As empresas e a defesa do mercado legal

Inicialmente o foco estava no produto, a indústria deveria aperfeiçoar os meios de produção, diminuir custos para atender a demanda com preços atrativos. Para isso foi fundamental o desenvolvimento da linha de montagem, com a fabricação em série aumentando significativamente a oferta. O consumidor compraria o que lhe era oferecido. Henry Ford disse: “O cliente pode ter o carro que quiser, contanto que seja preto”. Essa frase traduz essa concepção, o menor custo em menos tempo, mantendo o padrão na fabricação.

Entretanto, superada a conquista do bem, o consumidor passou a exigir mais e quem oferecesse produtos com melhor qualidade e menor custo teria vantagem. A concorrência ficou mais acirrada. Nessa direção, para conquistar o mercado foram desenvolvidas estratégias de venda, de marketing, propaganda. O processo de venda ficou mais e mais sofisticado.

Aperfeiçoamento constante da qualidade, da tecnologia, a busca permanente da inovação são mandamentos, mas além do produto, da oferta e da compra, cada vez mais se fortaleceu o pós — venda. As empresas devem entender e atender o consumidor, especialmente se o produto tiver algum problema. O respeito ao cliente é uma obrigação das empresas. O discurso do presidente John Kennedy em 15 de março de 1962 ao afirmar “Consumidores, somos todos nós” iniciou uma nova era apresentando os direitos fundamentais dos consumidores: segurança; informação; livre escolha e de ser ouvido.

Porém, além de atender esses fundamentos, novos desafios são apresentados. Não basta enfrentar a natural concorrência na conquista do mercado, cada vez mais as empresas têm que encarar a insidiosa ação de concorrentes que buscam na ilegalidade o lucro sem atender às regras vigentes, desvirtuando o sentido de concorrência leal. Assim, a contrafação, falsificação, pirataria, contrabando, fraudes, roubo de cargas, evasão fiscal e subfaturamento na importação representam hoje preocupações que os empresários devem ter, dedicando recursos financeiros e humanos nesse esforço de afastar essas constantes ameaças.

Não há setor produtivo que esteja imune às ações do mercado ilegal, que só em 2021, por dados colhidos pelo Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade junto a quinze setores produtivos, movimentou R$ 300,5 bilhões no Brasil (soma das perdas das empresas mais a estimativa de evasão fiscal).

Assim, os dirigentes empresárias também tem que definir estratégias para defender o mercado legal, seja com ações junto aos poderes públicos para combater a oferta do ilegal e desestimular a demanda, onde o preço é fator determinante, impactado diretamente pelos impostos que só o legal paga.

Nesse contexto complexo, importante ressaltar que o consumidor é fundamental, seu poder de escolha define o rumo do mercado e no mesmo sentido os agentes públicos podem coibir a oferta ilegal. No momento em que tiverem conhecimento sobre a origem do produto, se são respeitadas as normas técnicas que garantem sua saúde e segurança, se o produto não foi roubado, se pagou os impostos devidos e ter um canal direto com a empresa que o fabricou, o espaço do mercado ilícito será contido.

Essas condicionantes já são atendidas por atuais tecnologias digitais de rastreabilidade sistêmica, que mediante uso da nanotecnologia e da blockchain marcam produtos e remetem a um processo de comunicação direta do produto com o consumidor, via smartphones que podem ser aplicadas nos mais diversos materiais (plástico, metal, líquidos, papel, tecidos, ouro, diamantes e explosivos). Nesse contato imediato, acessível por QR Code inteligente, todas as informações poderão ser geradas pelas empresas de modo a identificar a originalidade, conformidade, se foi roubado ou se está indexado à nota fiscal. De modo muito singelo, na pandemia, o acesso aos cardápios pelos smartphones, via QR Code, popularizou essa tecnologia ainda que em um nível básico.

Essa inovação está sendo estimulada por medidas da administração pública. O Exército Brasileiro definiu por meio da Portaria n.º 122 da COLOG de 15/09/2021 a marcação de explosivos que viabiliza a rastreabilidade mesmo depois de detonados e a Receita Federal, pela portaria 165 de 12/04/2022 instituiu o Programa Brasileiro de Rastreabilidade Fiscal (Rota Brasil) com o objetivo de “criar um padrão nacional aplicável aos controles sistêmicos de produção e de rastreabilidade de produtos, identificando a origem do produto e seu acompanhamento na cadeia produtiva, além da repressão da importação e produção ilegais e da comercialização de contrafações”.

