A travessia da reforma tributária

Enfim aprovamos a reforma tributária, almejando a superação de antigas mazelas que afetam nosso crescimento econômico. Sairemos de um sistema antigo para um novo, iniciando a regulamentação e implementação das medidas gerais da Emenda Constitucional 132. Chegou a hora de começarmos nossa travessia — prevista para dez anos — rumo à terra prometida em busca de crescimento do PIB, equidade tributária, neutralidade fiscal, simplificação, transparência, desburocratização, modernização dos impostos, redistribuição da arrecadação entre os entes federativos, diminuição da sonegação, arrecadação no destino, mudanças no imposto de renda, fim do efeito cascata.

Começamos uma longa caminhada, e o antigo e o novo conviverão na transição.

Nessa caminhada haverá o debate de dezenas de leis complementares, detalhando mais de 70 pontos que deverão ser regulamentados mediante propostas do governo para o Parlamento.

A definição das alíquotas; quem pagará e para quem; as exceções com alíquotas menores; como será a administração do sistema e a interação entre os entes federativos; a arrecadação, fiscalização e distribuição dos tributos pelo Comitê Gestor que será criado; os mecanismos de compensação entre estados e municípios; normas processuais e definição do imposto seletivo são alguns dos importantes temas que despertarão muitas disputas e gerarão grande movimentação em toda a sociedade, com profundas discussões técnicas nos setores jurídico, de auditoria e contábil.

Enfrentaremos a divergência entre os que defendem, com razão, o necessário equilíbrio das contas públicas e quem não concorda com corte de gastos, instalando um embate que afetará o tamanho da carga tributária.

No meio corporativo haverá conflitos entre setores produtivos para definir que atividades serão mais ou menos oneradas e como serão estabelecidos os critérios para a incidência do Imposto Seletivo. E ainda temos de garantir os direitos dos contribuintes, diminuir o trilionário contencioso tributário, combater a sonegação e o crescimento do mercado ilegal, questões que necessariamente deverão estar diretamente inseridas nesses debates.

Diante de tantas matérias que deverão ser esmiuçadas, e sabendo que “Deus ou diabo estão nos detalhes”, chegou o momento de decidir se aproveitaremos ou perderemos essa oportunidade histórica de, finalmente, aperfeiçoar nosso sistema tributário.

Com certeza, não será uma travessia tranquila. Teremos que abrir mares, enfrentar maus conselheiros e profundos conflitos de interesses, aceitar mudanças estruturais e assim, sem Moisés para nos guiar, temos de seguir em frente.

Sair do discurso e partir para a ação. Nosso destino depende de acertarmos o rumo e superarmos arcaicas estruturas que dificultam o nosso desenvolvimento econômico e social. Em verdade, precisamos nos afastar do que afirmou Roberto Campos: “O Brasil não perde a oportunidade de perder uma oportunidade.”

 

Devedor contumaz: falta de lei específica mantém prática sem punição

A lei brasileira não tem uma definição sobre o que é um devedor contumaz. Por isso, o combate aos sonegadores criminosos sempre esbarra na capacidade de impor sanções àqueles que adotam a prática de forma sistemática para ter vantagens concorrenciais. Os setores nos quais há mais devedores contumazes — que deixam de pagar impostos propositalmente — são os de combustíveis, cigarros e bebidas, altamente regulados pelo Estado.

Dois projetos de lei em tramitação no Congresso contêm essas definições sobre a figura do devedor contumaz: o PLS 284/2017 e o projeto de lei 1646/2019.

Para especialistas ouvidos pelo JOTA, definir de forma clara o que caracteriza um devedor contumaz é fundamental. “O devedor contumaz se aproveita para se esconder atrás de um monte de questionamentos jurídicos”, afirma Guilherme Barranco, sócio do escritório Barranco Sociedade de Advogados e ex-conselheiro do Carf. “Quanto menos precisos são os critérios, mais ele pode se opor no juízo para dizer que ele não é um devedor contumaz.”

O PLS 284/2017 define devedor contumaz como aquele que atua no campo do ilícito, “trata-se de criminoso, e não de empresário, que se organiza para não pagar tributos e, com isso, obter vantagem concorrencial”.

O presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), Edson Vismona, considera o PLS 284/2017 o melhor projeto para combater o devedor contumaz. “Ele traz a diferença do que é um devedor contumaz e um devedor eventual e dá segurança jurídica para o uso do termo ‘devedor contumaz’”, explica. “Segurança jurídica é fundamental e a lei vem justamente nesse sentido. O projeto de lei está pronto, mas parado, esse é o problema”.

