Macroeconomia por que não aprender também com a Administração?

Por ETCO

Autor: Rubens Penha Cysne

Fonte: Conjuntura Econômica – RJ, 10/07/2009

A macroeconomia, tal como outras áreas de especialização em economia, e tal como outras ciências também o fazem, toma emprestado de vários outros ramos do conhecimento os alicerces com base nos quais deriva seus modelos e suas conclusões.


Curiosamente, entretanto, o valor adicionado por sua ciência irmã dos cursos de graduação, a administração, se encontra, quando muito, em doses não raro homeopáticas em suas análises normativas.

A macro economia normativa costuma ser prolífica no desenho das linhas de chegadas, com direito a fita inauguração (a ser rompida pelo primeiro a chegar) e a bandeirinhas de várias cores (em geral, com leve predomínio da cor preta). Mas dificilmente dá instruções precisas de como correr a maratona. Exemplos claros neste sentido se encontram nas perenes propostas linha-de-chegada do tipo “tem que reduzir o déficit público” ou, “é preciso aumentar o retorno social dos gastos públicos”.


Consecução de objetivos deste tipo requer empréstimos fundamentalmente à economia política (ou à ciência política), mas este não é o tema principal deste artigo. Objetivamos aqui apenas exemplificar como empréstimos da análise macroeconômica normativa à administração podem também ser úteis na consecução efetiva de objetivos como os dois repetidos acima.

Otimização


A economia sempre soube adquirir com presteza avanços da matemática e da teoria da probabilidade. Alunos de primeiro ano de cursos de pós-graduação em economia são rapidamente confrontados com problemas de otimização dinâmica.


Precisam achar funções do tempo como soluções de processos de otimização da parte de consumidores desejosos de otimizar o valor descontado de sua felicidade. Resolve-se boa parte de tais problemas utilizando-se o cálculo de variações, técnica desenvolvida por matemáticos nascido no século XVIII: o suíço Leonhard Euler e o (naturalizado) francês Joseph Lagrange (que morreu em 1813).


Uma outra parte destes problemas é mais facilmente solúvel apelando-se à teoria de controle ótimo, esta desenvolvida no século XX (anos 50 e 60) por matemáticos russos, Lev Pontryagin em particular.


Quando o planejamento ótimo incorpora as incertezas usuais da vida cotidiana, passa-se das soluções em espaços de funções para soluções que são famílias de distribuições de probabilidade. Principalmente quando se toma o tempo definido em intervalos discretos, costuma-se aí utilizar uma outra técnica, a programação dinâmica, também desenvolvida por um matemático (Richard Bellman, americano, na década de 1950).


O mesmo tipo de assimilação lateral não se observa, entretanto, da parte da economia, com respeito à ciência da administração. Exemplifiquemos, no campo das finanças públicas, com o processo de elaboração e execução orçamentária. Mais especificamente, tomemos o caso, no Brasil, de um primeiro economista que deseje ver reduzido o déficit público; de um segundo economista que apregoe, em seu receituário, maior retorno com os gastos em educação; e, por último, de um terceiro que advogue a provisão de maior segurança nas ruas.


Tal receituário linha-de-chegada em geral tem pouca utilidade se desacompanhado das instruções de como correr a maratona, ou seja, de como obter na prática tais tipos de resultados.


Equivaleria a um ortopedista atender a um atropelado e dizer que os ossos deveriam ser recolocados no lugar.

Sugestões


No contexto político e processual no qual se assenta atualmente a instituição orçamentária federal, o economista liberal que deseja reduzir o déficit provavelmente seria contemplado apenas com a sugestão de elevação de contribuições. Estas, a despeito de gerarem distorções de grosso calibre, são preferíveis pela esfera federal aos impostos por não gerarem distribuição compulsória com outras esferas (como o IPI e o imposto de renda, por exemplo).


De sugestões de corte de despesas provavelmente tal economista não ouviria falar quando da apresentação de sua receita àqueles que efetivamente gerem a economia política do país. Da mesma forma, o segundo economista, desejoso de elevar o retorno dos gastos com educação, seria na melhor das hipóteses conduzido aos autos do Tribunal de Contas.


