Controle de riscos
Valor Econômico – Caderno Especial – Combate à Corrupção – 17/08/2012
Em um contexto em que o eixo de crescimento da economia mundial se inverte e desloca-se para os países emergentes e em que os preços das commodities devem se manter em patamares elevados nos próximos anos, abre-se uma janela de oportunidade para nações, como o Brasil, ricas em recursos naturais. Transformar esse ciclo de riqueza em benefício para toda a população dependerá em grande parte de gerenciar com eficiência as instituições, conduzir políticas públicas e reduzir a corrupção.
“A diferença entre viver uma maldição e uma bênção está essencialmente ligada à governança e à redução da corrupção”, disse Otaviano Canuto, vice-presidente do Banco Mundial, um dos presentes ao seminário internacional “O Impacto da Corrupção sobre o Desenvolvimento”, organizado pelo Valor e pelo instituto Etco, na quarta-feira, em São Paulo.
Nesse contexto, ferramentas de controle de gastos, maior transparência por parte dos órgãos públicos e avanços no sistema político são áreas que precisam ser reforçadas para coibir práticas ilícitas. Para o diretor de governança pública e desenvolvimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Rolf Alter, a corrupção é um fenômeno global que atravessa fronteiras e cujo combate tem de ser reforçado diante da perspectiva de que nos próximos anos mais de US$ 1 trilhão em projetos de investimentos no mundo sejam realizados por diferentes países. “Muito dinheiro será aplicado e será preciso atuar em todo o planeta para prevenir a corrupção e promover a integridade”, disse.
Um estudo do Banco Mundial entre 2005 e 2008 mostra avanços em alguns países da Europa e retrocessos de outros no combate à corrupção. Casos de corrupção administrativa, como presentes e dinheiro dados pela iniciativa privada para acelerar a tomada de decisão por parte de um ente público, tiveram redução. Já a corrupção ligada a compras públicas – que lida com uma quantia maior de dinheiro público e é mais centralizada – aumentou na mesma amostragem de países. “Os casos de sucesso aconteceram nos países que fizeram uma reforma específica e pragmática, utilizaram de monitoramento e métrica para avaliar o desempenho público, e criaram capacidade de gestão pública local”, disse Otaviano Canuto.
A corrupção não é um problema que ameaça apenas a economia brasileira, mas também os negócios das empresas que buscam a internacionalização. “Hoje temos mais empresas brasileiras investindo lá fora e a geografia de interesse delas são áreas que ainda passam por amadurecimento das instituições, que em alguns casos ainda são frágeis”, destacou o diretor de Políticas e Estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Coelho Fernandes.
O Brasil tem feito avanços para aumentar a transparência em relação aos gastos da União, mas ainda será preciso superar vários obstáculos, segundo os presentes à discussão, principalmente nos pequenos e médios municípios. Um dos progressos foi a edição da Lei de Acesso à Informação Pública, em vigor desde maio deste ano. O ministro chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage Sobrinho, afirmou que já foram recebidos mais de 20 mil pedidos de informação, sendo que os órgãos que mais recebem consultas são a Susep, INSS, Banco Central, Ministérios da Fazenda e do Planejamento. Outra ferramenta do governo para aumentar a divulgação de dados é o portal da transparência, em que pode-se analisar as despesas do governo, com detalhamento diário.
“O Brasil se tornou uma referência nesse campo”, ressaltou Hage. “Quem usava o portal antes era um público específico, como o pesquisador, o jornalista e o funcionário público. Agora o cidadão brasileiro está utilizando”, afirmou Jorge Hage.
Para Josmar Verillo, vice-presidente do Conselho de Administração da Amarribo Brasil, braço da Transparência Internacional no país, é preciso avançar no tema principalmente nas pequenas e médias cidades em que partidos políticos atuam como quadrilhas se revezando no poder. “Em alguns casos, há até cobrança de royalties quando há alternância na Prefeitura, mas interesse em manter um esquema”, afirmou, frisando que nessas áreas os principais beneficiários são políticos. Em sua visão, seria preciso atuar em várias áreas. Receber a pressão de órgãos internacionais ajudaria. Seria preciso também revisar o Código Penal e retirar a figura do foro privilegiado. “Tem-se a impressão de que o Judiciário é frágil e que o Código Penal está desatualizado”, afirmou.
A ex-ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie Northfleet destacou que, em alguns casos, órgãos públicos têm dificuldades para prestar contas em razão das demandas burocráticas. “Muitos não conseguem preencher tudo que é preciso”, afirmou. A burocracia chega também às empresas. Ela citou um exemplo: em conversa recente com um grande empresário brasileiro que tem negócios no Brasil e ativos nos Estados Unidos, o executivo contou que, para gerenciar as demandas de órgãos públicos federais, estaduais e municipais no Brasil tem uma equipe de cem funcionários, enquanto nos Estados Unidos tem apenas um. “Essas dificuldades acabam pesando sobre toda a estrutura”, frisou, ressaltando que outra tarefa importante no Brasil seria a necessidade de formação de agentes públicos. “No Brasil, às vezes o prefeito é eleito por ser simpático e por manter boas relações com a população e não por critérios técnicos”.