Projeto de conscientização e combate ao mercado ilegal

O mercado ilegal representado por práticas como contrabando, pirataria e falsificação de produtos prejudica o Brasil de várias formas. Compromete os negócios das empresas que atuam dentro da lei, reduzindo seus investimentos no País e os empregos formais. Reduz a arrecadação de impostos necessários para a oferta de serviços públicos de qualidade. Expõe a população a produtos que não passam pelas devidas inspeções de segurança, colocando sua saúde em risco. E financia o crime organizado, que vem dominando cada vez mais esse mercado.

Muitos brasileiros, no entanto, não conhecem ou não dão a devida importância a esses prejuízos. Para aumentar a conscientização sobre o problema, em 2019 o ETCO se uniu ao jornal Gazeta do Povo, do Paraná, na realização do projeto #Dentro da Lei. A parceria viabilizou a realização de fóruns, entrevistas, reportagens em profundidade e outros conteúdos sobre o tema de maio a dezembro.

O projeto envolveu importantes nomes do jornalismo, como Alexandre Garcia, Augusto Nunes, Guilherme Fiuza e Rodrigo Constantino, e teve a contribuição de agentes públicos, consultores em segurança, pesquisadores, representantes do setor produtivo e profissionais de diversas áreas ligadas ao problema.

Foz do Iguaçu, no Paraná, constitui o principal caminho de entrada de produtos contrabandeados do Paraguai, e a Gazeta do Povo tem um importante histórico de cobertura do tema.

O projeto #Dentro da Lei foi concebido a partir das recomendações sintetizadas no documento 10 Medidas contra o Mercado Ilegal, fruto de um trabalho do Centro de Estudos de Direito Econômico Social (Cedes) patrocinado pelo ETCO.

Os eventos e as reportagens trouxeram dados e opiniões sobre os prejuízos que as práticas ilícitas produzem em diversos segmentos, assim como sugestões para enfrentar esse problema. Uma pequena amostra dessas informações é apresentada a seguir.

O que daria para fazer com os impostos

O Brasil perdeu R$ 60,8 bilhões em arrecadação em 2018 por causa do contrabando, valor suficiente para construir:

 

 

Opiniões de participantes do projeto

“O crime de contrabando deteriora o mercado de trabalho formal, inibe investimentos, financia o crime organizado, gera evasão de divisas, perda de receita e risco à saúde e à integridade do consumidor.”
Efraim Morais Filho, deputado federal (DEM-PB) e presidente da Frente Parlamentar Mista de Combate ao Contrabando e à Falsificação

“A atuação das organizações criminosas no País chegou a uma dimensão que ninguém mais pode ignorar. Estamos vivendo um momento cada vez mais evidente de ameaça ao Estado democrático de direito, porque o crime organizado desconhece a existência da autoridade.”
Edson Vismona, presidente executivo do ETCO

“É preciso que seja concebido um tipo de tributação que permita enfrentar em condições de igualdade o preço do cigarro paraguaio no Brasil. Sem reduzir a carga tributária agregada, mas fazendo uma redistribuição para que se tenha um cigarro com um preço compatível com o que chega do Paraguai.”
Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal e presidente do Conselho Consultivo do ETCO

“Se os EUA, com todo o aparato que têm, não conseguem controlar os 3 mil quilômetros de fronteira com o México, imagina o nosso desafio com 17 mil quilômetros.”
Arthur Cazella, coordenador-geral de Combate ao Contrabando e Descaminho da Receita Federal

“Fora da lei a gente não é país sério. Se não tiver uma cultura de fazer as coisas dentro da lei, fora da lei o país não tem salvação.”
Alexandre Garcia, jornalista

 

“O projeto #Dentro da Lei divulga, conscientiza, desperta, fortalece a vontade das pessoas de agir sempre dentro da lei, de não abdicar dessa linha de atuação e desse comportamento.”
Luiz Bernardi, superintendente da Receita Federal no Paraná e em Santa Catarina

 

10 medidas contra o mercado ilegal

O projeto #Dentro da Lei se baseou nas recomendações de um estudo realizado em 2018 pelo Centro de Estudos de Direito Econômico Social (Cedes), com apoio do ETCO, que recomendou um conjunto de medidas para enfrentar o mercado ilegal de forma ampla e efetiva. O trabalho está disponível no site www.dezmedidascontraoilegal.com.br.

