É possível diminuir a corrupção

Por ETCO

Autor: Daniel de Resende Salgado*

Fonte: O Popular – GO, 17/08/2007

A corrupção, inegavelmente, sempre existiu em nosso País. Recordo-me de um trabalho desenvolvido pela pesquisadora Flávia Schilling. Disposta a elaborar um levantamento do noticiário sobre a luta contra a corrupção no Brasil entre a década de 80 e início da de 90, chegou, dentre outras, às seguintes expressões: nepotismo, aliciamento político, desvios, fraudes, empreguismo, recebimento de propina, superfaturamento de obras, mau uso da frota de carros oficiais, favorecimentos políticos.

Para dizer-se o mínimo, observou um quadro de corrupção generalizada em uma moldura de ditadura que se implantara 16 anos antes, usando a bandeira da anticorrupção. Diferentes não foram as décadas de 50/60. Jânio Quadros se alçou ao poder sob o slogan de varrer a bandalheira. Já na retomada da democracia, o então candidato Fernando Collor falava constantemente em uma cruzada moralizadora. Deu no que deu…

No mundo, segundo cálculo do Banco Mundial, a corrupção toma US$ 1 trilhão do setor privado. E, no Brasil, além de impactar negativamente o PIB, a corrupção afasta os investidores, além de desacreditar o governo e as instituições.


Portanto, a corrupção sempre existiu. E, digo mais, sempre existirá. Até no Vaticano há notícias de corrupção, lembra o cientista político Benedito Tadeu César.


Apesar disso, há alguns mecanismos de prevenção e repressão que, conjugados, podem auxiliar no enfrentamento desse câncer. Para reflexão, menciono os cinco prementes.

1- A elaboração de normas que permitam o enfrentamento célere da corrupção.


É necessário um aparato legal que proporcione aos órgãos de fiscalização (Ministério Público, Receitas, Controladoria Geral da União, Polícias, Tribunais de Contas, etc.) meios rápidos de atuação conjugada e independente na persecução dos parasitas da coisa pública e, principalmente, dos recursos por eles desviados. É preciso, também, lutar pela manutenção das normas que já possibilitam alguma ação desses órgãos. Assim, seria salutar, por exemplo, alterar a legislação atinente ao dogma do sigilo. Este é muitas vezes utilizado para escudar criminosos, corruptos e os bens por eles subtraídos, e não para preservar a privacidade legítima do cidadão de bem. Ademais, a criação de instrumentos legais que facilitem o resgate de recursos desviados é primordial para minimizar os efeitos da corrupção.

2- A extirpação de dispositivos fomentadores da impunidade.


Além do labiríntico sistema judiciário nacional e do foro privilegiado, posso mencionar, como mecanismo fomentador da impunidade, a malfadada prescrição retroativa. Tal instituto jurídico, de criação genuinamente brasileira, não nos traz orgulho. Por ele, a prescrição toma uma pena que é aplicada no futuro e a projeta para o passado. Assim, se um corrupto, ao final de um processo, for condenado a dois anos, em uma pena que varia de dois a doze anos, a sua punibilidade será extinta em quatro anos, e não em dezesseis, prazo previsto para a prescrição pela pena máxima (em abstrato). Portanto, se a investigação durar mais de quatro anos ou se o processo se estender por tempo superior a esse período, a pena não será aplicada. Um crime perfeito: apurado, provado e não punido. Há, desde 2003, projeto de lei que extingue tal instituto, e que, no entanto, se encontra parado na Câmara dos Deputados.

3- A percepção de que o corrupto é um agente nacional que se orienta de acordo com um sistema de incentivos.


Imaturidade é achar que a corrupção existe simplesmente porque os corruptos são maléficos. Se há mais incentivos à roubalheira do que ao comportamento probo, o agente público minimamente amoral seguramente vai se corromper. Portanto, a solução é acabar com o incentivo à safadeza, criando um ambiente desfavorável para o crime. E, como fazer isso? Por meio de investimentos em sistemas de controle independente e de incentivos aos bons servidores. Isso somado à qualificação e triagem permanente de agentes públicos, à punição rápida dos maus funcionários, à cooperação social e à transparência. Assim, além de enaltecer e qualificar os bons servidores, o Estado precisa incentivar a população, por meio, por exemplo, de campanhas publicitárias, a participar do enfrentamento do problema. No mesmo sentido, o empresário honesto precisa ser incentivado a delatar o mau agente público, os esquemas de propina, etc. Em resumo, o brasileiro deveria ser instado a exercer sua cidadania.

4- O resgate de alguns valores éticos que, lenta e gradualmente, foram perdidos.


Em Santa Catarina, por exemplo, um forte apelo contra a corrupção é a campanha O que você tem a ver com a corrupção?, capitaneada desde 2004 pelo Ministério Público do Estado, em parceria com outros órgãos. Uma de suas intenções é expor, especialmente a crianças e adolescentes, que atitudes cotidianas, como furar a fila ou colar na prova, são atos de corrupção. Fica a pergunta: quantos têm hoje a consciência do perigo da corrupção para o Estado de direito?

5- A luta pela maior efetividade dos processos judiciais e das condenações nas searas penal, cível e administrativa.


A busca da relegitimação do direito e do processo precisa ser retomada. No caso específico do sistema penal, alguns disseminam a tese da sua inutilidade, pregando que ele seria um mero instrumento de opressão e vingança privada. Mister é deixar de lado essa visão anacrônica, como se ainda suportássemos um regime de exceção, onde os direitos individuais são sistematicamente violados.


Hoje, ao contrário, o Estado precisa proteger o cidadão, vítima da atroz violência cotidiana (e não é o cidadão que necessita se proteger do Estado). Portanto, o sistema penal deve ser relido por seus aplicadores como instrumento de proteção social. Basta de inversão de valores! O Poder Judiciário precisa, afastando-se do liberalismo, reaprender a mostrar apreço pela liberdade da sociedade honesta, dos cidadãos que se tornaram reféns da violência social gestada pela corrupção.


Lembro, por fim, que o presidente da República, em uma de suas mambembes manifestações, verberou que investigar corrupção dói. Compaixão? Parece que só em prol dos dilapidadores da coisa pública. À sociedade, vítima das práticas corruptas, nenhuma expressão de apreço. Prefiro as palavras de Santo Agostinho: a compaixão é a mais humana das virtudes, desde que não venha em prejuízo da justiça.

* Daniel de Resende Salgado é procurador da República, membro do Conselho Penitenciário e Coordenador Criminal do Ministério Público Federal em Goiás