Ambev: A hora do enforcement e da informatização dos controles

Por ETCO
17/01/2011

Um dos fundadores do ETCO, Victório de Marchi , co-presidente da Ambev, aponta avanços na luta contra a concorrência desleal. A conscientização já é grande, mas é preciso punir com rigor os sonegadores e avançar nos sistemas de fiscalização.

O senhor participou ativamente do processo que deu origem ao ETCO. Como a idéia se consolidou?

Victório: Havia um grupo de setores penalizados pela alta carga tributária que vinha sofrendo concorrência desleal de fabricantes que sonegavam os impostos. Com as vantagens de preço geradas pela sonegação, essas empresas vinham ganhando sensíveis parcelas de mercado. Se não houvesse uma reação, em longo prazo as participações de market share das empresas que cumpriam suas obrigações fiscais desabariam. O problema atingia diversos segmentos – especialmente cervejas, refrigerantes, cigarros e combustíveis – de maneiras também distintas. Além da sonegação, havia o aspecto da baixa qualidade de alguns produtos, como os combustíveis, sujeitos à adulteração. Ou dos processos de fabricação fora das normas legais, como acontecia com os cigarros, produto contrabandeado de vários países da América do Sul, principalmente do Paraguai. Numa das primeiras reuniões com representantes dos diversos setores para discutir o problema, ainda no ano de 2001, registramos o crescimento do contrabando de cigarros de 7% para 35% no período de sete anos.

Aí nasceu a idéia do Instituto?

Victório: Nosso objetivo inicial era mostrar para as autoridades e a sociedade, por meio de dados e estudos, os prejuízos da concorrência desleal. Nas reuniões, eu levava todos os dados do setor de cervejas que tinha. O pessoal da Souza Cruz levava os estudos sobre cigarros. O representante da ABIR (Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes) também participava, levando suas preocupações. Fui convidando outras pessoas de empresas como a Kaiser, a Coca-Cola. Assim, informalmente fomos formando um grupo que iria se transformar no instituto de ética concorrencial. A rigor, o ETCO surgiu pela união entre Pepsi Cola, Coca Cola, Ambev, Kaiser e Sindicon. Imediatamente nós contatamos um advogado para estabelecer uma estrutura jurídica adequada. A sugestão foi constituir uma OSIP – Organização Social de Interesse Público formal, como temos até hoje. Começamos a desenvolver trabalhos demonstrativos do que está ocorrendo no setor, elegendo 5 estados que representavam 80% do movimento das empresas – São Paulo, Rio, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul. Estabelecemos contato com a delegacia da Receita Federal e passamos atuar nesses estados. E decidimos contratar um presidente executivo.

Desde então já se passaram 3 anos. Como o senhor avalia a atuação do ETCO e o panorama da questão da informalidade?

Victório: Tivemos evolução acima das nossas expectativas, elevando a conscientização das autoridades e da sociedade sobre o problema. A entidade conquistou credibilidade a ponto de ser reconhecida pela Receita Federal e demais autoridades tributárias de todos os estados, além de organismos como o próprio Banco Mundial. Trouxemos pessoas que agregaram valor ao ETCO, contratamos instituições e consultorias respeitadas para estudos da informalidade, como a Fundação Getúlio Vargas e a McKinsey, e tornamos o Instituto uma referência sobre o assunto para a mídia pela consistência de nossas informações.

Para o setor de cervejas a principal conquista foi o medidor de vazão?

