REVISTA ETCO – EDIÇÃO 25
AGOSTO, 2020
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“O que hoje demora cerca de oito a dez anos para apreciação pelo STF pode ser reduzido a um”

Conheça as propostas do tributarista Hamilton Dias de Souza para melhorar a segurança jurídica do sistema tributário brasileiro

Revista ETCO
20/07/2020

O tributarista Hamilton Dias de Souza, sócio fundador do escritório Dias de Souza Advogados Associados e membro do Conselho Consultivo do ETCO, aponta problemas na postura do Fisco e no funcionamento do Judiciário como fatores importantes para a situação de insegurança jurídica vivida pelos contribuintes brasileiros.

Para ambos os casos, apresenta propostas. Para conter os abusos do Fisco, defende que o Estado e os auditores fiscais sejam responsabilizados pelos prejuízos causados aos contribuintes quando os autuam de maneira arbitrária, particularmente na fixação de multas qualificadas. “Há dispositivo constitucional expresso no sentido de que, se o Estado causar prejuízo a alguém, deve reparar o dano, e se o agente público tiver agido com dolo ou mesmo culpa, deverá responder até pessoalmente”, afirma.

Em relação ao Judiciário, propõe uma mudança profunda no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade de normas tributárias, a qual, em seus cálculos, reduziria o tempo de demora para o caso chegar ao Supremo Tribunal Federal de cerca de oito anos para algo em torno de um.

A seguir, a entrevista que fizemos com ele.

Em vez de prestar ajuda, busca-se o erro

A questão da litigiosidade se deve em grande parte ao fato de a Receita Federal ter uma posição parcial. O agente fiscal, em vez de orientar a empresa e verificar se há boa-fé, normalmente procura o erro, daí autuando a empresa. Mesmo em instruções normativas e respostas a consultas há normalmente uma atitude pró-Fisco.

O que seria desejável? Primeiro, que os atos fossem imparciais, que respeitassem a legalidade e tivessem o objetivo de instruir o contribuinte. Segundo, que o agente fiscal, sobretudo ao autuar uma empresa, não fosse além de uma interpretação razoável da lei, sob pena de ser responsabilizado pelos prejuízos que viesse a causar àquela empresa. Isso é possível, há dispositivo constitucional expresso no sentido de que, se o Estado causar prejuízo a alguém, deve reparar o dano, e se o agente público tiver agido com dolo ou mesmo culpa, deverá responder até pessoalmente. É o que dispõe o artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal.

Alterações na jurisprudência dos Tribunais

Faço críticas ao Judiciário por muitas vezes tomar decisões alterando jurisprudência sobre matéria tributária, criando conceitos novos distintos de doutrina estabelecida, o que contribui negativamente para a segurança jurídica. Mesmo advogados tributaristas como eu muitas vezes têm grande dificuldade de imaginar como vai ser o julgamento do Supremo. Às vezes, os juristas e a doutrina do País inteiro vão numa determinada direção e o Tribunal toma uma decisão que ninguém esperava. Não é razoável que onze pessoas possam decidir inúmeras vezes de forma discrepante do pensamento da maioria da doutrina brasileira. Mas é o que muitas vezes vem ocorrendo. Além disso, a doutrina do Supremo, isto é, a fundamentação que o tribunal utiliza nos julgamentos, varia de um caso para o outro. As empresas ficam desassossegadas, há um clima geral de insegurança.

Por que a decisão final demora tanto

Nosso sistema de controle de constitucionalidade é ruim. Na maioria das vezes, o Supremo decide uma questão após oito, dez anos ou mais do fato gerador da controvérsia. Os casos começam na primeira instância, em que cada juiz dá uma decisão num determinado sentido, vão depois para os tribunais, que também são erráticos, passam pelo STJ, que pode decidir contrariamente aos tribunais de segunda instância, e quando a matéria chega ao Supremo não raro a decisão do STJ é reformada. E o contribuinte passa dez anos sem ter segurança do que será decidido em relação à sua questão.

Controle de constitucionalidade mais rápido

Eu e meu colega Daniel Corrêa Szelbracikowski elaboramos uma proposta de mudança no controle de constitucionalidade no Brasil para enfrentar esse problema.

De forma bem resumida, funcionaria assim: quando o juiz de primeiro grau se depara com uma questão tributária envolvendo conceitos constitucionais abertos ou princípios constitucionais, deve submetê-la a um “incidente de constitucionalidade”. Sem julgar o caso, remete o tema para o tribunal ao qual está jurisdicionado, que teria uma câmara especial para avaliar a relevância da questão suscitada pelo juiz.

Se considerar relevante, o tribunal envia diretamente ao Supremo, que, reconhecendo a pertinência da matéria e entendendo que se trata de questão nacional, passa a tratá-la no sistema de repercussão geral, válido para todas as questões iguais no País inteiro. Durante este período o julgamento do caso ficaria suspenso. Se se entender que a questão constitucional não é relevante, o julgamento continuaria na primeira instância.

Dessa forma, nós não teríamos uma multiplicidade de julgamentos na primeira instância, nos tribunais e no STJ. A questão iria direto para o STF. E aquilo que muitas vezes chega nele depois de oito, dez anos poderia chegar lá em cerca de um ano.

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