Confira os tipos de medida sugeridos:

1. Criar sistema integrado de órgãos e entidades de inteligência para mapear possíveis rotas de escoamento de produtos do mercado ilegal.

2. Definir as atribuições de cada órgão da Administração Pública para o combate ao mercado ilegal.

3. Destinar recursos específicos para o combate ao mercado ilegal.

4. Instituir a cooperação entre órgãos de fiscalização de diferentes países.

5. Estimular o desenvolvimento socioeconômico nas regiões fronteiriças.

6. Fortalecer as medidas punitivas acessórias ao combate ao contrabando.

7. Incluir os crimes de contrabando e descaminho nas metas prioritárias dos Poderes Executivo e Judiciário.

8. Tornar mais severo o tratamento criminal para os atos praticados por organizações criminosas.

9. Reequilibrar os regimes tributários que estimulam o mercado ilegal.

10. Adotar medidas especiais de tributação para devedores contumazes.

Contratação de estudo da EY sobre contencioso tributário

O ETCO deu início em 2019 a um projeto para contribuir na busca de soluções para os conflitos entre o fisco e os contribuintes. Nesse sentido, o Instituto contratou a consultoria EY (Ernst & Young), uma das mais importantes do mundo, para fazer um estudo sobre a situação do contencioso tributário brasileiro e sobre a forma como outros países lidam com esse tipo de divergência.

O estudo foi apresentado em um evento em São Paulo, em novembro. Na ocasião, o presidente executivo do ETCO, Edson Vismona, falou sobre os impactos do sistema atual sobre os bons e os maus contribuintes. “Hoje, o bom contribuinte encontra todas as dificuldades e é maltratado pelo Estado, como se a sua interpretação das normas tributárias fosse sempre dolosa”, afirmou. “Já para o devedor contumaz, que se beneficia da complexidade e da morosidade do sistema, quanto pior, melhor. Quanto mais confusas forem as normas, quanto mais longo for o processo tributário, mais tempo ele tem para usar a vantagem do não pagamento de impostos para reduzir seus preços e ganhar mercado.”

Érica Perin, sócia da EY, na apresentação do estudo

A apresentação do trabalho ficou a cargo da sócia da EY responsável pela área de impostos, Érica Perin, que na sequência participou de debate com os professores de direito tributário Roberto Quiroga e Breno Vasconcelos, da FGV Direito SP.

A partir do estudo, o ETCO iniciou uma agenda de ações para dar destaque ao tema no debate nacional e fomentar a busca de soluções para o problema.

Confira um resumo do estudo e das visões dos dois tributaristas.

Seis destaques do estudo

A EY realizou o estudo Desafios do Contencioso Tributário Brasileiro a partir de dados do governo, da Justiça, de pesquisas brasileiras e de informações levantadas por seus escritórios em seis países escolhidos como referência: Alemanha, Austrália, Estados Unidos, Índia, México e Portugal.

O foco do trabalho foi o contencioso tributário federal. Confira alguns destaques:

MAIS DE MEIO PIB: O estoque do contencioso vem subindo e alcançou R$ 3,4 trilhões em 2018, ultrapassando o equivalente à metade do PIB do País em 2018 (50,4%).

QUASE 19 ANOS: A conclusão de um processo de contencioso tributário no Brasil leva em média 18 anos e 11 meses, na soma das etapas administrativas e judiciais.

