REVISTA ETCO – EDIÇÃO 27
DEZEMBRO, 2021
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Projeto contra o devedor contumaz avança no Senado

PLS 284 é aprovado pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor e está pronto para ir a votação em plenário

Por ETCO
23/11/2021

Finalmente, voltou a andar. Mas não podemos sossegar enquanto não virar lei. Não vejo justificativa para não ser aprovado um projeto que combate uma prática tão nociva ao ambiente de negócios e ao País quanto o devedor contumaz de tributos.”

É nesse tom, que mistura comemoração e indignação, que o presidente executivo do ETCO, Edson Vismona, comenta o avanço na tramitação do PLS 284/17 no Senado. No final de setembro, o relatório do senador Fabiano Contarato (Rede-ES) foi aprovado pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC), última fase antes da sua apreciação pelo plenário do Senado. Depende agora, portanto, da decisão do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de colocar o projeto na pauta de votação.

Vismona e Contarato participaram em setembro de um debate sobre os Impactos do Devedor Contumaz na Economia do País promovido pelo site Poder360, juntamente com a ex-senadora Ana Amélia Lemos, autora do PLS 284, o general Guilherme Theophilo, CEO do Instituto Combustível Legal, associado do ETCO, e o procurador da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional Claudio Seefelder (veja matéria na pág. 9).

O combate ao devedor contumaz de tributos constitui uma das principais bandeiras do ETCO. Diz respeito a uma prática concorrencial ilícita que afeta principalmente setores produtivos de alta tributação, como combustíveis, cigarros e bebidas. Ela consiste na estruturação de empresas com o propósito de não pagar impostos – até declara o imposto, mas nunca paga, essa é a característica da inadimplência contumaz.

A diferença pode parecer sutil, mas não é. No Brasil, quem vende produtos de forma clandestina, sem informar ao Fisco, responde pelo crime de sonegação tributária na esfera penal e pode até ser preso. Mas, declarar e ficar devendo imposto não é crime, e as punições aos devedores se limitam ao campo financeiro. O problema é que os processos tributários no Brasil são muito demorados, com duração média próxima de vinte anos. E os devedores contumazes se aproveitam dessa fragilidade do sistema para ganhar dinheiro às custas da concorrência desleal e do erário.

Modus operandi

Eles agem assim: montam empresas, geralmente em nome de “laranjas”, vendem seus produtos por preços impraticáveis para quem recolhe os impostos corretamente, declaram essa movimentação ao Fisco, mas simplesmente não pagam os tributos. Enquanto os processos de cobrança percorrem todas as esferas administrativas e judiciais, os verdadeiros donos vão desviando os lucros para outros negócios de maneira difícil de rastrear.

Quando a empresa é condenada em última instância pela Justiça, não há patrimônio para liquidar a dívida. Os donos abandonam aquele negócio e montam outro para fazer tudo novamente, em nome de novos “laranjas”. Nesse movimento contínuo, destroem os competidores honestos, afastam investimentos de empresas idôneas e ficam com o dinheiro dos impostos de que o Estado depende para cumprir o seu papel em áreas como saúde, assistência social, educação e segurança pública.

Combater essa prática tão nociva ao ambiente de negócios tem sido especialmente difícil por não existir no País uma lei nacional distinguindo o devedor contumaz dos devedores legítimos, que deixam de pagar seus tributos em determinados períodos, mas têm condições e interesse de resolver a situação no futuro. Leis estaduais, criadas para combater a inadimplência contumaz do ICMS, costumam ter sua constitucionalidade contestada por grandes devedores, em processos que se arrastam na Justiça por vários anos.

Mudanças com apoio do ETCO

A solução para o problema começou a ser desenhada em 2003, na aprovação da Emenda Constitucional nº 42, que incluiu o artigo 146-A na Constituição Federal, com a contribuição e o apoio do ETCO. O dispositivo autorizou a criação de lei complementar estabelecendo “critérios especiais de tributação com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência”. Desde então, o ETCO e seus associados vêm tentando sensibilizar o Congresso, responsável por esse tipo de iniciativa, sobre a importância da aprovação dessa lei complementar nacional.

Em 2017, a maré parecia ter virado contra os devedores contumazes quando a então senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) apresentou ao Senado o PLS 284/17, propondo a regulamentação do artigo constitucional. O projeto foi debatido e aperfeiçoado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da Casa, que no ano seguinte analisou e aprovou um substitutivo do relator, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).

