País tem plano contra pirataria

Por ETCO


Por Cristine Prestes, Josette Goulart e Thiago Vitale Jayme de São Paulo e de Brasília, Valor Econômico – 02/03/2005


A cena é típica de vésperas de Natal, Dia das Mães ou qualquer outra data de cunho comercial: comboios de 500 ônibus atravessam a Ponte da Amizade, sobre o rio Paraná, que separa a cidade brasileira de Foz do Iguaçu da paraguaia Ciudad de Leste. Todos em direção ao Brasil, lotados de mercadorias com valores muito acima do limite de US$ 250,00 por pessoa permitido pela Receita Federal. A fiscalização, com pouquíssimos técnicos no local – sempre desarmados – e quase nenhuma força policial, pára o primeiro deles, o segundo e o terceiro. Mas, diante da pressão dos contrabandistas organizados na multidão que se forma, não há alternativas. Este quadro se repete em outras fronteiras brasileiras, por mar ou por terra, e o resultado é uma enxurrada de produtos pirateados entrando livremente no país e o colocando na lista negra das nações que não combatem a pirataria.


Ao que tudo indica, o governo brasileiro está empenhado em sair do rol destas más estatísticas. Depois de sofrer fortes pressões americanas para tomar uma atitude, sob pena de retaliações, o Brasil tem agora um Plano Nacional de Combate à Pirataria. Ele foi lançado ontem, em Brasília, com 92 tópicos propondo atividades para combater as práticas de contrabando, descaminho e falsificação de mercadorias. Ainda há muitas críticas e pontos que deixaram de ser abordados, mas é unânime entre os que acompanham ou fazem parte do Conselho Nacional de Combate à Pirataria de que o projeto é sério. Resta saber se sairá do papel.


“Este plano é fruto de um trabalho sério, mas cabe lembrar que ainda falta resultado concreto”, diz o presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), Gustavo Leonardos. “O debate foi livre e franco e fiquei impressionado com um consenso tão grande entre os mais diferentes órgãos.” Leonardos diz isso porque o conselho é formado por representantes do governo, iniciativa privada e sociedade civil.



Radiografia da pirataria no Brasil


A principal conclusão que todos os 28 participantes do conselho chegaram é de que a diferença do preço entre os produtos piratas e os originais é o maior incentivo à compra dos falsificados. “O conselho, inclusive as indústrias, se comprometeu a trabalhar para achatar a distância entre o preço dos originais e dos piratas”, disse o presidente do conselho e secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto. A iniciativa privada entende que isso também significará um alívio em impostos para os setores que hoje mais sofrem com a falsificação.


O esforço para diminuir a diferença entre os preços é a vertente econômica das ações propostas pelo conselho. Há outras duas correntes de iniciativas: a de educação e a de maior atividade fiscalizadora e de repressão. Na primeira, serão organizadas campanhas de esclarecimento sobre os riscos de se comprar produtos piratas. “É preciso mostrar que um tênis falsificado faz mal à composição óssea e pode trazer graves problemas de saúde”, diz Barreto. e ainda há desdobramentos no aumento da criminalidade. “O dinheiro obtido com a venda de mercadorias falsificadas é destinado à compra de armamentos e ao financiamento do tráfico de drogas”, completa o presidente do conselho.


A terceira vertente envolve um maior número de operações policiais para desmantelar máfias da pirataria, com a criação de divisões específicas nas polícias para combater o crime. É neste ponto que a sociedade espera uma ação de mais curto prazo. Isso porque o prazo para que todos os itens sejam colocados em prática é de dois anos.


O advogado especialista no assunto, José Henrique Vasi Werner, do escritório Dannemann Siemsen, acredita no plano e está satisfeito com a iniciativa mas pondera alguns pontos importantes que não podem ficar de fora. O principal deles é aumentar a verba para a contratação de novos fiscais, seja em portos ou fronteiras terrestres. “Isso tem que ser resolvido prioritariamente”, diz Werner. Um concurso para a contratação de novos técnicos e auditores já foi pedido pela Receita, mas ainda não obteve autorização do Ministério do Planejamento. Se for aprovado, serão selecionados 2.000 novos técnicos e 1.500 novos auditores para a Receita, e a maioria já se sabe que trabalhará no combate à pirataria.


Outro ponto efetivo de combate à pirataria, na opinião de Werner, seria transformar o crime de falsificação em algo parecido com o crime ambiental, em que as empresas podem ser processadas pelos crimes. “Assim, estabelecimentos podem ser fechados, as empresas deixam de participar de licitações etc.”, diz. “Em outros países também os donos dos imóveis são responsabilizados se permitirem que práticas de falsificação aconteçam no espaço que alugaram.”


O presidente da ABPI conta que muitos pontos foram deixados de lado no plano elaborado, mas com a promessa de serem abordados na próxima reunião, em 17 de março. “Em alguns casos não houve consenso, mas recebemos a garantia de que todos os pontos seriam debatidos”, diz Gustavo Leonardos.


Na apresentação do plano, o secretário-executivo do Ministério da Justiça destacou apenas alguns pontos principais dentre os 92 enumerados pelo conselho. Um dos mais importantes seria a criação de um grande banco de dados com informações sobre a pirataria interligando os órgãos de fiscalização do governo com as polícias estaduais e federais. Além disso, será negociado com o Judiciário a instalação de varas especializadas em propriedade intelectual. Este tipo de iniciativa já está inclusive sendo tomada por alguns tribunais, como é o caso do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, que direciona todos os casos referentes à propriedade intelectual a turmas específicas.


O governo trabalhará ainda pelo aperfeiçoamento da legislação em vigor sobre o tema. Como exemplo da necessidade de serem feitas adequações, Barreto lembra que, hoje, é preciso fazer perícia de cada objeto pirata apreendido. “Quando se faz uma apreensão de 500 mil CDs, é um trabalho monumental fazer laudo de cada um”, diz. “A idéia é permitir a perícia por amostragem.” O restante dos bens apreendidos poderia ser destruído, o que ajudaria a esvaziar parte dos depósitos da Receita e da Polícia Federal. O tema pirataria será incluído no currículo das escolas de formação de policiais e delegados, e o conselho também trabalhará com os camelôs, buscando a substituição da venda de produtos falsificados por mercadorias legais, produzidas no Brasil.