Em verdade, as empresas têm na rastreabilidade um poderoso instrumento que permitirá o efetivo combate à ilegalidade, incorporando o consumidor e a autoridade pública nessa ação e, importante, com custo viável e sem interferir na linha de produção, protegendo consumidores, a reputação das marcas, atendendo regras de compliance e os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU.

Régua e compasso estão à disposição para esses novos rumos no desafio desse século de defender a ética no mercado e preservar as empresas que estimulam a economia gerando investimentos, empregos e renda.

Brasil: Perdas e ganhos

Ao identificarmos prejuízos causados por uma ação procuramos demonstrar as perdas em valores para facilitar a compreensão e a extensão dos danos.

Assim, ao estimarmos o impacto do mercado ilegal; o tamanho da informalidade e do contencioso tributário, extraímos números que refletem as perdas e, por consequência, os ganhos se esse espaço fosse ocupado pela legalidade, formalidade e racionalidade na aplicação do nosso sistema tributário.

Temos instituições que desenvolvem métricas procurando aferir a dimensão desses desvios.

O ETCO desenvolveu com o IBRE/FGV o índice da economia subterrânea realizado desde 2003 e que em 2021 atingiu a cifra de R$ 1.3 trilhão que representa 16,8% do PIB brasileiro e com a consultoria EY patrocinou estudo internacional que apurou que o contencioso tributário, nas instâncias administrativas e judiciais, alcança o espantoso montante de R$ 3.4 trilhões.

Com relação à informalidade no varejo brasileiro o IDV — Instituto para o Desenvolvimento do Varejo realizou com a consultoria McKinsey & Company um levantamento que indica que a evasão fiscal no varejo físico é de 25% a 34% e no digital de 33% a 37% das vendas (que vem tendo um crescimento contínuo na oferta de produtos ilegais e sem nota fiscal), com valores entre R$ 95 e R$ 125 bilhões.

Já o Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade recolhe dados de 15 setores produtivos (vestuário; combustível; higiene pessoal, perfumaria e cosméticos; bebidas alcoólicas; defensivos agrícolas; TV por assinatura; cigarros; material esportivo; óculos; PCs; softwares; celulares; audiovisual; perfumes importados e brinquedos) desde 2014 e o levantamento relativo ao ano de 2021 demonstra que esses setores tiveram perdas de R$ 205.8 bilhões que somados aos R$ 94,7 bilhões (estimativa conservadora de média de 46% de impostos não arrecadados) alcança o montante de R$ 300.5 bilhões. Em comparação com 2014 o mercado ilegal (contrabando, pirataria, contrafação e fraudes) cresceu três vezes.

Essas cifras de bilhões e trilhões de reais relacionadas às perdas da indústria, comércio e da economia formal faz com que imaginemos qual seria o ganho para a geração de empregos, arrecadação e impulso para o nosso desenvolvimento e inovação. Um singelo exemplo, somando a sonegação do varejo e da indústria indicada somente nos levantamentos do IDV e do FNCP seria possível financiar 18 milhões de bolsas famílias por mais de 38 meses com o valor mensal de R$ 300.

Essas projeções se limitam a números e ao que poderia ser gerado em ganhos para toda a sociedade, entretanto essas perdas para a sociedade não podem ser mensuradas somente em valores monetários, pois têm outras consequências seja para a segurança pública, aumento da corrupção e diminuição de investimentos produtivos.

As nossas forças policiais e da Receita (federal, estaduais e municipais) comprovam que organizações criminosas são financiadas com esses recursos sonegados, estimulando também o tráfico de drogas e de armas.

De outro lado, nível de emprego é afetado. Fábricas foram fechadas e outras estão ameaçadas, inclusive com o crescimento de empresas devedoras contumazes que se estruturam para nunca pagar impostos e, assim, corroem a concorrência. Os setores de combustíveis e tabaco têm sofrido com essa ação, mas também o setor têxtil vem sendo abalado.

As diversas faces da ilegalidade e as operações de devedores contumazes formam um fenômeno econômico criminoso, que tem que ser atacado pela oferta e pela demanda. Oferta, com repressão, mediante ações integradas e coordenadas das forças policiais e das receitas.

Já a demanda é motivada pelo preço que é menor no ilegal graças à sonegação e deve ser enfrentada com mudanças no sistema tributário. Um exemplo do que pode ser feito é a recente simplificação da cobrança de ICMS dos combustíveis, definindo a monofásica e a alíquota única para todos os Estados, que deverá diminuir o espaço dos sonegadores.

