Tolerância zero

Roberto Abdenur
Presidente Executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO

Tarefa árdua tem uma sociedade que se propõe a mudar sua cultura. A partir da estabilização econômica proporcionada pelo fim da hiperinflação, há quase duas décadas, começou a transparecer a tolerância que nós, brasileiros, tínhamos em relação à informalidade na economia.

O novo milênio reforçou a percepção sobre essa tolerância ao trazer grandes mudanças não só no Brasil, como no exterior. A globalização se consolidou e a economia mundial cresceu, aumentando a troca de produtos e a necessidade de formalização por parte das empresas que almejavam crescer nos mercados interno e externo.

Ficou evidente para alguns grupos de empresários e especialistas brasileiros que estava na hora de acabar com a cultura das transgressões, aquela que é indulgente com a informalidade, tão arraigada na sociedade à época. Se, durante as últimas décadas do século 20, a via informal se apresentava como alternativa para driblar a inflação galopante, com a chegada da estabilização econômica ficou claro que essa prática propiciava a multiplicação de empresas predadoras, sustentadas pela sonegação fiscal, além de servir de estímulo a toda ordem de contravenção.

Era preciso mudar de atitude. Era preciso mudar a cultura das relações da economia, estimulando um ambiente de negócios mais saudável e mais ético no País. Nesse processo de mudança, o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) foi protagonista ao propor diversas iniciativas para melhorar o ambiente de negócios.

A partir de 2003, o País, por meio de suas instituições públicas e privadas, desencadeou uma série de ações para coibir práticas até então correntes.  Em junho de 2003, o Congresso Nacional instaurou a CPI da Pirataria. Seu principal resultado: sugerir a criação de um órgão público para adoção de políticas públicas de combate à pirataria. Foi a origem do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP).

Criado no ano seguinte e responsável pela formulação de um Plano Nacional de Combate à Pirataria, o CNCP, órgão do Ministério da Justiça, é composto por representantes dos poderes público e privado, iniciativa pioneira no que diz respeito à proteção da propriedade intelectual. Um importante desdobramento desse processo foi a criação do Programa Cidade Livre de Pirataria, cuja gestão está a cargo do ETCO, que já foi implantado em sete municípios e é o trunfo do CNCP para cumprir o acordo firmado com a FIFA para o combate à pirataria nas cidades-sede da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014.

O trabalho do CNCP ganhou destaque internacional. Em 2011, foi citado pelo Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na siga em inglês) ao anunciar a retirada do Brasil da Priority Watch List, uma lista de países sujeitos a sanções comerciais por não terem os direitos de propriedade intelectual considerados adequadamente protegidos.

No mesmo ano de 2003, outra iniciativa do ETCO representaria um grande passo na eliminação de subterfúgios de ordem tributária para obtenção de vantagens competitivas no mercado e, por consequência, concorrência desleal. Foi a Emenda Constitucional nº 42/2003, que, em seu artigo 146-A, prevê que os sistemas diferenciados de tributação adotados pela União coexistam com novos critérios especiais dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, necessários para garantir que a carga tributária seja uniforme para as empresas concorrentes. A regulamentação do Art. 146-A foi proposta em maio deste ano pelo senador Delcídio Amaral, por meio da PLS 0161/2013, e aguarda aprovação do Senado.

Uma grande revolução no combate à sonegação fiscal viria com a instituição da Nota Fiscal eletrônica (NF-e). Hoje, é impensável fazer negócios sem esse recurso. Segundo a Receita Federal, desde sua implantação, em 2008, já foram mais de 5 bilhões de emissões, com mais de 800 mil empresas emissoras.

Além dos avanços no combate à sonegação fiscal já citados, a grande massa de dados gerados pelo processo digital da NF-e permitiu o desenvolvimento do BI NF-e, uma ferramenta de inteligência fiscal que, após ser homologada pela Secretaria da Fazenda da Bahia (Sefaz-BA), foi disponibilizada gratuitamente a todos os Estados interessados.