O parecer mais recente, de 2018, feito pelo ex-senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), estabelece medidas para combater o devedor contumaz nas esferas federal, estadual e municipal. Como exemplos de possíveis sanções aos infratores, o parecer cita: suspensão ou cancelamento da inscrição fiscal; perda do registro para funcionamento; interdição do estabelecimento; aplicação de regimes especiais de fiscalização e de arrecadação. Atualmente a relatoria do projeto é do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

“A lei é um bom passo, porque hoje o ambiente é sem definições, nebuloso. E tudo o que é nebuloso nesse ambiente de alta tributação esses devedores contumazes usam para seu benefício”, destaca Luciano Godoy, sócio do LUC Advogados, árbitro e advogado especializado em contencioso.

PL 1646/2019

Na Câmara dos Deputados tramita um outro projeto de lei, o PL 1646/2019, que tem uma amplitude menor em relação ao texto do Senado. “O 1646 está sendo chamado de projeto do devedor contumaz. Mas são quatro artigos que falam do devedor contumaz e o resto do projeto fala da modernização da cobrança da dívida ativa da União”, diz o advogado tributarista Guilherme Barranco.

O projeto de lei define devedor contumaz como “aquele cuja atuação extrapola os limites da inadimplência e se situa no campo da ilicitude, com graves prejuízos a toda sociedade”. O texto estabelece ainda que a inadimplência “substancial e reiterada” de tributos ficará configurada quando constatada a existência de débitos de valor igual ou superior a R$ 15 milhões por um ano, em nome do próprio devedor ou de pessoa integrante do grupo econômico ou familiar. “Na esfera tributária, principalmente com empresas maiores, é muito fácil ter débitos acima de R$ 15 milhões”, pontua Barranco.

Supremo

No ano passado, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por sete votos a três, definiu a tese de que o contribuinte que deixa de recolher o ICMS pratica crime desde que haja dolo. Na ocasião, a Corte julgou o RHC 163.334 impetrado pelos proprietários de lojas de roupas em Santa Catarina denunciados por não recolher ICMS entre 2008 e 2010.

A tese fixada foi a de que “o contribuinte que de forma contumaz e com dolo de apropriação deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente de mercadoria ou serviço incide no tipo penal do artigo 2º inciso II da lei 8137/1990”. Essa lei define os crimes contra a ordem tributária. O inciso citado diz que constitui crime “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher os cofres públicos”.

O diretor titular do Departamento Jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Hélcio Honda, alerta que é preciso cuidado na definição de devedor contumaz. “A figura do devedor contumaz é perniciosa, mas ela tem que ter uma definição cautelosa. Você precisa ter um outro elemento além do inadimplemento”, diz. “E qual é o outro elemento? É a figura dolosa de não fazer o pagamento do tributo, o desejo de prejudicar o mercado. A questão subjetiva do dolo é muito importante”.

Como age um devedor contumaz

O devedor contumaz se utiliza da lentidão para ter dívidas executadas e da possibilidade de questionar cobranças tributárias para ganhar tempo e obter altas taxas de retorno. “A empresa se estabelece e já se estrutura para não pagar imposto, porque vai ter uma vantagem competitiva ilegal, uma margem de lucro muito alta e vai inibir a concorrência leal”, diz Edson Vismona, diretor-presidente do ETCO. “É o que ocorre nos setores mais tarifados, de combustíveis, de cigarros, de bebidas.”

O advogado Luciano Godoy explica também que esses produtos são mais difíceis de serem fiscalizados: “Eles [os devedores contumazes] vão em produtos que são de consumo rápido. Cigarro e combustível, por exemplo, você usou e não há mais rastro do crime. Ninguém vai ser devedor contumaz, por exemplo, fazendo geladeira e televisão”.

Com parcelamentos de tributos e questionamentos de cobranças, uma empresa consegue operar sem problemas por até cinco anos. “Uma discussão de parcelamento pode levar três, quatro anos. Na via judicial, vai depender. Há discussões de teses que podem levar até quatro ou cinco anos”, diz Gustavo Amaral, sócio responsável pela área tributária na Paulo Cesar Pinheiro Carneiro Advogados Associados. “E isso não necessariamente é linear, porque pode surgir um programa de parcelamento e quebrar essa sequência.”

