“Crise ética e política pode empurrar recuperação da economia para 2018”

Em palestra para conselheiros do ETCO, economista Samuel Pessôa fala sobre a conjuntura interna e as influências de China, Europa e Estados Unidos para o Brasil

Samuel-Pessoa

O economista Samuel Pessôa, chefe do Centro de Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV), foi um dos palestrantes da reunião do Conselho Consultivo do ETCO-Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, no dia 27 de novembro, no Rio. Ele falou sobre a conjuntura interna, a economia global e as perspectivas para o Brasil nos próximos anos.

Pessôa é professor da pós-graduação em economia da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro (EPGE/FGV) e colunista do jornal Folha de S.Paulo. Após o encontro, ele conversou com o ETCO em Ação. Confira os principais trechos da entrevista.

ETCO – Qual a origem do cenário econômico desafiador enfrentado pelo País atualmente?

Samuel Pessôa – A crise atual tem uma origem antiga. O processo de alta contínua nos gastos da União, desde a década de 90, não corresponde com a realidade do País e já deveria ter sido revisto. Há muitos anos o aumento dos gastos públicos supera o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e isso sempre foi financiado pela alta exorbitante das receitas do País. Até 2008, esse modelo de aumento de gastos públicos se sustentou e o País tinha superávit de 3,5%. Porém, em meados de 2010 o crescimento da receita começou a diminuir, mas os gastos continuaram crescendo de maneira exponencial. Em 2014, já tivemos déficit de 0,6% e neste ano o índice deve subir para 1%. Devido ao problema estrutural do País, que gasta mais do que arrecada, houve uma debandada de investimento. Desde o primeiro trimestre de 2014 os investimentos no Brasil começaram a recuar e a tendência é que, ao menos até o terceiro trimestre do ano que vem, isso continue acontecendo. Daí o cenário desafiador que estamos vivendo.

ETCO – Os problemas políticos observados no País ajudaram a piorar o cenário econômico?

Samuel Pessôa – O gasto público cresce exageradamente e o crescimento econômico é baixo. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sinalizou os ajustes necessários para mudar o cenário econômico, porém ficou claro que ele não conseguirá colocar as medidas em prática por problemas políticos. Isso gerou uma quebra de confiança dos investidores e a nota do Brasil foi rebaixada. Uma das grandes agências de risco mundias já não indica o Brasil como um lugar seguro para investir e espera-se que as outras façam o mesmo em breve. Então, sim, os problemas políticos e os imbróglios partidários fazem com que as medidas necessárias não sejam tomadas e a situação permaneça estática. O Banco Central não consegue baixar os juros, a inflação sobe e os investidores perdem a confiança. Estamos em um pântano.

ETCO – O que pode ser feito para que a economia sinalize uma recuperação?

Samuel Pessôa – A receita não é simples e nem vai agradar a todos. Mas estamos falando da necessidade de novas fontes de arrecadação, ou seja, mais impostos. Além disso, precisamos de reformas estruturais, como na Previdência Social, para que os gastos fixos sejam reduzidos.

ETCO – Essas mudanças devem acontecer no curto prazo? Quando o cenário deve estar mais favorável?

Samuel Pessôa – Esbarramos mais uma vez na questão política. Os problemas não são umbilicais da presidente Dilma Rousseff, contudo estão personificados e a base do governo dela não tem força para aprovar as medidas necessárias. A crise ética e política está atrapalhando e isso atrasa a recuperação. Talvez as mudanças efetivas só aconteçam em um novo governo, seja em 2018, como novas eleições, seja antes, se houver um desgaste maior e a presidente não chegar até o fim do mandato. É importante ressaltar que não se trata apenas do presidente e sim da reforma na base parlamentar para que as mudanças sejam implementadas. Enquanto isso, vamos amargar mais desemprego, inflação maior e um déficit nas contas primárias cada vez mais alto.

