Reflexões sobre a natureza regulatória do IOF

Por ETCO

Autor: Everardo Maciel*

Fonte: ADVFN – Agência Interativa, 17/01/2008

17 de Janeiro de 2008 – Temas tributários são usualmente polêmicos, em razão da própria natureza da matéria e da histórica indisposição dos cidadãos contra os impostos, como bem explorou o notável tributarista alemão Klaus Tipke, em sua consagrada obra “Moral tributária do Estado e dos Contribuintes” (“Besteuerungsmoral und Steuermoral”).

No Brasil, essa polêmica segue freqüentemente um curso judicial em virtude da excessiva constitucionalização da matéria tributária. Nenhum país do mundo tem nada sequer parecido em suas constituições.

É inimaginável, em qualquer outro país, que questões técnicas como não-cumulatividade, seletividade e substituição tributária sejam inscritas no texto constitucional. Poderia, por exemplo, o ICMS, tido na Constituição como imposto não-cumulativo, admitir a iliquidez dos volumes milionários de créditos acumulados, decorrentes das atividades de exportação?

A conseqüência inevitável é que, por força do controle difuso de constitucionalidade, as polêmicas se arrastam por prazos intermináveis até que o Supremo Tribunal Federal (STF) elucide definitivamente a questão. Enquanto isso, a insegurança jurídica produz distorções na concorrência, leva o Estado a conceber soluções tributárias nem sempre tecnicamente adequadas e, sobretudo, produz montanhas de créditos em favor do Fisco ou do contribuinte, cuja liquidação produz danos consideráveis a uma das partes.

Nesse contexto, como bem lembra o professor Hamilton Dias de Souza, até hoje não se tem como definitivamente esclarecido o fato gerador do ICMS, nosso mais importante imposto, em termos arrecadatórios.

Faço essas observações a propósito da polêmica que se pretende instalar quanto à natureza regulatória ou não do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), inclusive em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que recentemente ingressaram no STF.

Há muito considero obsoletas clássicas taxonomias tributárias, como as que repartem os tributos em diretos e indiretos ou as que os classificam em regulatórios e arrecadatórios.

Ressalvadas determinadas situações, é difícil classificar um tributo como direto ou indireto. É evidente o que o Imposto de Renda (IR) das pessoas físicas é um tributo direto e que o ICMS é um imposto indireto. Já no caso da tributação cumulativa do PIS e da Cofins não há clareza.

A grande maioria dos estudiosos classifica o PIS e a Cofins como tributos indiretos e a partir dessa constatação fazem ilações dramáticas quanto à natureza do sistema tributário brasileiro e sua justiça distributiva. À parte considerar que se trata de mera reprodução intelectual de manuais acadêmicos adotados em universidades dos Estados Unidos, onde por tradição e conveniência a tributação da renda prevalece fortemente sobre a tributação do consumo, ao contrário do que ocorre na Europa, é flagrante que a base de cálculo do PIS e da Cofins, na hipótese cumulativa, é exatamente a mesma do IR das pessoas jurídicas, quando tributadas no regime do lucro presumido. Seria razoável entender que o IR das pessoas jurídicas, optantes pelo lucro presumido ou pelo Simples, deveria ser computado como tributo indireto? Claro que não! Ninguém jamais foi tão heterodoxo a ponto de proclamar tamanha heresia.

A despeito disso, muitos consideram o PIS e a Cofins tributos indiretos, inclusive quando tributados de forma cumulativa. São patentes a incoerência e o simplismo.

Seria o IOF um imposto meramente regulatório? Ao compulsar o Código Tributário Nacional, em seu art. 67, tendo por matriz o § 4º do art. 21 da Emenda Constitucional n 1, de 1969, podemos ser tentados a admitir que sim. Esse artigo diz que a receita líquida do imposto seria destinada à formação de reservas monetárias, na forma da lei.


Sucede que desde setembro de 1988, com a edição do Decreto-lei n 2.471, o IOF passou a ser administrado pela então Secretaria da Receita Federal (SRF), em lugar do Banco Central (BC), e o produto de sua arrecadação passou a integrar as receitas públicas federais.

Trata-se de fato marcante que emancipou esse imposto do domínio exclusivo da extrafiscalidade. Desde então o IOF é considerado, nas projeções orçamentárias, como fonte de financiamento da despesa pública, inclusive para fins de vinculação com gastos relativos à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, por força do art. 212 da Constituição.

Poderia não ser tido como arrecadatório um tributo responsável, em 2006, por cerca de R$ 6,7 bilhões – superior portanto à soma da arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre fumo e bebidas e bem superior à do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR)? Sua natureza arrecadatória, entretanto, não elide a regulatória, tal como ocorre com o Imposto de Importação (II), cuja arrecadação, em 2006, totalizou R$ 10,2 bilhões.

A verdade é que já não mais existem tributos estritamente regulatórios. Até mesmo o imposto de exportação, tido como notório tributo regulatório, na Argentina, é um importante item da arrecadação. Nos últimos anos, o IOF, quando necessário, foi utilizado como instrumento de arrecadação, inclusive para suprir temporariamente a ausência da CPMF, em 1999. São os fatos.

Roberto Campos, com seu extraordinário senso de humor; certa vez me disse: “Mais grave que profanar as coisas sagradas, é sacralizar as coisas profanas”.

kicker: O IOF, quando necessário, tem sido utilizado como fonte de arrecadação

Fonte: Gazeta Mercantil (Caderno A – Pág. 3)


EVERARDO MACIEL* – Consultor tribuário e ex-secretário da Receita Federal. Próximo artigo do autor em 7 de fevereiro)