Conteúdo especial: A luta contra o devedor contumaz de tributos

No setor de combustíveis, a figura do devedor contumaz se concentra na venda de etanol, que tem tributação dividida no refino e na distribuição, o que facilita a fraude.

O começo de tudo isso são empresas de fachada, com o discurso de bom cristão, falando para a ANP que estão começando com capital mínimo”, explica Carlo Faccio, diretor do Instituto Combustível Legal. “Em paralelo, começam a fazer vendas com operações interestaduais e a acumular dívidas. Só que até a Fazenda [do estado] identificar o não pagamento, há uma demora de dois a três anos.”

Depois desse período, quando há caracterização de devedor contumaz, as secretarias de Fazenda não conseguem exercer o direito de cobrança das empresas, que costumam não ter patrimônio e são registradas com capital mínimo.

Isso ocorre bastante com distribuidoras, que dependem de pouco capital para operar. “O débito não é cobrado, então tudo aquilo que a empresa deixou de recolher ao longo do tempo vira um lucro em detrimento do Fisco e dos competidores”, diz o advogado Gustavo Amaral.

Para continuar na atividade, outras empresas são abertas para fazer o mesmo, só que com um novo nome e registro. “Chega uma hora em que a Receita Federal toma uma atitude, suspende a atividade. Mas ele [devedor contumaz] já, paralelamente, criou um outro CNPJ, e simplesmente pula de uma empresa que vai abandonar, passa para outra e segue seu negócio”, explica Edson Vismona, do ETCO.

Os efeitos negativos do devedor contumaz são contraídos pelo Estado, que arrecada menos, e pelo mercado do setor em questão.

“O efeito sobre a concorrência é uma disrupção do que seria a concorrência natural daquele mercado”, destaca Eduardo Frade, sócio do VMCA e ex-superintendente do Cade. “Gera um desincentivo à entrada de novos concorrentes, além de uma série de saídas, com uma concentração maior do mercado”, diz. “Também há um efeito de seleção adversa, um efeito em que acaba se premiando os agentes que agem contra as regras e punindo aqueles que agem de acordo com as regras.”

No caso dos combustíveis, o preço final da gasolina chega a ser R$ 0,90 menor por litro em postos que comercializam produtos derivados de cadeias irregulares. No etanol, a variação chega a ser de R$ 0,51, de acordo com estudo feito pela consultoria Boston Consulting Group (BCG).

Matéria publicada em 31/08/2020 no Portal Jota, na sessão Jota Discute, que tem o apoio do ETCO.

 

Exploradores da Pandemia

Fomos atingidos em cheio. A tragédia sanitária tem exigido dos gestores públicos, parlamentares e empresas concentração total no combate ao novo vírus e na busca de alternativas que além de salvar vidas – essencial – possam manter o mínimo de condições para que nosso país não vá a bancarrota.

No enfrentamento das consequências da pandemia diversas iniciativas estão sendo adotadas para diminuir os efeitos tanto para a saúde pública como para a economia.

No Congresso Nacional, uma das propostas foi apresentada na Câmara Federal por meio do Projeto de Lei 1397/2020 que tem o objetivo de instituir medidas de caráter emergencial destinadas a prevenir a crise e de promover alterações, em caráter transitório, de dispositivos da lei que trata a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

Em seu escopo, entre outras providências, de acordo com o artigo 11 do texto apresentado, as obrigações previstas nos planos de recuperação judicial ou extrajudicial já homologados, independentemente de deliberação da assembleia geral de credores, não serão exigíveis do devedor pelo prazo de 120 (cento e vinte). Já o artigo 12 do referido projeto permite a apresentação de novo plano de recuperação judicial ou extrajudicial, tenha ou não sido homologado o plano original em juízo.

Já mais adiante (artigo 15), o PL1397/20 permite a suspensão de atos administrativos de cassação, revogação, impedimento de inscrição, registro, código ou número de contribuinte fiscal, independentemente da sua espécie, modo ou qualidade fiscal, sob a sujeição de qualquer entidade da federação que estejam em discussão judicial, no âmbito da recuperação judicial.

O Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) entende que nesse momento de pandemia iniciativas legislativas que visem reequilibrar as condições econômicas de pessoas físicas e jurídicas são bem-vindas e necessárias.

Não obstante, para que não só as condições excepcionais sejam tratadas, mas para que também seja mantido o quadro geral e abrangente de segurança jurídica e ética concorrencial, é desejoso que se façam ajustes no texto do referido projeto de lei.