PROBLEMA MULTIFATORIAL: O contencioso é elevado, segundo a EY, por razões que incluem a complexidade da legislação, a quantidade de obrigações acessórias, a carga tributária elevada, os impactos das penalidades e os programas de regularização tributária.

MUITA MUDANÇA: Outro fator apontado pelo estudo são as alterações nas regras. Entre 1988 até 2018, foram aprovadas 16 emendas constitucionais e editadas 390.726 normas tributárias no País.

CRIMINALIZAÇÃO: O estudo mostrou um aumento nas autuações do fisco com representação fiscal para fins penais contra os contribuintes. A participação passou de 25,42% em 2017 para 29,48% das autuações em 2018.

FOCO EM GRANDES EMPRESAS: A Receita Federal vem focando a fiscalização cada vez mais nos grandes contribuintes – de 68,62% em 2016, passaram a representar 82,05% das autuações em 2018. Em alguns casos, o contencioso é maior do que o valor de mercado da companhia.

 

Boas práticas de outros países

 

1. México: Permite a negociação entre o contribuinte e o fisco ainda durante a fase de fiscalização, autorizando a celebração de acordo conclusivo.

2. Estados Unidos: Possibilita acordo antes ou depois da emissão do auto de infração, com processos rápidos de mediação e de arbitragem independente de conflitos.

3. Portugal: Disponibiliza sistema de arbitragem ao contribuinte logo após a emissão do auto de infração.

4. Alemanha: Favorece o diálogo entre o fisco e o contribuinte durante a fiscalização, possibilitando acordos informais que previnem a geração de contencioso.

5. Índia: Fez uma reforma tributária em 2017 que não colocou a segurança jurídica como tema central. A judicialização segue elevada, com processos tributários que podem durar 31 anos.

6. Austrália: Oferece amplo espaço para defesa e negociação entre o contribuinte e o fisco na fase de recurso administrativo, incluindo mediação, avaliação do caso, conciliação, conferência e avaliação neutra.

 

Opiniões sobre o estudo

Em debate após a apresentação do trabalho, os professores de direito tributário Roberto Quiroga (USP e FGV Direito SP) e Breno Vasconcelos (FGV Direito SP) elogiaram a iniciativa do estudo. Alguns comentários que fizeram:

Roberto Quiroga

 

“Nós tínhamos alguns levantamentos sobre contencioso, mas não tínhamos uma compilação oficial, feita por uma das quatro principais empresas de auditoria do mundo, que foi bancada e será divulgada por uma instituição com a relevância do ETCO.”
“A EY trouxe um número muito importante: perto de 8 mil empresas representam 60% da arrecadação de impostos e praticamente 80% das autuações do fisco. Então, na verdade, quem a gente está autuando? Estamos autuando a galinha dos ovos de ouro.”

Breno Vasconcelos

 

“A apresentação de um estudo como este é um bem público. Estamos falando de um serviço que o ETCO, a EY e as associadas do ETCO estão prestando à sociedade.”
“Costumamos ouvir muito de representantes da administração tributária que o contribuinte brasileiro é ruim. Mas quando pergunto para empresas que atuam aqui e lá fora sobre o contencioso em outros países, a diferença fica clara. Eles dizem: ´Na Espanha, tenho um caso, enquanto no Brasil são 3 mil processos tributários´. Os dados são realmente impactantes.”

 

 

Seminário sobre reforma tributária em parceria com jornal Valor Econômico

O ETCO se uniu ao jornal Valor Econômico na realização de um evento sobre reforma tributária. O seminário Tributação no Brasil aconteceu em julho e reuniu importantes nomes dos cenários político, econômico e jurídico. Eles debateram os pontos positivos e negativos das duas principais propostas de reforma tributária em discussão no país naquele momento: a PEC nº 45/2019, apresentada na Câmara dos Deputados, e a PEC nº 110/2019, no Senado Federal.

