Informatização tende a pôr fim à sonegação

Por ETCO

Fonte: DCI, 14/01/2008

A informatização do sistema fiscal do País está fechando o cerco contra os sonegadores, o que pode reduzir de forma substancial esse tipo de contravenção nos próximos anos. Isso porque, segundo o presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e de Assessoramento no Estado de São Paulo (Sescon-SP) e da Associação das Empresas de Serviços Contábeis (Aescon-SP), José Maria Chapina Alcazar, com adventos como o da nota fiscal eletrônica e a integração de todo o sistema fiscal nacional, a União conseguirá não só ter uma clareza maior nas relações com os contribuintes, mas também enxergará os pequenos sonegadores que hoje escapam da malha do Fisco.

Em entrevista ao programa Panorama do Brasil, que será exibido pela TVB nesta segunda-feira, Alcazar aproveita para falar também do ganho intelectual que os profissionais de contabilidade tiveram nos últimos anos.

Segundo ele, as pequenas e médias empresas atentaram para a importância estratégica desse profissional, que passou a fazer parte das mais importantes decisões da empresa a que atende. Seguem abaixo trechos da entrevista feita por Roberto Müller, da TVB, com colaboração de Getulio Bittencourt, Diretor de Redação do jornal DCI, e de Milton Paes, da Rádio Nova Brasil FM.

Roberto Müller: Como o senhor está lidando com a crescente importância que os seus colegas, os contadores, passaram a ter nas empresas públicas e privadas? Afinal são hoje consultores, envolvidos com as leis de governança corporativa, com a convergência de normas contábeis, e isso tudo está exigindo dos senhores um trabalho enorme de preparação de quadro e de atualização profissional e acadêmica. Como está essa adaptação?

José Maria Chapina Alcazar: A contabilidade vem passando por uma evolução positiva. Se fizermos uma retrospectiva, nos últimos 40 anos o governo interferiu intensamente na questão da gestão das empresas, com excesso de burocracia, de carga tributária, muitas tarefas a serem executadas, e o contador acabou ficando renegado a um canto operacional igual ao de tarifeiro e com pouco valor intelectual. Então, eu vejo que o momento em que estamos é o momento do resgate do valor intelectual da profissão contábil. Isso porque atualmente temos visto um avanço tecnológico muito forte, pelo qual esses trabalhos braçais que aconteciam no passado deixarão de existir em função do sistema público de escrituração digital, das notas fiscais eletrônicas que estão vindo aí pela frente, há uma integração total de sistema entre governo e contribuinte.

Getulio Bittencourt: Isso está permitindo que o contador se envolva em questões que abrangem a sociedade civil como um todo?

José Maria Chapina Alcazar: Sim. O contador passa a ser o verdadeiro estrategista, hoje, do empreendedorismo. Além disso, o profissional tem de evoluir, de reciclar os seus conhecimentos. Pensando nisso, o Sescon montou um sistema de qualidade das empresas de contabilidade, exatamente prevendo essa mudança. E temos feito palestras em todo o Estado de são Paulo, conscientizando a profissão, para aqueles que ainda não atentaram a que essa mudança já aconteceu, porque os empreendedores vão passar a ter uma necessidade muito grande de um planejamento estratégico, de um apoio logístico, e é disso que o profissional de contabilidade participa. Isso nos permite também ter uma atividade social, que é fazer da contabilidade responsabilidade social.

Roberto Muller: Por sinal, eu já ouvi de mais de um presidente de empresa, sobretudo das que estão sendo forçadas a adotar padrões contábeis globalizados, que eles não dão um passo se não tiverem um contador atualizado para as orientar no sentido de poderem participar do mundo competitivo que está aí.

José Maria Chapina Alcazar: Pois é. Atualmente, nós temos de dividir o segmento em duas fatias: as grandes corporações, que estão em bolsas de valores, e a micro e pequena empresa (MPE), que não é apenas aquela que está dentro do Simples. Na verdade, elas têm um alcance muito maior porque representam quase 95% da base de contribuintes. No caso das grandes corporações, essas sempre valorizaram a contabilidade, sempre dependeram desse profissional como instrumento de gestão, de apoio à retaguarda. Então para essas empresas não existe mudança porque estão familiarizadas com uma cultura que vem lá de fora, onde a contabilidade é muito importante nos negócios. No Brasil, nós temos um índice de informalidade muito grande e, em razão disso, a contabilidade passou a ser um instrumento de controle para o Fisco, e não para o empreendedor. Neste momento, com o avanço tecnológico do governo, que tende a acabar com a informalidade – e isso nós estamos pregando em todo o Estado de São Paulo -, as empresas têm agora apenas dois caminhos: ou acreditam nisso pela fé, ou pela dor. Quer dizer, o empresário que não mudar os seus costumes operacionais vai desaparecer do mercado. O profissional de contabilidade que atende a esse tipo de empresário, adaptando-se às necessidades e às exigências desse empresário também irá desaparecer. Porque a responsabilidade do profissional de contabilidade hoje é ilimitada, ou seja, se ele for conivente com o processo de fraude, ele responde com seus bens pessoais, e criminalmente.