No que diz respeito aos artigos acima citados, destaque-se que não por acaso existem as assembleias gerais de credores e os planos de recuperação homologados em juízo. Tratam-se de instrumentos que estabelecem prioridades e trazem segurança jurídica aos processos de recuperação judicial e extrajudicial. Do contrário, se ignorados tais dispositivos, correr-se-ia o risco de todo o processo cair em um limbo jurídico desconhecido, induzindo-as o crescimento de um contencioso judicial já exorbitante.

Já a suspensão de sanções, não atende à necessidade de preservar a atividade econômica e sim permite que empresas que já vinham procurando burlar a legislação aplicável e que, por esse motivo, sofreram sanções administrativas, sejam beneficiadas, possibilitando e facilitando a sonegação tributária estruturada e recorrente daqueles já conhecidos devedores contumazes que organizam seu modelo de negócio para nunca pagar impostos utilizando-a como vantagem competitiva para aumentar seus lucros, ganhar participação no mercado e prejudicar os concorrentes.

Nesse sentido, é que sugerimos que os artigos 11 e 12 obedeçam ao princípio da segurança jurídica, e que o artigo 15 seja suprimido, não só por ser  totalmente estranho ao mérito expresso no PL 1397/20, mas também para evitar distorções beneficiando ainda mais empresas que atentaram contra os princípios da concorrência.

Sim, devemos apoiar empresas em dificuldades. Agora, estimular quem já teve reconhecidos atos indevidos de sonegação, como modelo de negócio, não! Ainda mais agora nesse momento da pandemia no qual temos visto o crescimento dos oportunistas de plantão sempre procurando levar alguma vantagem e se aproveitar do malfadado “jeitinho” para, de alguma forma, se beneficiarem de qualquer iniciativa ou brecha da lei, desvirtuando bons propósitos do legislador.

 

*Edson Vismona – Advogado, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO, foi Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo (2000/2002)

Momento de ética e união

Estamos em um momento no qual não é recomendável o contato social com as pessoas. Não podemos abraçar, beijar, dar as mãos. No entanto, mais do que nunca é preciso ser solidário e entender a importância da união para passarmos da melhor maneira possível por este período de confinamento social que visa o controle da pandemia do novo coronavírus.  As pessoas e as empresas precisam ter esta atitude. Não é o momento de cobrar multas para aqueles que não podem viajar, de aumentar preços sem justificativa, para se aproveitarem da alta demanda ou de ter qualquer outra atitude que fuja da ética, da solidariedade e de gestos de humanidade. Em verdade, individualmente e corporativamente, precisamos assumir nossas responsabilidades era prol do coletivo e, especialmente, dos mais vulneráveis.

Vamos ampliar as iniciativas positivas da indústria, comércio e serviços, que estão mantendo o emprego de seus funcionários, apoiando o esforço de governos, auxiliando em projetos sociais  – como as doações de empresas privadas na ampliação de leitos de hospital em São Paulo ou companhias que produziram e doaram  álcool em gel e insumos aos hospitais e instituições de saúde. Sem esquecer das inúmeras iniciativas de grupos de voluntários arrecadando e distribuindo alimentos para a população mais carente.

Ações solidárias nos fazem “mais” humanos e devem contagiar todos. Esses exemplos, no momento de um esforço de guerra, devem nos nortear no futuro fortalecendo a convivência.

Mas, tudo isso vai passar e a pergunta que fica é: como reagiremos depois? O que restará? Como conseguiremos retomar a economia? São muitas incertezas que nos afligem nesse momento.

Decisões difíceis estão sendo tomadas, muitas impopulares. Oxalá essa postura corajosa nos estimule e, ultrapassada essa tragédia, desperte em nossos governantes o efetivo compromisso de realizar as reformas estruturais, para que o Brasil enfrente e supere seus históricos desafios.

Temos que deixar de pensar na próxima eleição, mas, sim, no destino da nossa sociedade. Este é o caminho que devemos seguir. O momento pede calma, sim, mas urgência nos quesitos humanitários, na convergência de propósitos e muito discernimento para fazer com que o país reaja o mais rápido possível e possa seguir com as necessárias mudanças.

Edson Vismona é advogado, presidente do  (ETCO), foi Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo (2000/2002).

A ÉTICA como ferramenta de combate ao COVID-19

O ETCO é uma Organização da Sociedade Civil, que atua com o propósito de promover a integridade no ambiente de negócios. Acreditamos na prática da concorrência leal como um dos principais alicerces do desenvolvimento econômico e da construção de uma nação mais forte e justa.

