Ao não pagar impostos para poder vender seus produtos mais barato, o devedor contumaz prejudica, primeiro, a empresa concorrente que recolhe os tributos de maneira correta. Em muitos casos, a prática desleal é tão violenta que chega a inviabilizar a operação do empresário honesto. Além disso, o dinheiro que ele não paga ao Estado acaba fazendo falta para o financiamento de projetos de interesse de toda a população. Para melhorar a saúde e a educação, construir estradas, portos e aeroportos ou investir em segurança pública, os governos dependem dos impostos que o devedor contumaz se recusa a pagar.
Para compensar essas perdas, o Estado muitas vezes acaba aumentando a carga tributária do País. Quem já paga impostos é penalizado novamente – e a vantagem ilícita do devedor contumaz fica ainda maior. Ainda, com o aumento dos impostos, os preços dos produtos também sobem. Esse círculo vicioso desestrutura o mercado, afeta o crescimento da economia e prejudica empresários, trabalhadores de todos os setores e o próprio consumidor.
AUMENTO DA INADIMPLÊNCIA
Não existem estudos específicos sobre o tamanho do prejuízo causado pelo devedor contumaz em todos os segmentos da economia. No entanto, dados da Secretaria da Fazenda de São Paulo, responsável pela arrecadação de impostos do maior mercado do País, indicam aumento no número de empresas que declaram suas vendas, mas não pagam os respectivos tributos.
Em comparação com 2011, a inadimplência do ICMS paulista chegou até a cair um pouco em 2012, mas desde então não para de subir, acumulando 25% de aumento até 2015. “É algo que não se deve tolerar por dois motivos”, afirma o secretário da Fazenda, Renato Villela. “Primeiro, a própria necessidade da geração de recursos para o financiamento de políticas públicas. Mas também por conta da questão da concorrência, da justiça ou da equidade concorrencial nos mercados.”
Um estudo do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom) concluiu que, apenas nesse segmento, o devedor contumaz causa uma perda diária de R$ 6 milhões em arrecadação de impostos. Por ano, são mais de R$ 2 bilhões.
ONDA DE DESTRUIÇÃO NO MERCADO
O diretor de planejamento estratégico do Sindicom, Helvio Rebeschini, fala sobre o prejuízo que esses empresários inescrupulosos provocam no setor: “Esse empresário, via de regra, adquire o controle sobre uma determinada geografia, uma determinada região, e quando entra em operação é como uma gota que cai numa bacia d’agua… Cria uma onda de destruição”.
Rebeschini conta que somente um grupo do setor estaria com débitos de ICMS superiores a R$ 3 bilhões com os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Dados do Sindicom indicam que, nos últimos cinco anos, os devedores contumazes deixaram de recolher R$ 12 bilhões em impostos. “É um meio para lavar dinheiro”, diz. “A consequência disso é falta de recurso para o Estado, é aumento de carga tributária para todos os demais participantes que são bons pagadores; é a desestruturação do mercado. Alguém tem que pagar a conta. Se esse empresário não paga, para o empresário honesto, que já arcou com os seus tributos, pois tem a carga tributária majorada para compensar os que não pagam, e, no final, para a sociedade.”
Segundo o advogado Luciano Godoy, especialista no assunto, existem hoje no País postos abastecidos por uma grande distribuidora que vendem o combustível por valor abaixo do preço de custo para um empresário que paga corretamente os impostos. A conclusão é de um estudo feito com base em dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) (veja gráfico acima). “Há algumas pessoas, na verdade um volume até grande, vendendo abaixo da margem, o que derruba o preço médio para abaixo do preço da margem bruta da gasolina”, diz Godoy. “Então, alguma coisa não está funcionando.”
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Furtado Coelho, acredita que a permanência do devedor contumaz no mercado pode acabar inviabilizando até mesmo o futuro do País. “Se o sistema estimular práticas predatórias, como a reiterada sonegação tributária, como forma de efetuar a concorrência desleal no mercado, então estamos contribuindo para o insucesso de nosso País”, sentencia Coelho.