Getulio Bittencourt: Recentemente um bilionário americano do setor imobiliário comprou uma das maiores empresas de mídia dos EUA, pagando US$ 4 bilhões. Com a compra, os contadores dele montaram um sistema distribuindo os funcionários por várias empresas de tal forma que ele economizava significativamente nos impostos que tinha a pagar. Com isso, em poucos anos ele conseguiria pagar as dívidas da companhia. É possível o contador brasileiro fazer isso no Brasil?

José Maria Chapina Alcazar: Sim, é possível. É o famoso planejamento tributário com características de legalidade. Existe a alternativa de usar a lucratividade de um determinado empreendimento para montar uma estratégia de empreender outros negócios, o que acaba trazendo a economia tributária. Isso já está previsto na legislação brasileira. Então, é aí que entra o intelecto do profissional de contabilidade. Por que hoje, no Brasil, ele não tem grande representatividade de valor intelectual neste universo do mundo corporativo das MPEs? Porque existe ainda uma visão do empreendedor, que tem duas situações a controlar: a formal e a informal. E o contador trata apenas da formal. Mas isso está acabando, porque agora temos a certificação digital, por exemplo, pela qual todos os dados serão tratados eletronicamente. Com isso, o espaço está acabando e nós vamos ter aí um trato das finanças de forma organizada e empresarial.

Milton Paes: Essa questão da certificação digital está fazendo algumas empresas, principalmente estatais, desenvolverem esse modelo; isso, de certa forma, aumenta a credibilidade das empresas?

José Maria Chapina Alcazar: A certificação digital está acontecendo para dar um avanço aos processos que têm em vista diminuir a burocracia. Hoje já temos as empresas com lucro real, que são obrigadas a ter a certificação digital. Nós temos já algumas transações comerciais que utilizam certificação digital. Então, tudo dá velocidade e agilidade para acabar com o papel nas transações. Todo o meio será eletrônico. E o empresário vai se relacionar com o mercado eletronicamente. Não podemos negar esse avanço. Vamos falar um pouco da nota fiscal eletrônica; eu faço uma comparação muito simples. Se pegarmos a Souza Cruz, por exemplo, que faz parte do projeto das 50 maiores empresas, ela vende cigarro ao barzinho da periferia que o Fisco não conhecia e que não contribuía com imposto nenhum; comprando da Souza Cruz, ele está sendo declarado. Ou seja, o governo começa a conhecer aquele barzinho da periferia. Então aquele contador vai ter de assessorar aquele pequeno comerciante também para que ele não entre em risco de crime de sonegação e para que a empresa também não seja envolvida. Então estamos passando por uma cultura que eu espero que, em curto espaço de tempo, nivelemos a condição de igualdade, pois este processo de informalidade tende a acabar. Então aí a sociedade terá uma outra consciência. Hoje, a exemplo de outros países, o governo gasta porque gasta, não presta contas, nós assistimos às negociatas do governo. Mas na hora em que todos estiverem em uma igualdade tributária, aí, o contribuinte vai sentir no bolso o quanto será importante o governo aplicar também os mesmos instrumentos de controle nas suas contas. Porque nós temos o governo com a maior abertura, está gastando dinheiro à vontade, as suas despesas ele cria à vontade, e controla o cidadão para pagar.

Roberto Müller: Queria saber com quantos profissionais lidam o Sescon e a Aescon, incluindo os peritos. Como está o processo de qualificação desse pessoal?

José Maria Chapina Alcazar: No Estado de São Paulo, o Sescon representa as empresas de contabilidade, perícia, informações, assessoramento, ao todo são 62 segmentos econômicos. Nós falamos de um público de 60 mil contribuintes. Na área contábil, na cidade de São Paulo, nós somos 18 mil empresas de contabilidade. No Estado de São Paulo, estamos falando de 130 mil empresas. No Brasil, estamos falando de 400 mil profissionais, ou seja, é uma base considerável.

Roberto Müller: Vistas essas mudanças todas que estão em curso, há um esforço de qualificação dos profissionais e das empresas?

José Maria Chapina Alcazar: Isso faz parte da nossa missão na entidade. O Sescon criou a Universidade Corporativa, que tem o enfoque de criar cursos especializados que levem a sociedade contábil ao aperfeiçoamento e à especificação técnica. Além disso, temos ainda processos com os jovens, o Sescon Solidário, que é um programa que trabalha com jovens de 14 a 17 anos e ensina as práticas de escrita fiscal e departamento de pessoal, de que custeamos todo o projeto.