Em verdade, não podemos menosprezar os efeitos do mercado ilegal e a consequente sonegação. A grandeza das perdas e o que poderia ser revertido em ganhos para toda a sociedade demonstram que a ilegalidade tem que estar na agenda, de modo permanente, dos setores produtivos e do poder público, que devem atuar em cooperação no combate daqueles que desprezam a lei. Os danos não podem ser ignorados, pois prejudicam todos os brasileiros que arcam com suas obrigações e as nossas expectativas de futuro.

Cidades seguras e éticas

Aprendemos que, na essência, a civilização tem por fundamento a convivência. Na nossa evolução desenvolvemos meios para a solução dos conflitos, definindo regras, expressas em leis que devem por todos ser cumpridas.

Essa realidade fica ainda mais visível com o crescimento das cidades, em grandes aglomerações que abrigam mais e mais pessoas, desafiando a humanidade em encontrar soluções para a geração de empregos e renda; habitação; meio ambiente; mobilidade; lazer; cultura e, ainda, contenção da violência, em suma, respeito à dignidade.

No espaço urbano temos a expressão de grandes realizações e frustrações, onde a atração exercida pelo consumo se desdobra no crescimento do comércio e dos serviços.

 As atividades econômicas atraem investimentos e também a cobiça de quem quer agir na busca do lucro sem qualquer preocupação com as regras vigentes, procurando obter vantagens sem se importar com os meios. O respeito ao consumidor, às posturas municipais, à criação de empregos formais, ao pagamento de impostos é solenemente ignorado.

Interessante notar que essa postura, muitas vezes, é aceita por parte da sociedade que acha que a oferta de produtos e serviços de modo ilegal é aceitável, que não significa um problema que mereça maior atenção por parte do poder público.

Em verdade, constatamos que há sim uma perversão nessa prática relacionada com a ilegalidade, que afeta a todos. A inversão de valores contamina a nossa convivência, gerando mais e mais desigualdades, estimula a evasão de investimentos e fiscal, deteriorando as relações sociais, atraindo a violência.

Em uma visão mais restrita, é certo que o crescimento do comércio ilegal — distante de qualquer regulamentação, amplia o sentido de conturbação e desordem do espaço urbano e afasta o sentido de pertencimento do cidadão.

Áreas como as regiões da rua 25 de Março e Brás em São Paulo, e outras similares em grandes cidades brasileiras e em todo o mundo, atestam que a proliferação, sem restrições, de camelôs nas calçadas e de “shoppings” com milhares de boxes, sem respeitar normas relacionadas com a segurança, alugados para a venda de produtos ilícitos, prejudicam a compreensão de respeito ao espaço que é de todos e favorecem a ação de verdadeiras organizações criminosas que atuam desde o contrabando, falsificação e distribuição de mercadorias, até o tráfico de drogas, roubos e receptação.

A contenção dessa ocupação não inclusiva é uma obrigação das autoridades públicas e deve ser organizada de modo sistêmico e sistemático. A cidade de São Paulo tem avançado, de um lado, com as ações reiteradas de combate ao comércio ilegal, com a apreensão de mais de 3.500 toneladas de produtos ilícitos (contrabandeados, piratas, falsos e contrafeitos) e, de outro, incentivando o empreendedorismo popular, sem ilegalidade e desenvolvendo intervenções urbanas, devolvendo a “urbis” para a cidadania. Essa postura exige um forte compromisso da liderança política, pois, a prática criminosa encontra respaldo em extratos da sociedade com grande influência.

A segurança atrai a convivência nas cidades e engloba múltiplas iniciativas, políticas públicas envolvendo ações policiais e sociais, a participação da sociedade civil, apoio às medidas de inclusão e diversidade e também a racionalização da ocupação do espaço público É certo que a presença do Estado afasta a ação do crime.

Na próxima Exposição e Congresso Mundial “Smart City”, em Barcelona, serão abordados diversos aspectos que impactam a evolução das cidades para que sejam mais acolhedoras. Devemos acompanhar esses temas que têm direta relação com o nosso cotidiano e influenciam as nossas perspectivas de futuro.

Em resposta a líderes políticos que reverberam comportamentos desprezíveis, em vez de procurar servir como exemplo de retidão e respeito à lei, devemos valorizar iniciativas voltadas para a conscientização das pessoas, de estímulo à legalidade, à ética, que são necessárias para que possamos evoluir na construção de uma sociedade que valorize ganhos para todos e não vantagens para poucos. Resgatar o espaço público para as pessoas, afastando a ocupação por negócios escusos.