ETCO – Como a situação econômica dos Estados Unidos pode afetar o mercado brasileiro?

Samuel Pessôa – Os Estados Unidos estão terminando o ciclo de sua pior fase econômica. O crescimento do PIB, de 2,2%, mostra que o país está aproveitando seu potencial e índices como a recorrente queda do desemprego comprovam que o pior para eles já passou. A inflação deles está baixa e a taxa de juros do Federal Reserve (banco central americano) está perto de zero. A estabilidade deles é positiva para o Brasil, uma vez que eles são grandes importadores e ajudam a amenizar as perdas da indústria local, especialmente com a valorização da moeda americana ante o real. Contudo, há um sinal para estarmos alertas, que é o possível aumento da taxa de juros deles a partir de 2016. Esse processo pode retirar investimento do Brasil e isso pode pressionar nosso câmbio e inflação.

ETCO – Como a situação da economia europeia pode afetar os negócios no Brasil?

Samuel Pessôa – A Europa tem uma participação mais neutra na nossa economia se comparada com os Estados Unidos. Depois de 2009, a periferia europeia, que inclui Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia,  não conseguiu se livrar dos problemas fiscais e acabou impedindo um potencial melhor da região. Ainda assim, a Europa cresce em média 1,5% ao ano e tudo leva a crer que conseguirá se estabilizar. Ainda que bastante incipiente, já é possível apurar uma pequena queda do desemprego na região. Para o Brasil, o restabelecimento da região é positivo, pois afasta uma possibilidade de ruptura comercial repentina.

ETCO – E como a desaceleração da China afeta nosso cenário econômico?

Samuel Pessôa – Tenho uma visão otimista sobre a China, apesar de o crescimento ter desacelerado. Não acho que os números são catastróficos, pelo contrário, estamos falando de um crescimento médio de 5,5% ou 6% por ano, enquanto a população aumenta 0,5% por ano. Ou seja, o crescimento de renda per capita ainda ultrapassa 5% ao ano e supera bastante os Estados Unidos, onde esse índice é de cerca de 1%. Ainda há demanda chinesa por nossas commodities e isso será garantido por muito tempo.

 

 

 

Índice de Economia Subterrânea reduz drasticamente ritmo de queda em 2014

Índice de Economia Subterrânea 2014Divulgada em 12 de novembro, a participação da economia subterrânea no PIB, medida pelo Índice de Economia Subterrânea (IES), do ETCO em conjunto com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE), deve atingir 16,2% em 2014. O resultado representa queda de 0,1 ponto percentual na comparação com 2013 e indica tendência de maior lentidão na redução da informalidade.

Em valores absolutos, a estimativa é de que a economia subterrânea – a produção de bens e serviços não reportada ao governo, que fica à margem do PIB nacional – supere a marca de R$ 830 bilhões em 2014.

Na avaliação do pesquisador da FGV/IBRE, Fernando de Holanda Barbosa Filho, o resultado foi diretamente impactado pelo baixo crescimento da economia no ano. “A economia está desacelerando, assim como o crédito, e o emprego cresceu pouco. Isso tem impacto direto no trabalho formal, que naturalmente cai, cedendo espaço à informalidade”, explica. Segundo ele, nem mesmo a política de desonerações aplicada em 2013, e que agora se torna definitiva, foi suficiente para fazer frente ao baixo desempenho econômico e manter o ritmo de queda da economia subterrânea. “Entretanto, não fossem as desonerações, poderíamos ter um quadro ainda mais severo”, analisa o pesquisador.

Para ele, mesmo a implantação da MP 615/13, que estende desonerações para novas atividades, não deve modificar muito o cenário daqui para frente, “porque o alívio da carga tributária já atingiu a maior parte dos setores e seus efeitos já foram captados”.