Mas, em 2019, uma nova legislatura tomou posse – e dela não fazem parte nem a senadora Ana Amélia, nem o senador Ricardo Ferraço. E o projeto ficou parado por mais de um ano, até ter sua relatoria na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) assumida, em maio deste ano, pelo senador Fabiano Contarato, que agilizou sua tramitação.

O texto aprovado pela CTFC em setembro tem o mesmo teor da proposta que passou pela Comissão de Assuntos Econômicos em 2018. Ele autoriza União, Estados e municípios a adotar regimes especiais contra empresas dos setores de combustíveis, cigarros e bebidas que praticam “inadimplência substancial, reiterada e injustificada do tributo” de modo que possa causar desequilíbrio concorrencial.

O que diz o PLS 284/17

O PLS estabelece sete critérios especiais que podem ser aplicados contra os devedores contumazes: manutenção de fiscalização ininterrupta no estabelecimento; controle especial do recolhimento do tributo, de informações econômicas, patrimoniais e financeiras; instalação compulsória de equipamentos de controle de produção, comercialização e estoque; antecipação ou postergação do fato gerador; concentração da incidência do tributo em determinada fase do ciclo econômico; adoção de alíquota específica, por unidade de medida, ou ad valorem, incidindo sobre o valor da operação ou sobre o preço que o produto ou seu similar alcançaria em uma venda em condições de livre concorrência; e adoção de regime de estimativa.

O projeto preserva todos os direitos de defesa dos contribuintes. Mas coíbe de maneira mais rápida a atuação do devedor contumaz ao permitir a suspensão do registro de funcionamento da empresa que não colaborar com os critérios do regime diferenciado. E o cancelamento do registro caso adote também uma das seguintes condutas: tenha sido constituída para a prática de fraude fiscal estruturada, inclusive em proveito de outras empresas; esteja em nome de “laranjas”; participe de organização constituída com o propósito de não recolher tributos ou de burlar os mecanismos de cobrança de débitos fiscais; produza, comercialize ou estoque mercadoria roubada, furtada, falsificada ou adulterada; utilize como insumo mercadoria objeto de contrabando ou descaminho.

O PLS 284 já cumpriu as etapas do debate público e foi aprovado em duas comissões do Senado. “Resta agora ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, incluí-lo na agenda de votação”, diz o presidente do ETCO. “E aos senadores, dizer que País nós queremos: aquele em que empresários honestos, que pagam os impostos que promovem o desenvolvimento da nação, podem disputar o mercado em condições de igualdade ou um Brasil que favorece o errado.”

 

Impactos na economia do País

O site Poder360 realizou, no dia 15 de setembro, o webinário Impactos do Devedor Contumaz na Economia do País. O debate ocorreu duas semanas antes da aprovação do relatório do senador Fabiano Contarato (Rede-ES) pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC). Participaram do evento o senador Contarato, o presidente executivo do ETCO, Edson Vismona, a ex-senadora Ana Amélia Lemos, autora do PLS 284, o general Guilherme Theophilo, CEO do Instituto Combustível Legal, e o procurador da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional Claudio Seefelder.

A seguir, trechos do que disseram os debatedores:

Conivência com os sonegadores

Senador Fabiano Contarato(Rede-ES), relator do PLS 284 na CTFC

“Passou da hora do Estado dar uma resposta para aquele empreendedor que efetivamente cumpre honestamente e recolhe todos os tributos, para prestar um serviço de qualidade e cumprir o que manda o estado democrático de direito. Porque todas as leis devem ser cumpridas por todos de forma a assegurar a livre concorrência de forma justa, de forma igualitária. Esse projeto vem num momento bastante oportuno porque, quando o Parlamento não dá essa resposta para coibir a conduta desse devedor contumaz, ele está sendo conivente com essa prática.

A omissão do Estado é relevante sim quando ele não implementa medidas que vão mitigar ou reduzir essa forma criminosa de agir dos devedores contumazes de grandes setores, como tabaco, bebidas e combustíveis.

O devedor contumaz existe porque o Estado é ineficiente na fiscalização. Se o Estado é ineficiente e nós temos ações de cobrança que se eternizam no sistema jurisdicional, ele tem a possibilidade e a certeza da impunidade. Não é nem a sensação, é a certeza da impunidade.

Então ele se vale desse mecanismo criminoso para ter ganho imediato, fácil, que vai afetar a igualdade da livre concorrência. Com isso, ele vai fazer com que o empreendedor honesto, que cumpre com todas as normas, com o recolhimento dos seus tributos, não se sustente no mercado.”