A defesa do contribuinte na Reforma do Imposto de Renda

Diz um antigo dito popular que ao nascermos temos duas certezas: vamos morrer e pagaremos impostos.

Quanto à primeira, nada podemos fazer, quanto à segunda, devemos, ao menos, procurar conter a volúpia do Estado (em qualquer governo) e estabelecer parâmetros de justiça e racionalidade.

Historicamente no Brasil essa ação de contenção do ânimo arrecadatório não tem sido fácil. Desde o achamento dessas “terras brasilis” nos deparamos com o crescimento da busca por mais recursos pelo Estado sem considerar o contribuinte.

A racionalização das despesas e combate aos desperdícios de recursos públicos é uma quimera e resta ao cidadão arcar com o ônus do desequilíbrio entre o que é gasto e o que é arrecadado, sendo cada vez mais onerado.

As empresas e os cidadãos, que pagam impostos e mantêm seus registros regulares, são muitas vezes vítimas de procedimentos que podem ser considerados abusivos.

É flagrante a transformação de punições, que deveriam ser exceções, em regra, exemplo, a utilização indiscriminada da representação fiscal para fins penais e a aplicação da multa agravada com acréscimo de 150%, antes mesmo de ser comprovada qualquer fraude, a interpretação do auditor fiscal já basta.

Estudo patrocinado pelo ETCO com a consultoria EY apontou esses desvios que incentivam discussões nas esferas administrativa e judicial, gerando um contencioso de mais de R$ 3,4 trilhões. Os contribuintes que legitimamente procuram se defender frente às interpretações discutíveis ou erros, são protestados, multados em excesso e coagidos com a ameaças de natureza penal, restando exercer seus direitos em todas as instâncias em processos que levam mais de vinte anos.

De outro lado, a atuação dolosa dos devedores contumazes causa impacto de bilhões em evasão fiscal. Por meio da constituição de empresas laranjas e de liminares sem fim, vão postergando o pagamento de impostos, conseguindo um financiamento indevido para fortalecer suas operações, prejudicando a leal concorrência. No final, com essa inadimplência reiterada, nós, contribuintes sustentamos esse empreendedorismo fundado na ilegalidade,

A sociedade fica entre duas posturas indignas: o devedor contumaz que se estrutura para não pagar impostos assume o “Devo, não nego e não pago” e de outro, o Estado que quando cobrado se escora no “Devo, não nego, pagarei quando puder”.

Essas posturas demonstram que há algo de muito errado no Brasil (infelizmente há muita coisa errada), especialmente na subversão de valores. Em vez de facilitarmos e incentivarmos as melhores condutas, criamos dificuldades e obstáculos para quem quer cumprir suas obrigações e, por outro lado, quem opera na obscuridade encontra caminhos para continuar progredindo à margem da lei.

Recentemente tivemos mais uma prova de desrespeito ao contribuinte, o pacote tributário — que alterou profundamente a taxação da renda, aumentando ainda mais a complexidade tributária — foi votado pela Câmara em regime de urgência, diminuindo o espaço para aprofundar a avaliação dos impactos que, após a aprovação, estão sendo identificados. Mais uma vez, quem paga não tem nem o direito de discutir, questionar. Se há erros, paciência. E a necessária segurança jurídica foi assim, mais uma vez, subvertida.

A nossa realidade histórica demonstra que, com certeza, estamos atrasados na constituição de uma legislação que consolide os direitos dos contribuintes. O cidadão na condição de consumidor e de usuário do serviço público já conquistou leis que o protege contra abusos, mas como pagador de impostos que sustenta o Estado, ainda não tem instrumentos mais efetivos de defesa.

Está na hora de evoluir, assegurando o respeito aos direitos do contribuinte, reformulando o processo tributário, definindo normas contra abusos e distinguindo quem procura cumprir suas obrigações de quem faz de tudo para se afastar dolosamente das determinações legais.

Esse movimento precisa ser incentivado em linha com os estudos realizados pela Comissão criada pelo Conselho Nacional de Justiça, com a participação da Receita Federal, que está fazendo um diagnóstico sobre o contencioso tributário, com o objetivo de conter seu crescimento, inclusive apontando para a elaboração de um novo Código Tributário Nacional.

O sentido de urgência não deve ser aplicado somente quando há o interesse do erário. A reformulação da relação fisco – contribuinte, contendo abusos daquele e garantindo os direitos deste, deve entrar na pauta legislativa

Diante das certezas apontadas no início desse artigo, já que vamos morrer, pelo menos, paguemos o que é justo.