Para o Presidente-Executivo do ETCO, Evandro Guimarães, “não há como negar a importância das desonerações para o conjunto da economia mas, pelo que podemos perceber, a sua eficácia no que diz respeito à formalização, tende a se estabilizar”. Segundo ele, essas medidas devem passar a ser analisadas sob uma ótica mais duradoura. “É o momento de levar a cabo a tão esperada simplificação tributária, de modo que a desoneração atinja de forma mais ampla os setores produtivos da economia”.

Certo é que a informalidade traz prejuízos diretos para a sociedade, cria ambiente de transgressão, estimula o comportamento econômico oportunista, com queda na qualidade do investimento e redução do potencial de crescimento da economia brasileira. Além disso, provoca a redução de recursos governamentais destinados a programas sociais e a investimentos em infraestrutura.

Crescimento exige enfrentar cultura das transgressões

Fonte: Revista ETCO, No 18, Janeiro 2011

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Foram 16 anos para colocar a economia brasileira nos trilhos da estabilidade monetária e melhorar a distribuição de renda. Agora, ao subir a rampa do Palácio do Planalto, a presidente Dilma tem um grande desafio pela frente: derrubar as taxas de juro de aplicações financeiras para iniciar um ciclo de forte crescimento sustentável. Afinal, essa é a pedra no caminho para o fortalecimento da atividade econômica e há uma grande expectativa de que finalmente o custo do dinheiro fique em patamares mais saudáveis, que propicie o aumento na demanda de recursos para investimentos de longo prazo na produção de bens e serviços.

O ETCO quer colaborar para o debate e considera extremamente relevante colocar na agenda deste novo governo o enfrentamento à cultura das transgressões para propiciar um bom ambiente de negócios, um pilar fundamental para a redução

de taxa de juros e para a atração de investimentos produtivos e não
especulativos. “O bom ambiente de negócios é fortemente ameaçado por desvios de condutas, como a sonegação, a informalidade, o contrabando, a pirataria e outros desvios que geram desequilíbrios de concorrência”, diz o Presidente do ETCO, professor André Franco Montoro Filho.

Pense num grande autor brasileiro. Dificilmente sua obra não trará em
algum momento um personagem que circula livre, leve e solto pela sociedade nas mais diferentes épocas, um boa gente, mas violador de leis. O que preocupa, no entanto, é que esse tipo pouco confiável que passeia pelas páginas de grandes obras nacionais também circula pelas ruas desse imenso país, e com tamanha naturalidade que muitas vezes custamos a crer que esteja de fato fazendo algo errado. Os desvios de conduta estão impregnados na cultura brasileira, como Carnaval e futebol, e muitas vezes entram na rotina da família sem que ao
menos elas se deem conta.

Veja, por exemplo, o boa-praça Antunes Segada Bustamante, que com sua boa conversa consegue um emprego de fiscal no governo. O personagem criado por Lima Barreto em Um fiscal de jogo, não sente vergonha e nem tampouco esconde seu comportamento pouco ortodoxo no trabalho. Ao contrário, até vangloria- -se. Conta-nos o narrador que poucos dias depois da nomeação de Bustamante, ele o encontrou e, após os cumprimentos, perguntou:

Como te tens dado com o lugar?
Magnificamente! Ceio lautamente todas as noites, vejo lindas mulheres e bebo champanhe a rodo. Tudo isso de graça. Não é bom? Bustamante não está sozinho nem na ficção nem na realidade brasileira. Mesmo aqueles que se indignam com algumas violações da lei, são condescendentes com outras que não saltam aos olhos quando
eles próprios cometem seus pecados.

A cultura das transgressões no Brasil foi, em 2008, alvo de uma minuciosa investigação pelo ETCO em parceria com o Instituto Fernando Henrique Cardoso. O instituto pediu a quatro renomados pensadores que, dentro de suas especialidades, respondessem: “Superar essa cultura é condição para o desenvolvimento?” Sim, responderam os estudiosos que estiveram reunidos no seminário “Cultura das Transgressões – Lições da História”, realizado em agosto
de 2008, na agenda de comemorações dos 200 anos da chegada da Família Real ao Brasil. Foi o ponto de partida para debates e estudos e o lançamento do livro Cultura das transgressões no Brasil – Lições da história, editado em parceria com o Instituto Fernando Henrique Cardoso, que investiga a origem das práticas que fogem ao senso das responsabilidades.