Prejuízos à concorrência e ao País

Ana Amélia Lemos, ex-senadora, autora do PLS 284/17

“O devedor contumaz é fruto um pouco da complexidade do nosso sistema tributário e fiscal, que permite exatamente a prática do crime da sonegação. Ele provoca uma concorrência absolutamente desleal com aqueles empreendedores e empresários honestos, em áreas muito sensíveis aos tributos, como combustíveis, cigarros e bebidas alcoólicas.

O projeto trata de combater o devedor contumaz, nada a ver com aquele devedor eventual que em algum momento da sua atividade econômica tenha tido algumas dificuldades. E até ao devedor contumaz a lei dá todas as garantias e os direitos de ampla defesa. Então, não há o que discutir mais sobre a amplitude do debate feito no Senado Federal, em várias comissões. O alcance dessa medida é também melhorar o ambiente de negócios em nosso país.

Um país sério não pode conviver com esse grau de sonegação de um dinheiro que faz falta para áreas de saúde, educação, inclusão social.

A minha contribuição foi ter acolhido uma argumentação muito bem-feita por todos os atores desse mercado, inclusive o ETCO, que trabalhou tão intensamente, e o Instituto Combustível Legal.”

Resistências estranhas no Parlamento

Edson Vismona, presidente executivo do ETCO

“A causa do devedor contumaz é absolutamente convergente entre os interesses dos contribuintes com o erário. É estranho ver como um projeto convergente assim sofre resistências. Um projeto de lei que combate aquele que se estrutura para dolosamente não pagar impostos, lesando o Fisco em bilhões, lesando a concorrência leal, porque ele consegue ter uma vantagem absolutamente ilícita, lesando o consumidor, porque por trás de uma ação do devedor contumaz nós não vamos identificar as melhores práticas de mercado.

É muito comum identificarmos o devedor contumaz fraudando combustíveis, vendendo cigarros ilegais. Mas é um retrato do que vemos neste país: nem sempre o que é certo, o que representa os legítimos interesses nacionais, tem acolhimento.

Nós temos que harmonizar esse entendimento, consolidar essa bandeira e defender o que é justo. Fazer a diferenciação do que é o contribuinte que pode estar passando por uma dificuldade e não pagar imposto, é da vida, daquele que se estruturou para não pagar imposto. Ele cria um sistema de laranjas. A máxima dele é ´devo, não nego, não pago´”.

Ligação com facções criminosas

Guilherme Theophilo, CEO do Instituto Combustível Legal

“Normalmente, os devedores contumazes estão ligados a facções criminosas, estão ligados ao mal, então eles participam também da derivação de dutos, das fraudes nas bombas de gasolina, uma série de adventos que vêm com o devedor contumaz. Porque a índole dessa pessoa já é uma índole má.  Ele já está voltado para a desonestidade, para a falta de ética, para a falta de transparência. Só em 2018, segundo dados da FGV, nós tivemos R$ 14 bilhões de sonegação no setor de combustíveis.

É urgente a aprovação do PLS 284. Porque nós precisamos estar respaldados numa lei, porque hoje a gente faz, descobre a fraude, mas daí no outro dia ele já está funcionando com outro nome, com outra pessoa. Estamos pensando, junto com o ETCO, com o IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), o Sindicom (Sindicato das Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes), em integrar esses esforços para apoiar uma Frente Parlamentar Mista do Combustível. Isso é fundamental para que a gente divulgue dentro do Congresso Nacional essa pauta tão importante, de um dos setores que têm a maior arrecadação para os governos.”

Separar o joio do trigo

Claudio Seefelder, procurador da PGFN

“Esse PLS dá concretude aos princípios da isonomia tributária, da livre concorrência, da livre iniciativa, da neutralidade tributária e do dever fundamental de pagar tributos. A importância desses instrumentos normativos é possibilitar um tratamento diferenciado e rígido ao devedor contumaz.

É fundamental essa norma para a gente separar o joio do trigo: distinguir o devedor que realmente passa por uma situação momentânea e que busca os instrumentos de parcelamento, transação tributária, para se restabelecer e pagar para ficar em dia com os seus tributos, daquele que tem uma prática reiterada de sonegação.

O STF tem dado sinalizações no sentido de tratamento diferente ao devedor contumaz. Os acórdãos do Supremo estão com a tinta voltada para esse devedor contumaz, por interposta pessoa, com fraude, simulação e com dolo. Tenho certeza de que todo mundo que é sério neste país está querendo restabelecer a legalidade.

Essa norma nova, que vai dar consequência ao ato praticado pelo devedor contumaz, vai ser um instrumento muito valioso na luta diária que a gente tem há muito tempo na busca de recuperar ativos, recursos, desses devedores que desequilibram o mercado concorrencial.”

 

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