O seminário teve palestras do tributarista Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal (1995 a 2002) e presidente do Conselho Consultivo do ETCO, do presidente executivo do Instituto, Edson Vismona, do deputado federal Efraim Filho (DEM-PB), do economista Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003 a 2005), do procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, Phelippe Toledo Pires de Oliveira, e do tributarista Roberto Quiroga, professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo (USP) e da FGV Direito SP.

A seguir, um resumo dos pontos destacados por cada palestrante.

 

Everardo Maciel

Os alvos deveriam ser outros

O tributarista Everardo Maciel criticou as propostas de reforma em discussão no Congresso Nacional. Em sua avaliação, elas não resolvem os problemas mais graves do sistema atual: a alta litigiosidade, a insegurança jurídica e o burocratismo. E não tratam das principais questões de natureza tributária em discussão atualmente no mundo: a erosão das bases tributárias, a tributação da economia digital e a designação de novas fontes de financiamento da Previdência Social.

Sobre a PEC nº 45, previu consequências que podem representar problemas ou gerar resistências da sociedade, como: transferência de tributação de grandes empresas para 850 mil contribuintes do regime de lucro presumido e para a construção civil; aumento do preço de serviços como plano de saúde e escola particular; surgimento de novas formas de evasão fiscal; aumento de litigiosidade, incluindo questionamentos acerca do seu impacto sobre o pacto federativo; e aumento da complexidade durante o período de transição.

 

Edson Vismona

Valorizar o bom contribuinte e punir o mau

O presidente executivo do ETCO, Edson Vismona, disse temer que as tentativas de mudar radicalmente o sistema tributário acabem não avançando por envolverem tantos interesses e discussões jurídicas. Ele defendeu uma reforma que tenha como princípio valorizar e simplificar a vida dos bons pagadores de impostos e aumentar o rigor contra os maus pagadores. No caso dos primeiros, citou propostas como a criação de um cadastro fiscal único, a simplificação dos processos de abertura e fechamento de empresas, a eliminação da exigência de certidão negativa, a compensação universal de tributos, a consolidação anual da legislação e a fixação de prazo de resposta às consultas ao fisco.

Para combater os maus pagadores, defendeu a aprovação pelo Senado do PLS 284/2017, que autoriza um tratamento mais rigoroso para os devedores contumazes de tributos; a reintrodução de um mecanismo de controle físico da produção das indústrias de bebidas para prevenir a sonegação; e uma revisão da tributação sobre o setor de cigarros para reduzir a vantagem do contrabando, que já controla mais da metade do mercado no País.

 

Phelippe de Oliveira

Os princípios de uma boa reforma

O procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, Phelippe Toledo Pires de Oliveira, elencou alguns princípios que considera fundamentais na reforma tributária: ser sustentável do ponto de vista econômico; reavaliar a distribuição dos tributos entre consumo, renda e patrimônio; reduzir a complexidade e o nível de litigância do sistema atual; respeitar o pacto federativo; rever os benefícios fiscais; reformar o processo de cobrança de impostos; e combater o sonegador e o devedor contumaz de tributos.

“As discussões judiciais do contencioso tributário levam às vezes vinte anos”, ele afirmou, lembrando que a demora acaba beneficiando figuras como o devedor contumaz. “Na maioria das vezes, são empresas que não têm nada no nome delas. Então o problema é do timing em relação ao momento da fiscalização e o momento da cobrança, que o devedor contumaz vai discutir administrativa e judicialmente, postergando o pagamento para depois de dez anos, quando não existirá mais patrimônio.” Segundo ele, a aprovação do PLS 284/2017 traria uma solução rápida para esse problema.

 

Marcos Lisboa

Distorções que precisam ser corrigidas

O economista Marcos Lisboa citou aspectos do sistema tributário atual que, em sua visão, constituem distorções a ser corrigidas pela reforma tributária. Ele defendeu alíquota uniforme para todos os setores e substituição de incentivos fiscais por gasto público. “Você quer dar um benefício para um setor, para uma empresa, você aposta no projeto? Ótimo. A tributação tem que ser a mesma para todos os setores, então arrecade os recursos e, via Assembleia ou Congresso, faça uma dotação para apoiar o projeto A, B ou C, que tenha transparência, tenha controle da sociedade.”