Com a pandemia da COVID19, vivemos um momento sem precedentes na história mundial, com efeitos devastadores na economia global e brasileira. A OCDE estima que cada mês de confinamento irá tirar 2 pontos do PIB nas grandes economias e a Organização Mundial do Comércio (OMC) prevê que comércio global recuará em até 32% neste ano.

Para combater os efeitos nefastos na economia e no sistema público de saúde, temos assistido a um enorme esforço do poder executivo (em todas as suas esferas), do legislativo, judiciário e da sociedade civil, no sentido de amenizar os efeitos da crise principalmente junto às populações vulneráveis e grupos de risco.  E é principalmente em momentos como este, que o comportamento ético de empresas e da sociedade civil pode fazer toda a diferença.

O ETCO defende o isolamento social, como a forma mais eficaz de combate à epidemia, respeitando as orientações das autoridades de saúde e de governos municipais e estaduais.  É um momento que exige o exercício pleno da cidadania, respeito às leis e ao próximo.

Não é hora de aumentar preços, nem fazer estoques desnecessários.  Não é hora para demissões, que resultarão em custos imediatos e desnecessários.  É preciso buscar o diálogo, negociar de forma justa e leal com fornecedores, colaboradores, funcionários e clientes.

O ETCO se mantém firme e solidário a todas as ações que fortaleçam o combate ao COVID-19 e ajudem a preservar vidas.

Apoie também. Da forma que puder, como puder.

#FIQUEEMCASA

 

A política tributária deve amparar-se no conceito de moratória ampla

A excepcionalíssima circunstância que vive a humanidade é um obstáculo a reflexões que nos permitam entender a hora presente e produzir algum tipo de contribuição. Prevalecem nossa ignorância, impotência, angústia e medo.

Aparentemente, a ingestão de um animal silvestre contaminado por um vírus foi capaz de paralisar o mundo e gerar sofrimento em escala planetária. Jamais foi tão dolorosa a expressão real de uma alegoria do Efeito Borboleta, extraída da Teoria do Caos: “uma borboleta bate as asas em Pequim e produz um terremoto em San Francisco”.

Explorar as origens e a propagação da Covid-19 deveria servir tão somente para compreender a pandemia e subsidiar a elaboração de teorias de prevenção. Culpar pessoas ou governos é de uma completa inutilidade, senão um sintoma de alienação mental. Promoveria, ademais, imperdoáveis injustiças.

A pandemia encerra causalidade complexa e provavelmente inverificável, à luz da ciência atual. O vírus não tem nacionalidade. O problema é da humanidade.

Esse quadro faz aflorar a intrinsecamente contraditória natureza humana, em que coabitam o egoísmo associado ao instinto de sobrevivência e a solidariedade, a generosidade e o oportunismo – não raro, delinquente-, o bem e o mal. A esperança é que prevaleça o ânimo das pessoas de boa vontade.

Participei ativamente no enfrentamento de graves crises econômicas internacionais e domésticas, no Governo de FHC. Sei o quanto se exigiu de serenidade, determinação e criatividade para superá-las. Pois bem, nenhuma delas sequer tangencia a intensidade, a abrangência, a imprevisibilidade e a persistência da crise decorrente da Covid-19.

Desse enfrentamento extraí algumas lições que podem ter alguma utilidade, ainda que pontual e modesta diante uma crise ciclópica.

Arrisco-me, por imposição de solidariedade, a sujeitá-las, humildemente, ao debate. Não pretendo ter razão, mas ajudar no limite de meu conhecimento e experiência.

Estamos diante de uma catástrofe de consequências equivalentes, mutatis mutandis, a de colisão com um asteroide, um desastre natural em escala planetária ou um acidente nuclear. Não é razoável negar a dimensão da catástrofe. O que cabe é torcer pelo melhor, mas preparar-se para o pior.

As sugestões se limitam ao campo tributário, o que, no contexto, tem serventia meramente subsidiária, pois o que conta prioritariamente, no momento, é salvar pessoas, especialmente os enfermos, os vulneráveis e os pobres.

A primeira lição a ser observada é a recomendação de flexibilidade, criatividade e colaboração.

Recolho de Charles Darwin o elogio à flexibilidade na natureza, traduzido na capacidade de adaptar-se, e que, ao menos em circunstâncias de crise extrema, também se aplica à gestão pública, inclusive a tributária:  “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”.