Getulio Bittencourt: Eu queria voltar a falar sobre o problema da carga tributária. Nos EUA o sistema tributário é menor que o nosso, no sentido de que é mais eficiente, menos corrupto, arrecada mais e é mais flexível. Entretanto, eles não têm nota fiscal eletrônica e cobram por estimativa, ou seja, não tem fiscal. Não é mais eficiente fazer isso?

José Maria Chapina Alcazar: Com certeza. No modelo existente o Sescon está sendo favorável ao processo do avanço tecnológico porque ele entra em um caminho de inibir a corrupção e a sonegação, porque também tira a autonomia do intermediário do governo para usar do processo de evasão fiscal para tirar algum proveito próprio. Então esse avanço tecnológico é um ajuste no sistema existente. Agora, este ainda não é o sistema ideal. Ainda é complexo, burocrático, e exige muito investimento das empresas. O modelo ideal seria uma situação bem mais simplificada, como nos EUA, em que apesar de ser mais simples tem um imposto muito alto, mas cobrado na pessoa física. E quando você vai comprar um veículo, por exemplo, você sabe quanto custa o carro e quanto é o imposto. Então, no modelo atual, o avanço tecnológico vem para beneficiar. Mas o nosso modelo tributário é muito ultrapassado e eu tenho a sensação de que o governo não quer simplificar, porque, se o fizer, vai prejudicar muitos que estão lá. Então, a sociedade tem de trabalhar por isso. Temos de reivindicar e levar uma proposta bem enxuta, bem simples, para o governo arrecadar muito mais.

Milton Paes: O senhor acredita que o primeiro passo para isso foi mesmo a movimentação pelo fim da CPMF? Porque durante muitos anos a CPMF foi prorrogada e, em situações anteriores, um ou outro segmento até reclamou, mas sem a força que teve nesse movimento recente.

José Maria Chapina Alcazar: Bom, nós tivemos outras mobilizações de sucesso e, agora, o que estava em ênfase total era a CPMF, porque o governo lutou para não perder esses R$ 40 bilhões. E nós dissemos a ele que ele não precisa desse dinheiro. Se nós fizermos um resgate do passado, todos os escândalos, com Valerioduto, Ambulâncias, tudo que já saiu de dinheiro público é muito maior do que essa arrecadação da CPMF. Então, o governo precisa entender que a sociedade está querendo ajudar o governo, que ela não é contra o governo. A sociedade está querendo dizer para ele que é hora de mudar a regra dos gastos, de administrar melhor o dinheiro público. Porque quanto mais dinheiro se der ao governo, mais ele vai gastar de forma errada. Então esta é a mensagem. Não é a CPMF o mote da questão. Ela só é a oportunidade de agora. O que nós estamos querendo dizer ao governo é: gaste menos, empregue menos, com cunho político, pois temos muitos empregos para campanha eleitoral, e faça a máquina ficar eficiente e efetivamente profissional. Então, com isso, ele reduz a máquina e reduz o orçamento em termos de custeio.

Milton Paes: Então falta profissionalismo por parte do Governo Lula?

José Maria Chapina Alcazar: Sim, mas isso vem de vários governos. Não podemos dizer que é neste governo, assim como a CPMF. E agora, como está havendo um exagero desse governo em gastos públicos, a sociedade não está agüentando mais esse tipo de administração. Mas os governos anteriores também fizeram pelo mesmo caminho, e o mais triste é que cada governo está gastando mais do que o anterior.

Milton Paes: Dizem que 40% do PIB equivale aos tributos cobrados, ou seja, o País trabalha 40% para pagar impostos. Mas, na verdade, é mais que isso. Explica essa conta?

José Maria Chapina Alcazar: Eu me atrevo a dizer que é mais do que isso: quando se fala em 40% do custo tributário do PIB, eu coloco aí mais 10%. Porque o governo colocou tantas obrigações ao empreendedor que para ele atender às atividades administrativas do governo ele tem de montar um verdadeiro exército. Então, quando nós falamos em carga tributária de 40%, tem-se de pensar também no custo burocrático desta carga tributária, e pode-se imaginar mais 10% de custo, que interfere na formação do preço de venda dos produtos para a sociedade por um todo.

Roberto Müller: Dizem que se houvesse desoneração fiscal haveria o aumento da arrecadação em decorrência do aumento de vendas, o qual, por sua vez, decorreria da redução do custo, do preço final. Você tem algum exemplo disso?

José Maria Chapina Alcazar: O exemplo é o setor dos computadores. O governo não reduziu os tributos em cima dos computadores? Veja como o mercado explodiu em termos de venda – e isso girando a economia e gerando empregos, ou seja, deixando a economia ativada. Assim, toda redução, toda desoneração, vem para girar a economia e trazer um aumento de emprego e da formalidade.