Ele também defendeu que os tributos indiretos sejam cobrados no local de consumo, e não na origem das mercadorias, para promover alocação mais eficiente de recursos e reduzir a guerra fiscal. Reconheceu, no entanto, que a cobrança no destino favorece a sonegação. Ele recomendou ainda a redução do imposto de renda das empresas e a tributação da distribuição de lucros aos acionistas, hoje isenta. Por fim, falou sobre a necessidade de medidas para aumentar a segurança jurídica e reduzir o contencioso tributário. “Hoje, está disfuncional.”

 

Roberto Quiroga

A escalada do contencioso tributário

O tributarista Roberto Quiroga manifestou dúvidas sobre a viabilidade de uma reforma tributária nos moldes das propostas em discussão no Congresso Nacional em meados de 2019. “Sou bastante partidário de reformas não tão drásticas como aquela que se pretende fazer”, afirmou. “Deve-se tomar muito cuidado com essa junção de tributos e principalmente com a questão federativa. Vai ser muito difícil, na minha visão, o acolhimento de um projeto de reforma em que haja a junção das três esferas.”

Para Quiroga, um dos problemas mais urgentes é a escalada do contencioso tributário. “Hoje, o tamanho do contencioso tributário brasileiro equivale à metade de um PIB, perto de R$ 3,3 trilhões. São temas de grande discussão teórica que acabam sendo discutidos na área administrativa e na área judicial”, afirmou. Segundo ele, além de afetar a capacidade de arrecadação do Estado, a situação penaliza as empresas, que precisam apresentar garantias financeiras para poder discutir as questões na Justiça – o que gera custos e, conforme o volume do contencioso aumenta, pode comprometer sua capacidade de investimento.

 

Efraim Filho

Mudanças devem valorizar o setor produtivo

O deputado federal Efraim Filho defendeu que a reforma tributária tenha como espinha dorsal a PEC nº 45/2019, em tramitação na Câmara dos Deputados. Ele reconheceu que o tema é difícil, pois envolve muitos interesses e suscita questões complexas do ponto de vista econômico e legal. Mas disse achar possível e preferível aprovar uma reforma mais profunda na atual legislatura. “É preciso conceber algo novo”, disse. “Fazer remendo não vai adiantar, porque remendo em tecido podre rasga.”

Efraim também manifestou a opinião de que a reforma não deve privilegiar apenas os interesses de arrecadação do Estado, mas precisa valorizar também o setor privado. “É preciso priorizar quem produz no Brasil. Quem produz no Brasil não pode mais ser o vilão da história. O setor produtivo hoje é visto com presunção de culpa”, lamentou. “As regras hoje são para facilitar a arrecadação. Não são para facilitar a vida do contribuinte, nem para que haja simplificação.”

Seminário sobre segurança jurídica tributária

O ETCO vem atuando para tornar o tema da segurança jurídica tributária mais presente no debate nacional. Um trabalho nesse sentido foi a realização do seminário Tributação e Segurança Jurídica, que reuniu grandes nomes do Direito para discutir as causas e soluções para a crescente insegurança do sistema tributário nacional. O evento aconteceu em junho, em São Paulo, e contou com o apoio da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA).

Os palestrantes foram os professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Heleno Torres e Humberto Ávila; o advogado e professor Roberto Quiroga, da USP e da FGV Direito SP; o advogado e conselheiro do ETCO Hamilton Dias de Souza; e o advogado Gustavo Brigagão, presidente da ABDF. Eles abordaram diferentes aspectos do tema e participaram de debate com o tributarista Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal e presidente do Conselho Consultivo do ETCO, que coordenou o evento.