Mais recentemente, o Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais (ENCAT) deu mais um importante passo no aperfeiçoamento do sistema com o projeto Manifestação do Destinatário, que obriga a validação da NF-e nas duas pontas da operação, com vistas a evitar operações fraudulentas.

De todos os males provocados pela concorrência desleal, o mais grave, sem dúvida, é o que diz respeito aos medicamentos. Em 2008, foi desenvolvido no ETCO um projeto piloto para o Sistema de Rastreamento de Medicamentos, com o objetivo de colaborar com a Anvisa na definição do sistema necessário para atender à Lei nº 11.903/09, que criou o Sistema Nacional de Controle de Medicamentos. No fim de maio último, a Anvisa realizou audiência pública para a definição do sistema.

Números da última década confirmam que o Brasil mudou. O Índice de Economia Subterrânea, desenvolvido pelo ETCO em conjunto com Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IBRE-FGV), vem estimando o tamanho da economia paralela em comparação com a formal desde 2003. Nessa época, a economia subterrânea representava 21% do Produto Interno Bruto. Em 2012, 16,6%.

Até chegarmos a um nível de tolerância zero com a concorrência desleal e os desvios de conduta, ainda há um longo caminho a percorrer. Mas a mudança de cultura só ocorre com persistência e tempo. Os cidadãos e instituições determinados a fazer a diferença não podem desistir. Um dia, chegaremos lá.

Uma doença de R$ 730 bilhões

Por Roberto Abdenur

A economia subterrânea brasileira – a produção de bens e serviços não reportada ao governo, que fica à margem do PIB nacional – chegou a 16,6% do Produto Interno Bruto brasileiro em 2012, conforme o Índice de Economia Subterrânea, recentemente divulgado pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), em conjunto com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV). Em valores absolutos, a estimativa é de que a economia subterrânea em 2012 tenha superado R$ 730 bilhões. Essa parcela significativa da economia brasileira é apenas o sintoma de uma doença cuja causa pode ser atribuída a fatores como a elevada carga tributária, a rigidez do mercado de trabalho, a baixa escolaridade média da força de trabalho e o excesso de burocracia em praticamente todos os passos necessários para a formalização de um negócio. Ou seja, os elevados custos operacionais e financeiros associados com a atividade totalmente formalizada levam muitas pessoas e empresas a ficarem à margem da lei.

O resultado de 2012 mostra que a economia subterrânea teve uma redução de 0,3 ponto porcentual em relação ao ano anterior, apesar do baixo crescimento da economia em geral. A queda observada, entretanto, é pequena se comparada às reduções de 0,8 ponto porcentual nos dois anos anteriores. Essa desaceleração se deve, em grande parte, ao recuo das contratações formais pela indústria e ao desempenho do setor de serviços, que é intensivo em mão de obra e se mostra bastante dinâmico, mas apresenta níveis de informalidade maiores do que a indústria.

Assim como a figura do “copo meio cheio, meio vazio”, o resultado traz duas interpretações opostas, dependendo do ângulo em que é analisado. O “copo meio cheio”, ou seja, o lado positivo, mostra uma redução da economia subterrânea que acontece ainda que em um período de baixo crescimento do PIB associado a uma menor formalização do mercado de trabalho. Já pelo lado do “copo meio vazio”, vemos a redução do ritmo da queda da economia subterrânea, o que pode indicar uma estagnação do índice.

Mas, apesar de abaixo dos anos anteriores, esse resultado é importante e mostra que a trajetória de redução da economia subterrânea, gigante e desconhecida no Brasil, que já representou 21% do PIB, é consistente, e, mesmo em um ambiente menos propício, essa parcela da economia está se reduzindo.

Apesar do esforço do governo em criar medidas que facilitem a formalização, sobretudo nos setores de comércio e serviços, onde predominam os pequenos empreendedores, os níveis de adesão nesses setores ainda são bastante baixos.