Victório: Mesmo antes do ETCO, já defendíamos a implementação dos medidores de vazão para um controle mais simples e eficiente da produção, como verificávamos em muitos outros países. Num mundo totalmente informatizado como o atual, é quase impossível controlar um setor que emite 75 milhões de notas fiscais por ano, como é o caso de cervejas e refrigerantes, sem um instrumento adequado. Na Alemanha, grande produtor e consumidor de cerveja, existe um medidor de vazão que nada mais é que um hidrômetro. Pode cruzar as informações de forma muito simples. Por exemplo, a cada 100 litros de cerveja, são consumidos 10 quilos de malte pronto. No refrigerante é a mesma coisa, 80% é açúcar. O cruzamento permite saber quanto se comprou de cada componente, quanto se produziu, quanto foi vendido, quantas tampinhas e quantos rótulos foram utilizados. Quando trouxemos a idéia dos medidores de vazão não havia muita consciência dos benefícios, mas logo a Receita Federal “comprou” a idéia. Nossos aparelhos, ao invés de um hidrômetro, são de altíssima sofisticação, totalmente informatizado, “on line”. Mede e identifica qualquer tipo de líquido que passa por ele, seja uma tônica, guaraná, coca-cola ou uma soda, porque hoje existem equipamentos que permitem isso. A Módulo, a empresa que desenvolveu o sistema de imposto de renda para a Receita Federal, o Cempra, que é o Centro de Pesquisas do Ministério de Ciência e Tecnologia, e o Inmetro participaram do estudo e da certificação do aparelho, que deve ser implementado também nas indústrias de água mineral, de sucos e isotônicos, além de cerveja, desde o ano passado, e refrigerantes, recentemente implementado. O setor de cervejas cresceu 6% no ano passado e a arrecadação aumentou 16%.

É possível implementá-lo no setor de combustíveis?

Victorio: Eu não vejo nenhuma dificuldade. Existe dúvida sobre a possibilidade de fraude. Mas o equipamento é uma máquina enorme, do tamanho de uma sala, que tem um conjunto de equipamentos embaixo, todos eles travados. Quando é aberta uma das portinhas da engrenagem, a Receita Federal fica sabendo. Além disso, não dá pra ser roubado. Ninguém carrega um equipamento destes nas costas.

Para o senhor, a informalidade é um problema de fiscalização ou de conscientização?

Victório: Das duas coisas. É preciso consciência de que medidas de controle são altamente eficientes pela pressão psicológica. Quando o risco é maior, a irregularidade é menor. Eu vejo, por exemplo, nas empresas. Quando existe auditoria no caixa, todos os envolvidos procedem com maior atenção só por saber que um auditor pode chegar para verificar a situação. É preciso mostrar que a impunidade esta baixando. Temos ainda muito trabalho no sentido do enforcement da lei. Minha proposta, no caso dos medidores de vazão, era o governo estabelecer um crédito de IPI para cada empresa que o instalasse. Dessa forma, o medidor seria do governo e, se alguém fraudasse estaria cometendo um crime contra o estado. Isso dá cadeia. Se alguém faz um “gato” no hidrômetro da sua casa, pode ser preso. No caso dos medidores, nossa sugestão era que os empresários fossem a figura do “fiel depositário” do equipamento. Isso acontece muito na agricultura. O produtor dá como garantia ao banco certa quantidade de sacos de arroz por um financiamento. Se quando vencer a dívida, não houver o arroz garantido, o agricultor passa a ser um depositário infiel e vai para a cadeia. Alias, só existem duas coisas que acabam em cadeia no país: deixar de pagar pensão e descumprir o papel de fiel depositário. Queríamos, assim, punir o fabricante que adulterasse o produto ou que não pagasse o imposto devido. Mas o governo não concordou com a idéia.

O detalhe original era que os próprios empresários estavam junto com o governo para defender o pagamento de imposto?

Victório: Perfeitamente. Na primeira reunião que tivemos com o Secretário da Receita Federal ele usou as mesmas palavras. Disse que nos recebia com alta satisfação porque era a primeira vez que recebia um grupo de empresários que queria pagar imposto. E era a pura verdade. Se a situação continuasse, em 10 anos perderíamos market share. No caso de uma empresa como a nossa, de capital aberto com ações registradas em Nova Iorque, as perdas aos acionistas levariam todos nós para a cadeia, no primeiro momento.

Qual é, na sua opinião, o principal trabalho do ETCO daqui pra frente?

Victório: Temos muito chão pela frente. Os medidores de vazão estão tendo uma eficácia enorme em nível federal, mas temos que ter o mesmo desempenho em 27 estados. Ou seja, multiplicar o trabalho, eleger prioridades e tomar decisões. Além disso, precisamos estimular uma nova legislação sobre o enforcement. E também promover a informatização de outros controles, como o sistema de notas fiscais eletrônicas. Precisamos de controle inteligente. Temos, no caso da cerveja e refrigerantes, um milhão de pontos de venda no Brasil. Quem pode controlar isso? Um exército? Não, só a informática, só com imposto de renda na fonte.