As palestras foram gravadas em vídeo e transcritas e estão disponíveis no site do ETCO. Também foram sintetizadas pelos jornalistas Oscar Pilagallo e Fernando Mello no livro Segurança jurídica e tributação, lançado com o apoio do ETCO.

Confira um resumo dos temas tratados pelos palestrantes:

 

Heleno Torres

Segurança para atrair investimentos

Para o professor Heleno Torres, é preciso tornar o Brasil em um lugar em que “as pessoas saibam exatamente quais são os tributos que devem pagar e quais são as obrigações que devem cumprir e, ao mesmo tempo, constituir um estado de segurança, um estado de normalidade, onde o ambiente de negócios possa favorecer novos investimentos”. Ele lembrou que a situação atual não interessa aos contribuintes nem ao fisco, que não consegue arrecadar os valores em disputa no contencioso.

Heleno destacou a urgência de uma reforma no sistema de consultas para torná-lo efetivo na solução de dúvidas dos contribuintes e redução dos conflitos. Defendeu um esforço de uniformização de entendimentos no julgamento de processos tributários, para evitar que casos iguais tenham resultados distintos em diferentes instâncias. E falou sobre a necessidade de controlar os excessos do fisco. “Falta ao Código Tributário Nacional, por exemplo, um capítulo sobre o processo e o procedimento de fiscalização, que atribua aos contribuintes direitos mais candentes sobre os limites da fiscalização e da ação do fisco nas relações administrativas”, afirmou.

 

Roberto Quiroga

Proteção contra o arbítrio do Estado

Para o professor Roberto Quiroga, a segurança jurídica no campo tributário exige o reconhecimento da desigualdade na relação de forças entre o Estado e os contribuintes. “É claro que a gente tem que ver o lado do Estado. Mas a segurança jurídica de que estamos falando é a segurança que o texto constitucional dá para o contribuinte. Contra o arbítrio estatal”, justificou.

Entre as razões de insegurança, citou a confusão na jurisprudência de diversos temas importantes causada pela falta de embasamento conceitual de decisões dos órgãos de julgamento, incluindo o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e o Supremo Tribunal Federal. Citou o exemplo da tributação de lucros no exterior, apreciada pelo Supremo. “[O STF] não decidiu nada. Ele só confundiu todo mundo. Foram dez votos diferentes.”

Quiroga também criticou o instrumento de modulação de efeitos de decisões dos tribunais superiores. “Ela cria uma condição tal que não sei qual é a interpretação que vou dar e para quando ela vai valer. Se para o futuro, para o passado ou para o presente.”

 

Humberto Ávila

Três condições para a segurança jurídica

Em sua palestra, o professor Humberto Ávila afirmou que só é possível alcançar segurança jurídica quando as normas são compreensíveis, estáveis e previsíveis. E que o Brasil apresenta problemas nessas três condições básicas. Segundo ele, boa parte da insegurança observada no País se deve à falta de determinação do Judiciário em exigir mais qualidade nas decisões do Legislativo.

“Sabe por que no Brasil a legislação é ruim? Porque o Supremo Tribunal Federal não declara a inconstitucionalidade das leis por serem ruins”, afirmou. “Nós temos que recuperar o papel didático dos tribunais e começar a declarar a inconstitucionalidade de normas que sejam contraditórias, que sejam vagas demais, ambíguas demais. Porque o contribuinte tem de pautar a sua conduta com base em algum direcionamento.”

Ávila condenou a prática dos entes federados de instituir ou aumentar impostos por meio de regulamentos, e não de leis, como exige a Constituição. E criticou também mudanças de orientação na jurisprudência que produzem efeitos retroativos, violando direitos dos contribuintes.

