Pirataria S/A

Por ETCO

Por Nelson Vasconcelos, O Globo – 02/09/2004


Mercosul


Se já é difícil discutir soluções para a pirataria somente no Brasil (como se isso fosse pouco), imagine a discussão no âmbito do Mercosul, com representantes dos quatro países do bloco. Diplomacias e salamaleques à parte, o que resta é basicamente a incômoda certeza de que ainda há muito a ser feito, não só contra a pirataria, mas principalmente pela própria saúde do Mercosul.


Terça-feira, a Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul ? Seção Argentina organizou em Buenos Aires a Primeira Jornada sobre o Problema do Contrabando e a Política Tributária do Mercosul. Especialistas de vários setores dos países apresentaram suas análises, e alguns fizeram sugestões. O clima, como de praxe, foi cordial, mas chamou a atenção uma frase de Javier de Haedo, ex-subsecretário do Ministério da Economia do Uruguai:


? O alto volume do contrabando dentro do Mercosul é a prova mais evidente de que não há integração no Mercosul ? disse, ou melhor, escancarou o que a diplomacia tende a amainar. Palavras…


Todos concordaram que a questão tributária é o maior obstáculo para o bloco. Maior obstáculo justamente porque a alta carga é um tremendo incentivo às ?vias alternativas? de produção de bens. E não por maldade intrínseca do povo, mas por simples questão de sobrevivência em um mercado globalizado que cada vez exige maior capacidade produtiva dos países menos desenvolvidos, como lembrou o argentino Alberto Abad, administrador federal de arrecadação.


Considere-se também que cada país cometeu erros históricos, criando impostos absurdos para tapar buracos críticos, soluções emergenciais que se cristalizam, e eis a tremenda dependência por parte dos governos. E a tolerância por parte do cidadão, especialmente o desempregado e o de baixa renda. Prato feito para a ação pirata, em qualquer lugar do mundo, e especialmente onde a cidadania não é tida em alta conta. Tudo contribui para que a pirataria seja socialmente aceitável. Daí, é ladeira abaixo.


No consenso, ficou claro que as economias da região não poderão brigar conjuntamente contra a pirataria porque lhes falta o que foi reiteradamente chamado de ?harmonização dos tributos? entre os países. Essa assimetria é o primeiro e ? certamente – o mais complexo problema a ser resolvido.


Cortar tributos, pois, nem pensar. Unificar tarifas alfandegárias, difícil, quase impossível. Como evitar, por exemplo, que subsídios do governo brasileiro ao setor sucro-alcooleiro não prejudiquem 150 mil famílias paraguais que vivem da exploração da cana-de-açúcar? Um executivo comentou:


? Você sabe o que o governo brasileiro responde quando o Paraguai reclama do contrabando de açúcar brasileiro para o território paraguaio? Eles dizem que é problema de má fiscalização da fronteira…


Não deixa de ser curioso, porque o governo brasileiro vive reclamando do Paraguai, mas nunca assume que contrabando é também vacilo no controle das fronteiras.


Nessa briga sem fim, como é possível, então, pensar em um plano conjunto de combate à pirataria dentro dos quatro países? Ações isoladas não vão dar jeito em nada ? nem em relação à pirataria, nem em relação a qualquer assunto relacionado ao Mercosul. Ou os governos locais tomam um providência conjunta, enérgica e imediata, ou todos vão sair perdendo.


Não poderia ser diferente: em se tratando de pirataria no Mercosul, o Paraguai mereceu a atenção dos participantes da jornada em Buenos Aires. No meu canto, esperava que o tempo esquentasse, mas diplomacia sempre fala alto em encontros desse tipo, e assim os representantes paraguaios não tiveram que se explicar. Pelo contrário, garantiram que seu país está firmemente decidido a resolver o problema. Mas vamos deixar o Paraguai para a coluna da semana que vem.