Os responsáveis pela política tributária não podem se tornar prisioneiros de manuais, de utilidade nula em situações de crise. É preciso utilizar a criatividade no limite.

Seria tedioso e inútil enumerar os exercícios de criatividade praticados nas experiências de enfrentamento de crise que vivi. O que foi feito, muitas vezes, não tinha precedente, sequer estava suscitado na literatura.

Na crise atual, a exigência de criatividade é muito maior. Dialoguem, discutam os problemas exaustivamente e não se prendam a modelos pré-existentes. É o conselho que posso dar aos que estão na linha de frente.

A colaboração é também ingrediente indispensável. Não só entre os entes federativos, é necessário estender a mão, também, aos profissionais privados da tributação e aos contribuintes.

A segunda lição diz respeito à imperiosa necessidade de segregar as iniciativas para enfrentar a crise daquelas que serão adotadas no pós-crise. Tentar articular essas duas classes de iniciativas é flertar com erros cruciais.

Ainda que pareça insubsistente, na perspectiva da física, a crise paralisou o tempo. Essa é uma evidência fundamental. É como se existisse apenas o presente. Nada mais se sabe sobre o futuro.

Erra quem projeta o futuro, a partir dos conhecimentos pré-existentes sobre juros, câmbio, PIB, equilíbrio fiscal, valor dos ativos, preços, etc.

E se surgir uma vacina ou tratamento eficaz?  E se, em cenário de maior desgraça, surgirem novas ondas do vírus ou sua mutação?

Desde que existe um mínimo de civilização, jamais a humanidade foi compelida ao isolamento social por um prazo que ninguém consegue estimar.

Quando sairmos dessas cavernas, como estaremos nós, física e psiquicamente? Como estará o mundo? Repactuaremos, em âmbito mundial, as relações com o meio-ambiente, inclusive em termos de ocupação urbana e prevenção de desastres naturais? Passaremos a entender que o enfrentamento da pobreza requer o concurso de todos, independentemente das jurisdições dos Estados? Serão instituídas barreiras sanitárias severas ao trânsito de pessoas e mercadorias, em desfavor da globalização? Os padrões vigentes de consumo cederão à tese da essencialidade? Serão impostos limites ao crescimento, como preconiza, desde 1972, o Clube de Roma? Haverá uma revolução digital no trabalho e na prestação de serviços, com repercussões na mobilidade urbana, no transporte internacional, no entretenimento, no turismo? Como ficarão as políticas de saúde pública?

São muitas perguntas, cujas respostas, entretanto, ninguém sabe. O mais provável é que tenhamos um novo normal.

Em quanto tempo e por quanto tempo, todavia, prevalecerá o novo normal, considerada a atávica tendência do ser de humano de apagar da memória tudo que é dor e interdição do prazer?

A única certeza que temos é que são tempos de completa incerteza. Nesse quadro, precaução absoluta é a única opção racional.

Em sábia lição, John Maynard Keynes assinalou, no “Tratado sobre a Reforma Monetária” (1923): “O longo prazo é um guia enganoso para os assuntos atuais. A longo prazo, estaremos todos mortos. Economistas se põem em uma zona de conforto, totalmente inútil, se em temporadas tempestuosas só podem dizer que, quando a tempestade passar, o oceano voltará a se acalmar”.

É, pois, imperioso concentrar todos os esforços para superação da crise na hora presente, afastando desvios de concentração decorrentes de especulações sobre o futuro.

Se prevalece a demanda por flexibilidade, criatividade e colaboração e se existe a convicção para atenção plena no presente, a política tributária deve amparar-se no conceito de moratória ampla, previsto em nosso ordenamento jurídico.

O Código Tributário Nacional (CTN), arts. 151 a 155, prevê a hipótese de moratória, com ampla flexibilidade operacional: caráter geral ou individual, especificação ou não de tributos ou setores, abrangência federal ou nacional, aplicabilidade ou não a determinadas regiões, etc.

Enfim, trata-se de um instrumento próprio para situações de calamidade, cuja flexibilidade, no entanto, não exclui a imposição de penalidades para os casos de dolo ou simulação, em seu próprio favor ou de terceiros.

As escolhas de prazos, setores ou tributos encerram atos discricionários fundados na moralidade tributária, o que demanda firmeza e discernimento.

A moratória estabelece o primado da lei, em contraposição a um cenário, não inviável, de desobediência civil.