 

Hamilton Dias de Souza

Risco de mais insegurança com reforma disruptiva

O tributarista Hamilton Dias de Souza afirmou que uma reforma tributária com mudanças profundas na Constituição e no pacto federativo, que ele chamou de disruptiva, poderá trazer mais insegurança jurídica, e não menos. “Quando há uma reforma tributária disruptiva, alterando todos os conceitos, nós todos podemos imaginar o que vai acontecer. Quanto tempo vai demorar para todas essas coisas ficarem sedimentadas e como os empresários, os contribuintes, como todos nós poderemos organizar a nossa vida?”, questionou.

Para Dias de Souza, propostas como a migração da tributação para o destino dos produtos e serviços, a aplicação do IPI a produtos primários e a criação de um novo tributo sobre “consumos especiais” podem gerar novos focos de insegurança jurídica no sistema tributário.

O tributarista disse preferir um caminho de alterações pontuais e elencou alguns princípios que a reforma tributária deveria obedecer para melhorar o ambiente de negócios e trazer mais segurança jurídica ao País: simplificação, harmonia das normas do processo administrativo/tributário, transparência e neutralidade.

No final de sua palestra, o coordenador do evento, Everardo Maciel, lhe perguntou se o IBS proposto na PEC 45 poderia ser comparado com o Simples, no sentido de respeitar o princípio constitucional da federação. Hamilton mostrou a distinção entre os dois tributos. “O Simples não impede absolutamente que exista instituição normal de tributos por União, estados e municípios – até porque ele é opcional”, respondeu. E reafirmou sua visão sobre a inconstitucionalidade do IBS.

 

Gustavo Brigagão

Tributação da economia digital e IVA

O presidente da ABDF, Gustavo Brigagão, falou sobre dois temas: o desafio de tributar os serviços e as empresas da era digital; e a proposta de criação de um Imposto sobre Valor Agregado no Brasil (IVA).

Ele citou três razões que dificultam a tributação das empresas digitais: o fato de elas não precisarem de presença física no país de prestação do serviço; terem a maior parte do seu valor concentrada em ativos intangíveis; e gerarem receita a partir de informações fornecidas a elas pelos próprios usuários.

Brigagão citou diferentes propostas que países e organismos internacionais estão discutindo para enfrentar esse desafio, mas afirmou que ainda não há resposta satisfatória em nenhum lugar do mundo.

O presidente da ABDF defendeu a adoção do IVA para resolver alguns dos principais problemas do modelo atual, como a sua complexidade e cumulatividade, e lembrou que ele está presente em 165 dos 193 países do mundo. “Eu gostaria muito de poder dizer a investidores estrangeiros que nós temos uma forma de tributação que é compatível com aquilo que eles conhecem. E hoje eu não consigo dizer isso”, lamentou.

 

Palestras são reunidas em livro

O ETCO lançou, em novembro, o livro Tributação e segurança jurídica – a importância de uma eficiente rede de proteção (93 págs.). A obra apresenta e contextualiza o conteúdo das palestras feitas pelos tributaristas Heleno Torres, Roberto Quiroga, Humberto Ávila, Hamilton Dias de Souza e Gustavo Brigagão no evento sobre o tema realizado em junho pelo Instituto, sob a coordenação do professor Everardo Maciel.

O livro escrito pelos jornalistas Fernando Figueiredo Mello e Oscar Pilagallo é voltado a um público mais amplo. Ele pode ser baixado em PDF do site do ETCO ou obtido gratuitamente pelo e-mail etco@etco.org.br (sujeito à disponibilidade de cópias).

Nossas ações para promover a ética e fortalecer o ambiente de negócios

O Brasil tem um dos sistemas tributários mais complicados do mundo. A última edição do relatório Doing Business, do Banco Mundial, divulgada em outubro de 2019, mostrou mais uma vez o País na última colocação no quesito de tempo gasto pelas empresas para cumprir suas obrigações fiscais, entre 190 nações pesquisadas. São 1.501 horas de trabalho por ano, contra 158,8 horas, em média, nos países ricos.