*Edson Luiz Vismona é advogado, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade — FNCP.  Foi secretário da justiça e defesa da cidadania do Estado de São Paulo (2000/2002)

Ética, sê inteiro

A poesia de Fernando Pessoa ensina: “Para ser grande, sê inteiro…Sê todo em cada coisa…”, essa lição do grande poeta nos inspira a entender que a postura ética assim deve ser, não é possível sermos éticos pela metade, sermos na vida pessoal e não na profissional ou vice e versa.

O mesmo ocorre no ambiente dos negócios, as empresas têm que pautar sua conduta em valores e princípios e não aceitar desvios éticos. Tem que ser plena.

Assim, não é aceitável desrespeitar direitos trabalhistas e permitir práticas de assédio, afirmar que respeita os direitos dos consumidores ou que atende aos processos de integridade, mas vende produtos falsos ou, para garantir uma venda, corrompe agentes públicos.

É comum que as empresas, ao definir sua missão, afirmem que têm o dever de respeitar as leis, os consumidores, os colaboradores e que defendem a preservação do meio ambiente e da sustentabilidade. Contudo, como definiu Aristóteles: “A virtude está em transformar valores em ação”. Assim, somos virtuosos se praticamos os compromissos assumidos. Não basta falar, tem que fazer.

Essa transformação de intenções em ação não é simples. A pressão por resultados, nas empresas e a vontade ou necessidade de comprar pelo menor preço, nas pessoas, podem estimular a aceitação de desvios éticos e legais e até tentar justificá-los. Nos processos da Lava Jato, muitos empresários tentaram explicar a massiva corrupção afirmando que, se assim não agissem, seu concorrente o faria. Teriam sido “obrigados” a aceitar propostas indefensáveis para garantir a continuidade da empresa e que essa era a regra do jogo.

Essa incoerência ética não se sustenta, o desenvolvimento de um país depende da segurança jurídica, ou seja, regras claras e a garantia de que todos as cumprirão é o que estimula e mantém investimentos e a geração de empregos e renda. O Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO, criado em 2003, foi pioneiro nessa postura.

No Brasil, no rastro da ampla repercussão dos escândalos de corrupção que varreram o país, as políticas de integridade assumiram grande relevância, com códigos de ética e canal de denúncias, inclusive como condição para participação em negócios.

Essa necessidade passou a ser uma postura cobrada por investidores, consumidores e colaboradores mais conscientes, validando as métricas do ESG, tão em voga, definindo as obrigações com o meio ambiente, com o social (atenção à comunidade; diversidade, inclusão, segurança psicológica) e governança (combate a quaisquer desvios éticos e legais).

As empresas foram exortadas a assumir compromissos de respeito à convivência e à ética, não aceitando desvios, em todos os seus departamentos e áreas de atuação, exigindo o mesmo de fornecedores e clientes. A esfera pública também vem se alinhando à essa política, com a instalação de controladorias, corregedorias e ouvidorias, estimulando a cultura da integridade.

Acompanhando esse movimento, as associações representativas dos setores produtivos também devem adotar parâmetros de conduta setorial. O combate à corrupção, a defesa da legalidade e dos parâmetros ESG, não podem ser atitudes isoladas, tem que ser ampla. Para a boa convivência no ambiente de negócios, a postura uniforme de conformidade à lei e à ética nos segmentos produtivos preserva a segurança jurídica.

Em verdade, a autorregulação é um caminho que deve ser encorajado, definindo o código de ética setorial, buscando a prevenção de ilícitos, estabelecendo canal de denúncias, enfim, orientando a todos para respeitarem a lei, estimulando a preservação da leal competição e o desenvolvimento de um mercado sólido em princípios e valores.

O momento da tragédia que enfrentamos com a pandemia demonstra que a valorização da ética é fundamental, especialmente diante do oportunismo criminoso daqueles que se aproveitaram da urgência para obter vantagens às custas da saúde pública.

A cultura comportamental do meio empresarial deve evoluir, valorizando a proatividade, com as lideranças conduzindo os rumos éticos das empresas, com apoio das associações setoriais, sem ficarem à mercê de comandos externos que apontem desvios. Quem melhor conhece o mercado deve agir para isolar práticas que corroem a credibilidade e desfiguram os legítimos objetivos da iniciativa privada, que, para serem preservados, devem seguir as melhores práticas.

Essa inteireza ética, preventiva e protagonista resulta em benefícios para toda a sociedade e tem que ser fortalecida.