizado no país.  Segundo o jurista Walter Fanganiello Maierovitch, professor de direito criminal  e consultor da União Europeia sobre o tema, caso não haja mudanças no corpo da  lei, jamais haverá no Brasil uma iniciativa como a Operação Mãos Limpas, na  década de 90 na Itália, que culminou na investigação de mais de 6 mil pessoas,  incluindo empresários, servidores públicos e parlamentares, entre os quais os  ex-primeiros ministros Giulio Andreotti e Bettino Craxi, que tiveram suas  carreiras políticas encerradas após a comprovação de envolvimento com atividades  da máfia italiana.
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Na visão de Maierovitch, a ação do crime organizado no Brasil atingiu um grau  de sofisticação semelhante ao que se observou na Itália. Ele cita os fortes  indícios apontados nas relações entre o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o  ex-senador Demóstenes Torres e a construtora Delta.
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“Chegou-se a um estágio em que há suspeitas de lavagem de dinheiro de jogo do  bicho com licitações fraudulentas de empreiteiras”, afirma. Segundo o Código  Penal, diz o jurista, situações com esta só podem ser enquadradas por meio da  formação de “bando ou quadrilha”, segundo o artigo 288. E, na esmagadora maioria  das vezes, como os réus são primários, os advogados conseguem habeas corpus para  que respondam em liberdade. “A prisão preventiva de Carlinhos Cachoeira é uma  exceção no sistema brasileiro”, afirma.
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O jurista sugere uma emenda que ampliasse o conceito de “bando e quadrilha”  para “associações delinquenciais especiais”, a exemplo do que foi feito na  Itália no final dos anos 80, por iniciativa de um deputado do Partido  Socialista. “No Brasil, prevalece a presunção de inocência, que é um princípio  correto, mas há situações em que a prisão preventiva é necessária para que as  investigações atinjam todos os elos da cadeia criminosa. Com as ferramentas  tecnológicas, a cúpula de uma organização pode operar fora do Brasil e corromper  internamente”. No campo jurídico italiano, entende-se “associações  delinquenciais especiais” como aquelas que possuem poder corruptor, como  controle de território e controle social, com infiltração no Estado, ao ponto de  interferir no processo eleitoral. Outro caso lembrado é o do ex-deputado  fluminense Álvaro Lins, com comprovado envolvimento com as milícias cariocas,  que responde ao processo em liberdade devido aos seus bons antecedentes.
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O jurista defende que a tipificação de crime organizado siga o que foi  acordado na Convenção de Palermo, realizada em 2000 e ratificada pelo Brasil em  2008. Segundo o documento, até mesmo doleiros podem ser citados na formação de  crime organizado. Maierovitch vai além e apoia a inclusão de entidades  religiosas que utilizem espaço comprado em horário de TV para prática de ações  classificadas como “verdadeiro estelionato”. Entre outras mudanças urgentes, o  jurista defende o fim do foro privilegiado para autoridades e a adoção de  critérios mais técnicos para indicação de ministros ao Supremo Tribunal Federal  (STF), que teriam mandatos de cinco anos, sem direito à reeleição.