REVISTA ETCO – EDIÇÃO 25
AGOSTO, 2020
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“Precisamos mudar a cultura de desconfiança mútua”

Os caminhos para reduzir o contencioso, na visão do Procurador-Geral Adjunto de Consultoria e Contencioso Administrativo-Tributário, Phelippe Toledo Pires de Oliveira

Revista ETCO
20/07/2020

O Procurador-Geral Adjunto de Consultoria e Contencioso Administrativo-Tributário, Phelippe Toledo Pires de Oliveira, acredita que a legislação complexa e a cultura de desconfiança entre o Fisco e os contribuintes contribuem para o nível alto de litígios fiscais verificado no Brasil. “É muito maior do que em outros países”, afirma. Ele cita também o alto número de recursos existentes no sistema processual e potenciais vantagens financeiras de discutir dívidas tributárias nos tribunais como fatores importantes.

Para reduzir o problema, aposta em mecanismos que aproximam o Fisco dos contribuintes, como a adoção dos chamados negócios jurídicos processuais e da transação tributária, que permitem negociações diretas entre a autoridade tributária e o devedor. Defende ainda a criação de programas que prestigiem os bons contribuintes.

A seguir, um resumo da entrevista que fizemos com ele.

Muitos processos e excesso de recursos

A quantidade de processos e o elevado número de recursos existentes no sistema jurídico brasileiro causam lentidão nos julgamentos. Dou o exemplo do processo administrativo tributário em âmbito federal: em primeira instância, o contribuinte efetua a impugnação do lançamento à DRJ. Depois, o sistema permite um recurso ordinário, que vai para o Carf. Em seguida, você tem a possibilidade de embargos. Depois, recurso especial para o CSRF. Se o recurso não for admitido, existe a possibilidade de agravo. Isso apenas na esfera administrativa, sem contar a esfera judicial. Enfim, existem inúmeros recursos que acabam prolongando o contencioso.

Complexidade da lei e diversidade de interpretações

Uma das principais causas do contencioso é a complexidade da legislação – e a diversidade de interpretação decorrente dessa complexidade. Outra causa é a facilidade de acesso do contribuinte ao órgão administrativo e ao órgão judicial e potenciais vantagens decorrentes disso. No processo administrativo, ele tem a suspensão da exigibilidade do crédito tributário – a Fazenda não pode cobrar a dívida e o contribuinte tem direito à Certidão [Negativa de Débitos Tributários].

Além disso, ele tem a possibilidade de uma decisão por um órgão técnico, o Carf, que é muito bom. E se a decisão for favorável ao contribuinte, a administração tributária não pode recorrer ao Judiciário – é definitiva. Já, se ele perder, pode se socorrer do Judiciário. Existe uma sobreposição de instâncias: primeiro, uma administrativa, e se perder nela pode novamente suscitar a questão perante o Judiciário. E aí entra naquela história da demora, porque, se no âmbito administrativo às vezes leva seis a oito anos, no Judiciário pode levar ainda mais tempo.

Estímulos financeiros para o litígio

Litigar pode trazer vantagem financeira para o contribuinte de duas formas. A primeira diz respeito aos juros: nos processos judiciais, quando o contribuinte perde, os juros são corrigidos pela taxa Selic – juros simples. Se ele aplicar o dinheiro, ganha juros compostos. Hoje, os juros estão relativamente baixos, mas há pouco tempo a taxa estava em 14%. Evidentemente existem as multas e o custo da contração de advogados.

Além disso, há os programas de parcelamento, que na verdade são parcelamentos estimulados com anistia e remissão, com perdão da multa e por vezes até perdão parcial dos juros. Então, o contribuinte discute administrativamente enquanto aguarda a possibilidade do parcelamento em condições vantajosas. Apenas no âmbito federal, foram vários os programas de parcelamento nos últimos quinze anos.

Receio do fisco de corrigir normas

Quando surge divergência de interpretação, existe certo receio do Fisco em corrigir a norma para torná-la mais clara, pelo fato de que isso pode acabar gerando um argumento para o contribuinte em litígio, que pode dizer: “Está vendo como a minha interpretação estava correta? Tanto era verdade que o Fisco alterou a legislação em outro sentido”. As alterações promovidas pela MP 905/2019 em relação ao PLR (Programa de Participação nos Lucros e Resultados) são um bom exemplo. Tão logo publicada a medida, esse argumento foi suscitado pelos contribuintes em casos pendentes de julgamento perante o Carf.

Caminhos para aproximar o Fisco e o contribuinte

Existe uma desconfiança entre o contribuinte e a administração tributária no Brasil. Precisamos mudar essa cultura de desconfiança mútua, aproximar os dois lados. Essa é uma recomendação da OCDE e estamos começando a seguir esse caminho. Dou três exemplos: o primeiro são os negócios jurídicos processuais, que foram introduzidos pelo novo Código de Processo Civil e possibilitam à administração tributária fazer algumas concessões, principalmente em relação à garantia do crédito.

O segundo é a transação em matéria tributária, prevista no Código Tributário Nacional desde 1966 [e transformada na lei nº 13.988/2020, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em abril a partir da MP 899/2019, ou MP do Contribuinte Legal].

Avisar o contribuinte antes de aplicar multas

O terceiro, que acho que pode ser um próximo passo, seria o que se denomina de “programas de conformidade cooperativa”, que é uma coisa na linha de prestigiar o bom contribuinte. Ou seja: não simplesmente ir lá e colocar uma penalidade, que chega por vezes a 150%, para aquele contribuinte que não sabia que deveria ter declarado determinado rendimento, por exemplo. Mas, sim, permitir que o contribuinte tenha uma relação de maior diálogo com a administração, apresente a sua situação fiscal para a administração tributária, e a administração tributária dê um posicionamento de antemão. Assim, prestigia-se a segurança jurídica.

Outra possibilidade seria não aplicar de imediato as multas: o contribuinte seria avisado de eventual desconformidade da declaração para que ele a corrigisse, sem precisar impor a multa.

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