A moratória deve, contudo, ir mais longe para alcançar, também, processos e procedimentos. Para eles, o tempo também parou.

Deveriam ser suspensos, enquanto perdurar a pandemia, julgamentos administrativos, lançamentos de ofício, perdimentos (ressalvados casos de contrabando ou de práticas tendentes a inviabilizar as políticas sanitárias), cobrança da dívida ativa, exigência de obrigações acessórias, prazos processuais, etc. Certidões negativas devem ser prorrogadas por igual prazo.

A União deve dar o exemplo e apelar pelo acolhimento das medidas por todos os entes federativos. Nesse movimento não pode haver nenhuma concessão a mentalidades burocráticas, que não enxergam a dimensão da catástrofe.

A Portaria nº 543, de 20.03.2020, da Receita Federal do Brasil acolhe parcialmente as recomendações quanto à moratória processual e procedimental. É preciso, entretanto, mais ousadia, inclusive quanto à moratória dos tributos. Afastar, também, a pretensão de lançamentos quanto às controversas prevenção de decadência e presunção de interposição fraudulenta de pessoas.

Não é a hora de polêmicas. Tampouco é o momento de fustigar o contribuinte em meio ao debate econômico. Ao menos, por razões humanitárias. Só nos cabe, agora, lutar pela sobrevivência.

ETCO apresenta seu Relatório de Atividades de 2019

O ETCO lançou no dia 20 de março o seu Relatório de Atividades de 2019. A publicação faz um resumo dos projetos realizados pelo Instituto no ano passado para contribuir com a promoção da ética concorrencial e o fortalecimento do ambiente de negócios no País.

Em 2019, o ETCO atuou intensamente em debates relacionados ao tema tributário. “O momento é oportuno”, explica o presidente executivo do Instituto, Edson Vismona, na carta de apresentação do Relatório. “Após a aprovação da reforma da Previdência, as atenções se voltam para outros temas fundamentais para destravar a economia, atrair investimentos e impulsionar o desenvolvimento do País. A reforma tributária é uma das iniciativas mais discutidas.”

Em junho, o Instituto realizou seminário sobre segurança jurídica tributária, que foi coordenado pelo presidente do seu Conselho Consultivo, Everardo Maciel, e teve a participação de grandes nomes do direito tributário. No mês seguinte, apoiou um seminário sobre reforma tributária realizado pelo jornal Valor Econômico.

O ETCO também patrocinou a realização de um estudo da consultoria EY sobre o contencioso tributário brasileiro, que foi apresentado em evento seguido de debate com especialistas.

Outro tema importante foi a defesa do mercado legal. Em parceria com o jornal Gazeta do Povo, do Paraná, o Instituto realizou o projeto #Dentro da Lei, que teve sete meses de duração. O trabalho incluiu fórum de debates, reportagens em profundidade e outras ações jornalísticas sobre os prejuízos de práticas como o contrabando, a pirataria e a falsificação de produtos.

O Relatório de Atividades de 2019 mostra também como o ETCO ampliou sua participação em eventos internacionais, com a presença no V Encontro da Aliança Latino-Americana Anticontrabando (ALAC), na Costa Rica, no 13º Fórum Parlamentar de Inteligência e Segurança, no Paraguai, e na reunião da Força-Tarefa de Combate ao Mercado Ilícito da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), na França.

A publicação pode ser lida na internet ou em formato PDF a partir deste link.

Contencioso tributário brasileiro ultrapassa 50% do PIB

O Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, ETCO e a EY, apresentaram, no dia 28/11, em São Paulo, o estudo “Os Desafios do contencioso tributário no Brasil”, um mapeamento dos principais desafios desta prática no Brasil e potenciais medidas mitigadoras. O levantamento considera alguns aspectos relevantes do contencioso em comparação com outros países:  Alemanha, Austrália, Estados Unidos, Índia, México e Portugal.

Veja as principais conclusões do estudo

Durante o evento para apresentação do estudo também realizado o lançamento do Livro “Segurança Jurídica e Tributação”, dos jornalistas e escritores, Oscar Pilagallo e Fernando Mello. O material foi baseado nas análises dos renomados tributaristas, Gustavo Brigagão, Hamilton Dias de Souza, Heleno Torres, Humberto Ávila e Roberto Quiroga Mosquera.  Na ocasião, o time técnico tributário da EY detalhou os principais resultados do estudo, que foram debatidos pelos tributaristas Roberto Quiroga e Breno Vasconcelos, em conjunto com Edson Vismona, presidente do ETCO e Érica Perin, sócia da EY para a área de impostos.