O ETCO construiu, assim, um acervo que é uma das raras fontes de
informações para o tema das transgressões, que ainda tem recebido pouca reflexão do país. O livro foi coordenado pelo ex-ministro Marcílio Marques Moreira, Presidente do Conselho Consultivo do ETCO, e pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e traz um bom apanhado das várias facetas que dão forma às transgressões, com a preocupação de tentar rastrear ao longo da história do país a origem e a evolução de práticas que fogem ao senso das responsabilidades.

Os cientistas políticos e sociais que estiveram envolvidos nesta
empreitada do ETCO para criar as condições necessárias para que apareçam terapias eficientes no combate à cultura das transgressões estão certos de que, embora os desvios de conduta tenham atravessado séculos, é possível virar esse jogo. Criar normas e leis não é problema para o brasileiro, não por acaso juristas e advogados dominaram a elite política durante todo o período de formação nacional no Império e continuam a exercer grande influência até hoje. O difícil mesmo é fazer com que elas sejam cumpridas.

O Brasil é um grande exportador de leis. Seu Código Penal de 1830, por
exemplo, foi copiado por vários países, inclusive europeus. No entanto, seu maior desafio ainda é o cuidado na aplicação das leis. Leis são criadas sem a menor cerimônia. A própria Constituição de 1988, com 250 artigos, 83 disposições transitórias foi modificada por dezenas de emendas. O Código Nacional de Trânsito de 1997 é outro bom exemplo. Com seus 341 artigos é exaustivo em definir regras e estabelecer punições, generoso em criar burocracias. No entanto, não leva em conta a aplicação da lei. Não previa a reforma e sinalização das estradas, o treinamento das polícias rodoviárias, os acordos com os estados, a agilização do julgamento dos recursos.

“Legalismo delirante”, assim foi definido pelo historiador José Murilo de
Carvalho o pesado Código. Um calhamaço de artigos que se mostraram incapaz de evitar a matança no trânsito, como demonstrou o antropólogo Roberto DaMatta. Segundo ele, o trânsito é um bom exemplo de como algumas instituições e pessoas podem empreender a travessia para o outro lado da moralidade, sem que coisa alguma lhes aconteça. Muito pelo contrário, essa passagem seria algo estabelecido, esperado e encorajado pela própria sociedade.

O cientista político Bolívar Lamounier procura elucidar a relação
existente entre transgressão e economia de mercado, mas põe em dúvida o papel da classe média como agente de revisão de valores e de apoios políticos que possam colocar um freio à escalada da transgressão. “Estou convencido de que o aumento da transgressão no Brasil é um correspondente inevitável do processo de modernização é o lado mal de uma moeda boa: o preço que se paga por uma sociedade dinâmica, moderna e democrática.”

O jurista Joaquim Falcão, que completou o quadro de estudiosos chamados pelo ETCO para radiografar a cultura das transgressões no Brasil e seu impacto no bom ambiente de negócios, chamou a atenção para os eufemismos. “Os economistas chamam de emprego informal o que, na verdade, é emprego ilegal”, diz Falcão. São dezenas de milhões de trabalhadores excluídos da legislação, do controle e dos benefícios previdenciário e trabalhista. “Que Estado democrático de Direito resiste a essa situação? Que legitimidade terão leis que ilegalizam potencialmente milhões de brasileiros cotidianamente”, questiona Falcão.

