“Um estudo como este é um bem público”
Breno Vasconcelos, professor da FGV Direito SP, elogiou a iniciativa do ETCO de estudar soluções para o contencioso tributário
Breno Vasconcelos, professor da FGV Direito SP, no evento de lançamento da pesquisa (foto: Mário Bock)
As contribuições do professor de direito tributário Breno Vasconcelos, da FGV Direito SP, no debate realizado após a apresentação do estudo Desafios do Contencioso Tributário Brasileiro trouxeram ainda mais luz ao tema. Ele é um dos autores de outra pesquisa importante sobre o assunto, que levantou dados federais, estaduais e municipais e comparou o contencioso brasileiro com o de países da OCDE e da América Latina.
“A apresentação de um estudo como este é um bem público”, elogiou. “Estamos falando de um serviço que o ETCO, a EY e as associadas do ETCO estão prestando à sociedade”. Breno contou que sua pesquisa “bate quase nos centavos com o que a EY alcançou em relação ao contencioso federal”, de um valor equivalente a pouco mais da metade do PIB brasileiro. “Mas a situação é ainda pior”, afirmou. De acordo com ele, somando também o contencioso dos estados e de poucos municípios cujos dados estão disponíveis, chega-se hoje a uma cifra correspondente a 73% do PIB.
A situação brasileira, segundo Breno, destoa completamente do que se observa em outros lugares. “A gente costuma ouvir muito de representantes da administração tributária que o contribuinte brasileiro é ruim. Mas quando pergunto para empresas que atuam aqui e lá fora sobre o contencioso em outros países, a diferença fica clara”, contou Breno. “Eles dizem: ´na Espanha, tenho um caso, enquanto no Brasil são 3 mil processos tributários´ Os dados são realmente impactantes.”
O estudo do qual ele participou fez uma comparação do contencioso tributário federal em discussão na esfera administrativa no Brasil com o de outros 14 países analisados pela OCDE em pesquisa com dados de 2013. Aqui, essa parcela do contencioso representava 13,9% do PIB naquele ano (e pioraria ainda mais depois, atingindo 16,4% em 2018). Em nove nações da OCDE analisados, a mediana para o mesmo dado encontrava-se em 0,28%. Em cinco países da América Latina, em 0,19%.
Como resolver o problema? Segundo Breno, a solução depende de várias iniciativas. Um passo fundamental, em sua opinião, é “a administração tributária saber diferenciar quem é o contribuinte bom e quem é o contribuinte mau”. E a partir dessa distinção criar medidas de solução de conflitos voltadas especificamente aos bons contribuintes, como tax ruling avançado, fast tracks e canal de atendimento de fácil acesso presencial ou por telefone. Também é preciso reduzir a complexidade e o excesso de mudanças no sistema tributário, que ganhou 390 mil novas normas nas últimas três décadas.
O tributarista apresentou também uma sugestão que, avisou, carrega certa dose de provocação. Demonstrando que as duas instâncias de julgamento do processo administrativo têm tomado decisões muito distintas – a primeira, representada pelas Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJs), favorecendo largamente o fisco, e a segunda, o Conselho Administrativo de Recurso Fiscais (CARF), dando mais razão aos contribuintes –, perguntou se não seria melhor acabar com os julgamentos nas DRJs e empregar o seu corpo técnico em ações para prevenir o contencioso. Por exemplo, elaborando soluções de consultas, negociando acordos ou mediando conflitos entre os fiscais e os contribuintes.
Nas palavras dele:
“Da DRJ para o CARF, sobem aproximadamente 6% de recursos de ofício. É um dado que [mostra que] a DRJ está cancelando somente 6% dos autos de infração submetidos a ela num valor superior a R$ 2,5 milhões, por isso recurso de ofício ao CARF. Ou seja, o controle de legalidade da DRJ é de 6% do total de estoque. Qual é o controle do CARF? Dados oficiais: 52,4% dos casos do CARF são julgados favoravelmente aos contribuintes. Olhando para esse dado a gente começa a perceber que tem alguma coisa errada. Será que a DRJ está cumprindo o seu papel de controle de legalidade? A gente entendeu que não.”
“A nossa provocação é a seguinte. Não estou falando das pessoas, mas da entidade: qual a relevância de uma DRJ hoje para fins de controle de legalidade de crédito tributário? É pequena: 6%. Então, o que fazer com DRJ? São grupos de auditores, um colegiado com pessoas muito preparadas e que não estão fazendo algo da forma correta. E aí tem dois dados: a DRJ julga de acordo com um referencial normativo infralegal, ela é obrigada a seguir o entendimento do secretário da Receita Federal. O sistema normativo de julgamento da DRJ é mais restrito que o sistema normativo do CARF, que é o sistema legal, são tratados etc.”
“Na verdade, isso é uma provocação: a impressão que nós temos é que já temos hoje no Brasil somente uma instância administrativa, que é o CARF. A DRJ é uma outra instância administrativa mais restrita, então na verdade a instância administrativa ampla legal é uma só, o CARF. Ou seja: a DRJ já é redundante.”
“[Então], traz a DRJ para o pré-contencioso. Traz essa massa de excelentes profissionais para responder soluções de consulta. Traga as DRJs para servir como o colegiado que vai fazer a análise do pré-auto. Alguns países, quando nós vamos estudar direito comparado – Dinamarca, Noruega, Reino Unido –, têm pré-auto, é uma minuta de auto de infração em que o fiscal submete isso a um colegiado e ali se pode fazer uma espécie de acordo, de mediação, de transação, diante desse colegiado”.