Pesquisa recentemente divulgada pelo SPC Brasil e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas mostrou que quase metade (49%) dos entrevistados não sabe o que fazer para regularizar o próprio negócio. De outra parte, entre os que querem ampliar o negócio este ano, a maioria não pretende ir adiante porque teme a burocracia, uma queda no rendimento e o surgimento de novos custos e ônus tributários. Desde o fim de 2012, observa-se que o crescimento do mercado formal de trabalho encontra-se muito próximo do seu limite em razão de dois grandes fatores: a rigidez das leis trabalhistas e o baixo nível de escolaridade do brasileiro.

É necessária uma profunda reflexão sobre as razões dos atuais resultados, para que sejam elaboradas políticas públicas realmente efetivas, de modo que o peso de economia subterrânea no Brasil se torne gradativamente menor. Entre os principais obstáculos à continuidade dessa evolução está o das leis trabalhistas que amarram a economia. O outro, menos óbvio, mas com muito impacto na redução da informalidade, é o nível de escolaridade do brasileiro. Entre 2002 e 2011, a informalidade no mercado de trabalho caiu 10 pontos porcentuais, saindo de 43% para 32% do total da população empregada. O acréscimo dos 22 milhões de pessoas que se educaram entre 2001 e 2011, segundo a Pnad, responde por 64% dessa queda.

Esses números trazem novas e ricas possibilidades no que diz respeito à melhoria do mercado de trabalho no País e à consequente redução da informalidade na economia. Diminuir os índices de economia subterrânea é essencial para o fortalecimento de toda a economia brasileira, visto que ela impõe diversas dificuldades ao País: as estatísticas oficiais perdem relevância; a sonegação fiscal, em decorrência da informalidade, aumenta desproporcionalmente o peso dos tributos sobre as atividades formais; expande-se a concorrência desleal, e atividades à margem da lei passam a gerar problemas trabalhistas, sociais e até mesmo ambientais. É preciso simplificar e racionalizar o sistema tributário e, com isso, tornar o cumprimento da lei menos penoso para a população.

Roberto Abdenur, presidente-executivo do ETCO e Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do IBRE/FGV, Diplomata e presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO).

Brasil ainda tem uma Suécia na economia subterrânea

Mirian Leitão.com, O Globo – – 10.7.2013

A boa notícia é que a chamada economia subterrânea vem caindo desde 2003, como mostram os dados divulgados hoje pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e pelo Ibre/FGV. Naquele ano, estava em 21% do PIB e, em 2012, ficou em 16,6%. Esse último dado representa uma redução de 0,3 ponto em relação a 2011. A má notícia é que nos últimos dois anos, o ritmo de queda da economia subterrânea, que capta não só a informalidade, mas também a produção de bens e serviços não reportada ao governo, que fica à margem do PIB, vem diminuindo.

O economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Ibre/FGV, explica por que isso vem acontecendo:

– Essa desaceleração se deve, basicamente, ao recuo das contratações formais pela indústria e ao crescimento do setor de serviços, que é intensivo em mão de obra e está bastante dinâmico, mas tem níveis de informalidade maiores do que a indústria. Mas de um modo geral, apesar da redução do ritmo de queda do índice, o resultado ainda é positivo, pois é preciso levar em consideração que, mesmo com o baixo desempenho da economia no ano, a informalidade continua caindo – disse.

O tamanho da economia que vive na sombra é calculado em mais de R$ 730 bilhões, segundo a FGV, o que equivale ao PIB da Suécia.

Segundo o presidente executivo do Etco, Roberto Abdenur, apesar de o governo se esforçar em criar medidas para facilitar a formalização, os níveis de adesão nos setores de comércio e serviços, onde predominam os pequenos empreendedores, ainda são muito baixos.

– Desde o fim de 2012, observa-se que o crescimento do mercado formal de trabalho atingiu seu limite em razão de dois grandes fatores: a rigidez das leis trabalhistas e o baixo nível de escolaridade do brasileiro – afirma Abdenur.