Quando o ETCO iniciou sua investigação à cultura das transgressões,
promovendo debates e estudos a partir de 2008, o Brasil estava a pleno vapor, com uma verdadeira euforia nos mercados financeiros e grandes apostas para o crescimento econômico. Mas aí veio a maior crise do século, deflagrada pelas hipotecas americanas que varreu todo o planeta. O Brasil não ficou imune aos efeitos da crise.

A brusca queda na atividade econômica foi o combustível que alimentou, por exemplo, o aumento do contrabando de notebooks no país. Ao lado do medo de desemprego e de perda de renda de empresas e indivíduos, o comportamento ético foi abalado seriamente. Nesses momentos cresce a tentação de adotar práticas ilegais, como sonegar impostos, contratar funcionários sem carteira assinada, não respeitar contratos ou consumir produtos de origem duvidosa.

O Brasil conseguiu combater a crise, mostrando que a ação anticíclica,
com desoneração fiscal tem poder de azeitar a engrenagem econômica.

Chegou ao fim da década com números macroeconômicos bastante animadores. No entanto, o conjunto de boas notícias não é suficiente para fortalecer o país. “A economia vai bem, mas o resto não”, resumiu o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, durante o lançamento do livro Cultura das transgressões – Visões do presente, uma nova edição da coletânea de reflexões dos intelectuais reunidos pelo Instituto ETCO e que há dois anos têm elaborado estudos e debates sobre o tema. O livro coloca em discussão o papel de uma Justiça lenta e que permite postergar decisões na cultura da impunidade e como semeadora da corrupção.

Este segundo livro faz parte da coleção que está sendo criada pelo ETCO como fonte bibliográfica para o estudo da cultura das transgressões no Brasil.

No primeiro livro, uma compilação de textos com as lições da história, neste segundo um mapa da situação atual e no terceiro volume o que nos espera o amanhã, seus riscos e desafios. Com esta trilogia da Cultura das Transgressões, o ETCO entrega à sociedade brasileira um compêndio dos principais estudiosos sobre a Cultura das Transgressões no mundo.

Para o embaixador Marcílio Marques Moreira, é preciso manter a vigilância constante na defesa do conteúdo ético nas ações governamentais e das empresas.

“É longo e penoso o processo de construção de uma reputação, mas pode ser curto o processo de sua desconstrução”, diz o embaixador. A ética presume escolha de valores. Não é imposta. Independe de leis. Mas é fundamental para o fortalecimento da democracia, cuja base é a confiança nas instituições.

André Montoro diz que a impunidade, fruto de uma Justiça lenta e que
permite postergar decisões, favorece a corrupção. O livro coloca esta discussão e abre caminho para uma reflexão crítica, que nos ajuda a encontrar meios para fortalecer a confiança nas pessoas e nas instituições. Assim, mesmo nessas quase duas décadas de grandes avanços econômicos, a presidente Dilma Rousseff recebe de seu antecessor um país com uma realidade profundamente dicotômica: o país opera em um sistema sofisticado e avançado em alguns aspectos, mas em outros ainda está subordinado a sistemas institucionais pesados e atrasados.

Entre um e outro, prolifera uma sociedade que se beneficia do progresso
da economia enquanto tenta sobreviver jurisdicionalmente aos saltos, pulando de galho em galho.

A desindustrialização divide o país

Correio Braziliense – 28/12/2010

Por André Franco Montoro Filho

As questões relativas a um eventual processo de desindustrialização da economia brasileira e a necessidade de políticas públicas de proteção à indústria nacional têm uma dimensão popular muito mais ampla do que usualmente reconhecida. Essa amplitude fica clara ao se analisar, sob a ótica do estágio de industrialização, o mapa da distribuição de votos entre os estados federativos do segundo turno das ultimas eleições presidenciais.

