Vacilos da lei

Por ETCO


Por Nelson Vasconcelos, O Globo (Pirataria S/A) – 07/10/2004


Uma ação civil pública ajuizada pela Procuradoria da República-RJ em 2002, ainda em tramitação, merece a atenção de quem está preocupado com pirataria. Entre outros pontos, a ação questiona a utilidade do sistema, adotado nas nossas aduanas, que permite que cerca de 80% das importações entrem no país com liberação automática. Prato cheio para fraudes diversas.


É o chamado sistema parametrizado automático de direcionamento de canais. É um nome complicadinho, belo tecnocratês , mas que tem feito a alegria de importadores pilantras desde 1998, quando a Secretaria da Receita Federal instituiu novas normas de fiscalização alfandegária.


No caso em questão, o que acontece, resumidamente, é que as importações são direcionadas para quatro canais, a partir da entrega da Declaração de Importação pelo importador. O mais ?simpático? desses canais é o verde, que não exige sequer exame da documentação dos importadores e sua carga. Os outros três canais do sistema (amarelo, vermelho e cinza) são mais rigorosos, à sua maneira, e ainda assim sujeitos a trapaças.


O problema maior, diz o procurador José Augusto Vagos, é que 80% das importações vão diretamente para o canal verde. Para o importador mal-intencionado é uma tentação, já que sua carga com algum tipo de irregularidade tem 80% de chances de cair no canal verde. Como é comum acontecer, o lucro futuro vale o risco de ser eventualmente descoberto, eventualmente processado e outras eventualidades .


? O grande ponto desta questão é atacar o atacado. Esse tipo de fiscalização significou que um grande volume de produtos importados passou a não mais ser verificado de fato ? diz Vagos. ? É claro que o Siscomex é necessário porque agilizou o processo de importações, contribuiu para diminuir o Custo Brasil ao reduzir o tempo de permanência nos portos etc. Mas, além de ser ágil, o sistema tem que ser eficiente. Fiscalizar com eficiência é um ditame constitucional. Esse é o ponto da ação civil pública ajuizada pela Procuradoria.


Vagos diz que, em consultas a auditores fiscais, ficou claro que, mesmo quando há suspeitas sobre determinadas cargas, nada se pode fazer. Quem tentar fiscalizar algo que tenha seguido pelo canal verde corre o risco de ser processado por abuso de autoridade. Sorte para o importador de produtos piratas e afins. Até porque, numa improvável revisão aduaneira, é muito difícil que os produtos importados sejam localizados depois de terem entrado no país. Pior: a documentação referente a eles também já terá desaparecido…



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E olha que interessante: sabe-se que existem importadores que subavaliam sua carga. Declaram ter desembolsado US$ 100 mil por algo que na verdade custou US$ 1 milhão.


Pois bem: esse artifício influencia diretamente o resultado da balança comercial. Em tempos de superávits bonitos, será que interessa mesmo às autoridades apertar a fiscalização e, num repente, descobrirmos que estamos importando mais do que o conveniente para o resultado da balança? Uma maquiada básica não dói.



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Como se sabe, o que não falta no país são as chamadas brechas na legislação . Outra instrução normativa da Receita, também de 1998, diz que o desembaraço das importações é automático ?em casos anômalos?. Mas não foi definido o que significam esses ?casos anômalos?… Segundo auditores, essa instrução já foi usada por vários importadores para desembaraçar suas cargas automaticamente.


DEBATE: Será na próxima quarta-feira, dia 13 de outubro, às 9h30m, o seminário ?Pirataria e responsabilidade social?. Local: Auditório da Fecomércio, Rua Marquês de Abrantes 99, Flamengo. Inscrições: (21) 3138-1418. Vagas limitadas.