Com sorte conseguiria se interar das irregularidades administrativas relativas aos gastos nesta área. Mas não a respeito de quanto a sociedade teria se beneficiado como contrapartida do pagamento de impostos direcionados para a educação.


Por último, ao economista desejoso de melhorar a segurança pública no melhor dos casos seria oferecido um pacote de vinculações orçamentárias, variável de controle que costuma guardar pouquíssima correlação com os objetivos primários que a geram.


Vinculações em geral conseguem apenas obrigar o administrador público a gastar a mais onde não é necessário e a gastar menos onde é (ou teria sido) necessário. Costuma representar o oposto da regra de gastar menos para obter mais. Claro que tais questões não se solucionam com panacéias administrativas.


É preciso em primeira mão recorrer-se à economia política para o desenho de um sistema de representação democrática que efetivamente permita o efetivo encaminhamento de tais questões. Depois, especificar uma instituição orçamentária que gere os incentivos e controles corretos para tal. Mas isto não significa que um pouco da metodização da qual se ocupa a ciência administrativa não possa ajudar.


Tomemos emprestados, a título apenas de exemplo, alguns dos ensinamentos contidos em um artigo publicado em janeiro de 1992 por Robert S. Kaplan e David P. Norton, no Harvard Business Review. Intitulado “The Balanced Scorecard: Measures That Drive Performance”, o conteúdo do artigo poderia ser bem resumido na sua primeira frase: “O que você mede é o que você consegue”.

Balanceamento


A teoria (ou conjectura) de Kaplan e Norton é que a gerência de uma firma deve ter como base informações balanceadas, incluindo não apenas retorno financeiro, como muitas vezes ocorre, mas também os processos internos, a visão do cliente e o processo de inovações de longo prazo. Na aplicação de tais idéias ao setor público, a reeleição toma o lugar do retorno financeiro (tendo em vista que ambos retratam sobrevivência) e a visão do cliente se substitui pela visão da sociedade como um todo (em particular, dos que têm direito a voto).


Mais importante do que balancear as informações é o fato de cada uma das quatro visões acima ter, acompanhando as metas fixadas, um conjunto de indicadores associados. Este é o ponto crucial a se observar quando se aplica o Balanced Scorecard, em particular ao setor público. Não há atualmente, entretanto, na análise das contas públicas nacionais, um conjunto de indicadores bem definidos e de conhecimento público, com perspectivas definidas a partir de cada uma das quatro áreas mencionadas acima, que permita a avaliação contínua do retorno dos gastos. Tal ponto elimina as chances de uma discussão séria a cada um dos pontos levantados acima, minando as bases da consecução de cada prescrição.


Por exemplo, muito mais eficiente do que vincular recursos para uma determinada rubrica, seria definir as metas para tal rubrica sob o ponto de vista da população, dos processos internos do governo, das inovações desejadas e do processo político. Se as metas se obtêm com menos recursos do que o vinculado, por que obrigar o administrador público a gastar mais do que o necessário, quando outras rubricas (por exemplo, saneamento básico) podem ficar desassistidas?


Como indicador de consecução de objetivos públicos, as vinculações são péssimos indicadores. Isto porque a vinculação é uma meta operacional, não final. Em alguns casos, os melhores dos objetivos podem ser atingidos à custa de desastres. Macroeconomistas conscientes de tais questões deveriam olhar à frente e acrescentarão a seus respectivos receituários perspectivas diversas (como as quatro acima descritas) e indicadores vários (de preferência classificados segundo perspectivas bem definidas).


Com o passar do tempo, em função da demanda gerada por tais análises, aumentariam as chances de tais estatísticas se tornarem disponíveis, permitindo novas uniões da normatização à metodização administrativa, mais indicadores e assim por diante, gerando-se um círculo virtuoso.


O ponto de partida para este processo pode ser dado através de modificação gradual da macroeconomia como ciência voltada não apenas para a geração de receituários e prognósticos, mas também para a descrição prática de como obter tais resultados.


Caso contrário, há sempre o risco de repetições ad nauseum (“é preciso baixar os juros” etc.) que podem cair no vazio do lugar comum.