Houve um ponto nos discursos dos candidatos à Presidência da República que a maioria dos analistas não enfatizou, mas que, no meu entender, a população privilegiou, que é a valorização do real frente ao dólar e o risco de que essa valorização cambial leve a uma desindustrialização da economia brasileira. É o perigo da destruição prematura de tradicionais setores industriais, na linha da conhecida doença holandesa. Com um câmbio muito valorizado, a indústria nacional não conseguiria competir com produtos importados, sejam eles americanos ou chineses. Essa preocupação, apesar de não ter coloração político-partidária, ficou evidente no discurso de Serra, mas não no de Dilma. Em verdade, ela é compartilhada por economistas de diversas formações, inclusive participantes do governo federal, mas especialmente os ligados à Unicamp, à FGV/SP e à Fiesp como Bresser Pereira, Luciano Coutinho, Guido Mantega e outros.

Olhando o mapa da distribuição de votos entre os estados, verifica-se que Serra venceu exatamente nos mais industrializados (São Paulo e estados da Região Sul), onde o câmbio valorizado apresenta-se como grande ameaça para a sobrevivência da indústria local, e nos estados exportadores do Centro-Oeste.

De sua parte, se o câmbio valorizado é problema para alguns, ele gera benefícios para outros, porque a valorização do câmbio aumenta o salário real do brasileiro. O poder de compra em relação aos bens que são cotados, direta ou indiretamente, em dólar, aumenta. Esses bens ficam, em reais, mais baratos, o que estimula o consumo. De alguma forma, Dilma e seu patrono, o presidente Lula, se identificaram com esse aumento do salário e o consequente aumento do consumo. O mapa da distribuição de votos mostra a vitória de Dilma no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e nos estados do Norte e Nordeste. São estados em que a ameaça de desindustrialização é menos presente, mas os benefícios do real forte para o aumento do consumo são claramente percebidos e usufruídos pela população.

E o futuro? Continuaremos com o agravamento dessa divisão ou existem caminhos, se não para resolver, ao menos para mitigar essa dicotomia? Em primeiro lugar, deve-se notar que as pressões para a desvalorização do dólar são globais, afetando quase todos os países, e devem permanecer nos próximos anos. Em segundo, o duplo e contraditório efeito dessa desvalorização, ou seja, o aumento do salário real e a perda de competitividade da produção industrial doméstica são partes da natureza do processo.

Sem ter a ilusão de resolver o conflito inevitável entre estados mais e menos industrializados, existem políticas públicas que podem atuar na direção de aumentar a competitividade da produção nacional sem ameaçar os ganhos salariais e de aumento do consumo das regiões menos industrializadas. Com essas políticas, torna-se possível, ao menos, reduzir os efeitos negativos da desvalorização do dólar sobre a indústria doméstica. Entre essas políticas, por surpreendente que possa parecer, se destaca a luta contra a burocracia.

De fato, o relatório Doing Business 2011, recentemente publicado pelo Banco Mundial, informa que ficou ainda mais difícil fazer negócios (honestos) no Brasil. Indica também que o Brasil é líder mundial na exigência de procedimentos administrativos e atos burocráticos. E essa burocracia é especialmente perversa na hora de pagar impostos e de abrir (e fechar) empresas. Essas dificuldades, muitas delas desnecessárias, além de adicionarem elevadas despesas para as empresas localizadas no Brasil, diminuem a agilidade das mesmas e reduzem sua competitividade. Para enfrentar o impacto negativo da desvalorização do dólar, o combate à burocracia pode vir a ser uma resposta criativa de defesa da indústria nacional. A desburocratização tem grande vantagem sobre outras possíveis medidas protecionistas: não gera custos financeiros para o governo.

André Franco Montoro Filho – Ph. D em economia pela Universidade de Yale é professor titular da FEA/USP e presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco)

Agentes externos melhoram percepção sobre economia

Fonte: Época Negócios – São Paulo/SP – 21/10/2010

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou hoje os resultados da pesquisa Monitor da Percepção Internacional do Brasil (MPI-BR) de outubro. Os resultados mostram que, neste mês, os agentes internacionais com atuação ou representação no País melhoraram a percepção em relação ao futuro da economia brasileira e ao cenário social, quando feita comparação aos resultados de julho, quando foi divulgada a primeira edição oficial da pesquisa.

