Refrigerantes entram no alvo da Receita

Por ETCO

Fonte: Valor Econômico, 19/01/2006

Daniela DAmbrosio de São Paulo


Depois da indústria cervejeira, agora é a vez das fabricantes de água e refrigerantes entrarem na mira do fisco. Este será o ano da instalação dos medidores de vazão nesses dois segmentos. Desta vez, porém, o trabalho da Receita Federal promete ser bastante mais árduo. Extremamente pulverizado, esse mercado conta com 835 fabricantes de refrigerantes e 505 de água que vendem cerca de 3,5 mil marcas – a maioria delas regionais. Por conta disso, estima-se que a sonegação no segmento chegue a 30% do volume, o dobro das cervejarias.


Na indústria de cerveja, desde o início da implantação dos medidores até a homologação de todas as fábricas, a Receita Federal e outras entidades que participam do processo – como Inmetro e universidades federais – levaram pouco mais de um ano. Colocado nas enchedoras, o aparelho mede a quantidade e o tipo de líquido que passa pelas máquinas e transmite, durante 24 horas por dia, as informações para os computadores do Fisco. Ao todo, foram instalados medidores em 171 linhas de produção em 51 cervejarias.


No caso dos refrigerantes, para que a medida tenha o efeito desejado, será preciso atingir um universo muito maior de fabricantes. O processo ainda está na fase inicial. As empresas têm até o próximo dia 31 para apresentar à Receita Federal informações sobre as linhas de envazamento, capacidade instalada anual, tipo de produto fabricado e quantidade de enchedoras.


Só a partir desse raio-x é que a Receita determinará a linha de corte, ou seja, qual o volume de produção mínimo para que as empresas de refrigerantes sejam obrigadas a instalar os medidores. Na indústria da cerveja, o limite estabelecido foi de 5 milhões de litros por ano – o que exclui apenas as microcervejarias. “Nosso objetivo é cobrir a maior parte do risco tributário e certamente será menor do que 5 milhões”, afirma Flávio Araújo, coordenador-geral substituto de fiscalização da Receita. O cronograma de instalação também será estabelecido a partir da coleta desses dados.


Dados do Etco, Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, indicam que a sonegação na indústria de refrigerantes gira entre 25% e 30%, o equivalente a R$ 620 milhões ao ano. Nas cervejarias, antes dos medidores falava-se em uma sonegação da ordem de 15% ou R$ 720 milhões anuais. Segundo a entidade, considerando-se os impostos, custos de matéria-prima e produção, é impossível vender uma garrafa de dois litros por menos de R$ 1,20 ao consumidor. Mas os refrigerantes regionais são vendidos em média por R$ 0,90 e em promoção chegam a R$ 0,59, informa o Etco.


O efeito “Big Brother”, como a própria indústria diz, foi benéfico para a indústria de cervejas. Segundo a Receita Federal, entre os fabricantes de cerveja a arrecadação já subiu 15% (ver texto ao lado) após a instalação dos medidores.


Para Ricardo Gonçalves Pinto, gerente de tributos da AmBev, o efeito psicológico já foi positivo. “Antes mesmo da colocação dos aparelhos, as empresas começaram a entrar na formalidade para evitar o efeito do dia seguinte.”


O custo dos medidores, no entanto, pode ser um entrave importante para o controle da indústria de refrigerantes. O preço médio do aparelho oscila entre R$ 80 mil e R$ 100 mil e cada linha de envase precisa de um. Até na indústria cervejeira – composta por companhias maiores – o sindicato do setor (Sindicerv) arcou com o custo de instalação em duas empresas: Krill e Malta.


“Estamos conversando com a própria Receita e com os estados para que haja algum crédito para os fabricantes, em função do aumento da arrecadação”, diz Hoche Pulcheiro, presidente da Abir, (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas). Segundo Pulcheiro, a entidade não trabalha com a hipótese de financiar medidores.


A chegada da embalagem PET na década de 90 foi um marco para o mercado de refrigerantes. Com baixo custo de produção, a resina PET democratizou o setor e estimulou a abertura de várias empresas – que inundaram os pontos-de-venda com as chamadas tubaínas. Boa parte delas, de acordo com a Abir, não paga integralmente os impostos. “Os medidores ajudarão a equilibrar o setor”, diz Pulcheiro.


Com uma política de preços ancorada na sonegação de impostos e sem construção de marca, muitas empresas pequenas estão com dificuldade de se manter, explica o presidente da Abir. “Este ano já foi muito difícil, pois, com a melhora da renda, os consumidores migram para marcas conhecidas.” Segundo dados AC Nielsen, em 2003, os fabricantes de menor porte representavam 31,2% do mercado. Em 2005, até novembro, sua fatia já havia sido reduzida para 27,1%.


O aumento da carga tributária contribui para esse cenário. No Brasil, em cada garrafa PET de 2 litros, 35% do preço são impostos. Na França, a tributação é de 5,5%, nos Estados Unidos, 8,5% e na Argentina, 21%.