“Para o Brasil atrair investimentos, crescer e prestar os serviços públicos à população, é preciso que o Estado arrecade os impostos que lhe são devidos e as empresas tenham segurança em relação às normas tributárias vigentes. Hoje, o País enfrenta dificuldades em ambas as direções, o que compromete o desenvolvimento dos negócios”, afirma Edson Vismona, presidente do ETCO.

Ainda segundo o executivo, a relação do fisco brasileiro com o contribuinte precisa mudar. “O governo não pode considerar os contribuintes de boa e de má fé da mesma forma. Hoje, já existem mecanismos elaborados para a identificação dos chamados devedores contumazes e é preciso que haja uma diferenciação no tratamento dos casos, completa Vismona. 

Para a sócia da EY, Érica Perin, compreender o contencioso tributário do Brasil é importante tanto para os contribuintes, quanto para o governo. “O alto estoque de crédito tributário, a morosidade na solução dos litígios e as estratégias da fiscalização para a eficiência das autuações têm impactos no orçamento dos entes federativos, na atividade empresarial e, de modo geral, na vida dos contribuintes”, afirmou.

O estudo “Os Desafios do contencioso tributário no Brasil”, revelou importantes pontos relacionados à segurança jurídica tributária, como:

Contencioso tributário da União já ultrapassa a metade do PIB

O estoque de crédito tributário contencioso da União, composto por crédito tributário da Receita Federal do Brasil (RFB) e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), alcançou R$ 3,4 trilhões em 2018, segundo dados do Balanço Geral da União. Esse valor é superior às receitas realizadas pela União e atingiu 50,5% do PIB em 2018. Se arrecadado, tornaria o patrimônio líquido da União positivo (desde 2015, encontra-se negativo).

Processos tributários duram quase 20 anos

A conclusão de um processo de contencioso tributário no Brasil leva em média 18 anos e 11 meses, quando somadas as etapas administrativas e judiciais. O tempo foi calculado a partir de dados do (i) Relatório Anual de Atividades de 2017 da RFB; (ii) de relatório sobre julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), disponibilizado pelo órgão em 2015 por ocasião da Operação Zelotes; e (iii) do Relatório Justiça em Números de 2017 e 2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Complexidade induz o aumento do contencioso

Entre os fatores que contribuem para o alto grau de litigiosidade do sistema tributário brasileiro, destacam-se: complexidade da legislação; a quantidade de obrigações acessórias; a extensão do território e das fronteiras do País; a carga tributária elevada; e aspectos relacionados às penalidades, à correção da dívida fiscal e aos programas de regularização tributária que acabam tornando a via contenciosa uma alternativa de financiamento empresarial.

Fisco aumenta o foco em grandes contribuintes

Nos últimos anos, a Receita Federal vem aumentando o foco na fiscalização

de grandes contribuintes, que representaram 68,62% das autuações em 2016 e passaram a 82,05% em 2018. Por um lado, essa estratégia tem impacto na arrecadação. Em 2018, a investigação de 1.882 distorções de arrecadação relacionadas aos maiores contribuintes gerou um resultado de R$ 27,52 bilhões à Receita – um valor recorde para esse grupo específico.

Por outro lado, ela contribui para o aumento do contencioso e seu peso no balanço das empresas. As demonstrações financeiras de sociedades anônimas de capital aberto mostram uma alta representatividade do contencioso tributário nesse grupo de empresas. Em alguns casos, ele chega a ultrapassar o valor de mercado da companhia.

Boas práticas que funcionam em outros países

A experiência e as práticas adotadas em outros países apontam caminhos que

podem orientar uma reforma para dar mais segurança jurídica e reduzir a geração de contencioso no nosso sistema tributário. O estudo analisou seis países mais bem posicionados do que o Brasil (80º colocado) no ranking do Relatório de Competitividade Global 2017/2018 do Fórum Econômico Mundial: Estados Unidos (2º), Alemanha (5º), Austrália (21º), Índia (40º), Portugal (42º) e México (51º), escolhidos por apresentar modelos distintos de soluções de conflitos ou por sua influência direta (Portugal) ou semelhanças econômicas com o Brasil (México). A Índia foi incluída por também demonstrar alto nível de litigiosidade entre o fisco e os contribuintes e por não ter atacado esse problema na profunda reforma tributária realizada em 2017.

Acesse aqui as principais conclusões do estudo:

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