Em contrapartida, nesses três meses, piorou a percepção dos agentes consultados em relação ao cenário político-institucional, com agravamento principalmente da percepção a respeito da situação de segurança jurídica do País. A coleta de informações foi realizada pelo Ipea no período entre 5 e 20 de outubro.

Na elaboração da pesquisa são consultadas cerca de 170 entidades, entre representações de governos (embaixadas e consulados), câmaras de comércio, empresas com controle estrangeiro e organizações multilaterais, com garantia de sigilo dado pelo Ipea. Na pesquisa divulgada hoje, a pontuação das questões sobre economia alcançou 27 pontos, contra 24 pontos, em julho. As questões sobre sociedade obtiveram 15 pontos, ante sete pontos na pesquisa anterior. Já as respostas às questões sobre política, governo e instituições registraram 20 pontos no MPI-BR divulgado hoje, perante 30 pontos do estudo anterior.

PIB

Nesta nova edição da pesquisa, as respostas do público consultado em relação ao desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos 12 meses alcançaram 59 pontos (a mesma pontuação da pesquisa anterior). Essa é uma perspectiva classificada como moderadamente otimista. A aposta dos agentes consultados é que o PIB crescerá entre 3,6% e 6% nos próximos 12 meses. Em contrapartida, foi obtida média de zero ponto (13 pontos na pesquisa anterior) para as respostas envolvendo perspectivas sobre a evolução da qualidade da infraestrutura de transportes nos últimos 12 meses.

No cenário institucional, o pior resultado foi apurado na pergunta sobre a situação da segurança jurídica no Brasil, com 14 pontos negativos nas respostas dadas pelos agentes internacionais (eram quatro pontos negativos na pesquisa anterior). Ou seja, no tema segurança jurídica, piorou a avaliação dos agentes internacionais dentro da faixa considerada como moderadamente pessimista ou desfavorável. Em sentido inverso, dentro do conjunto de perguntas sociais, alcançou 43 pontos (frente 32, na pesquisa anterior) a média das respostas a respeito das perspectivas para os próximos 12 meses sobre a população vivendo em condições de pobreza.

Escala

A escala desenvolvida pelo Ipea varia de 100 pontos negativos, para respostas muito pessimistas ou muito desfavoráveis, a 100 pontos positivos, para respostas muito otimistas ou favoráveis. As respostas que ficam na faixa entre 20 e 60 pontos na escala desenvolvida pelo Ipea são classificadas como “moderadamente otimistas ou favoráveis”. Os resultados entre zero e 20 pontos significam respostas meramente “neutras”. Pois os indicadores de sociedade marcaram 15 pontos, denotando a entendimento cauteloso que as entidades internacionais têm a respeito do futuro nesse setor.

A pesquisa é realizada a cada três meses, envolvendo um questionário com 15 perguntas objetivas. São seis perguntas sobre economia, outras seis perguntas sobre política, governo e instituições e três perguntas sobre sociedade. Cada resposta recebe uma pontuação individual. Dessa forma, para cada uma das 15 perguntas do questionário é realizado um cálculo parcial, por meio da média dos pontos. Por fim, é realizada a contagem das perguntas de cada um dos três índices temáticos principais, envolvendo as dimensões econômica, político-institucional e social, permitindo a obtenção das pontuações finais.

Nesta última pesquisa, o Ipea informa que MPI-BR é uma pesquisa qualitativa que tem por objetivo traduzir a avaliação de entidades internacionais que atuam ou têm representação no Brasil sobre o cenário econômico, social, político e institucional do País. O estudo divulgado hoje foi a segunda edição oficial do MPI-BR. A primeira edição foi apresentada em julho, embora o Ipea tenha realizado uma pesquisa piloto em janeiro.