Mas o nosso sistema tributário não é apenas o mais trabalhoso, ele é também um dos mais inseguros – aspecto que vem piorando nos últimos anos como se pode constatar pelo aumento do contencioso tributário brasileiro, que sinaliza as divergências na interpretação das normas tributárias e sua aplicação. Um estudo que encomendamos em 2019 à consultoria EY, uma das maiores e mais importantes do mundo, mostrou que o contencioso não para de crescer e que o estoque de créditos tributários em discussão nas instâncias administrativas e judiciais já ultrapassa a metade do PIB do País (R$ 3,4 trilhões).

Por essa razão, em 2019, o ETCO definiu a segurança jurídica tributária como um dos seus temas prioritários. O momento é oportuno. Após a aprovação da reforma da Previdência, as atenções se voltam para outros temas fundamentais para destravar a economia, atrair investimentos e impulsionar o desenvolvimento do País. A reforma tributária é uma das iniciativas mais discutidas.

Além de patrocinar o estudo e sua apresentação à sociedade em um evento com a presença de renomados tributaristas, o ETCO realizou outros dois seminários sobre o tema: um sobre Segurança Jurídica Tributária, coordenado pelo professor Everardo Maciel, presidente do nosso Conselho Consultivo, que também transformamos em livro; e um evento em parceria com o jornal Valor Econômico para debater as propostas de reforma tributária em discussão no Congresso Nacional.

Outro tema prioritário ao qual demos grande atenção em 2019 foi a defesa do mercado legal. Infelizmente, nossas melhores empresas, aquelas que cumprem suas obrigações de maneira ética e responsável, continuam sofrendo muito com a concorrência desleal e criminosa representada por práticas como o contrabando, a pirataria, a falsificação, a adulteração e outras fraudes na oferta de produtos e serviços.

Em uma de nossas principais atuações nessa área no ano, nos unimos ao jornal Gazeta do Povo, do Paraná, na realização do projeto #Dentro da Lei. Durante sete meses, a iniciativa mobilizou autoridades, formadores de opinião e especialistas em segurança pública em fóruns, reportagens em profundidade e outras ações jornalísticas com foco no combate a essas práticas e à importância de defendermos uma postura de legalidade e ética concorrencial como fundamento do nosso desenvolvimento.

Com o mesmo objetivo, participamos também de eventos internacionais, como o V Encontro da Aliança Latino-Americana Anticontrabando (ALAC), na Costa Rica, o 13º Fórum Parlamentar de Inteligência e Segurança, no Paraguai, e a reunião da Força-Tarefa de Combate ao Mercado Ilícito da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), na França.

Parte importante da nossa atuação em 2019 esteve voltada à abertura de diálogo com os novos governos de Brasília e dos estados. Participamos de inúmeros eventos, reuniões e audiências públicas com autoridades que assumiram funções em áreas ligadas ao nosso campo de atuação, levando a elas as nossas bandeiras e oferecendo a nossa contribuição em projetos para fortalecer o ambiente de negócios no País.

Detalhes sobre essas e outras atividades que desenvolvemos em 2019 você encontra ao longo desta publicação.

Boa leitura.

Nossa missão

Fundado em 2003, o ETCO-Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público que promove a integridade no ambiente de negócios. Acreditamos que a concorrência leal constitui um dos principais alicerces do desenvolvimento econômico e da construção de uma nação mais forte e mais justa. Nossa missão é identificar, discutir, propor e apoiar iniciativas para fortalecer a ética e reduzir práticas ilícitas que provocam desequilíbrios no mercado. O ETCO é mantido por empresas e associações comprometidas com a causa da concorrência leal.

Como atuamos

ESTUDOS: Patrocinamos pesquisas e análises para compreender melhor as causas dos desvios de conduta e orientar na busca de soluções.

AÇÕES: Apresentamos propostas e apoiamos iniciativas para prevenir as práticas ilícitas, aperfeiçoar as leis e assegurar o seu cumprimento.

EDUCAÇÃO: Fazemos e apoiamos seminários, publicações e campanhas para conscientizar a opinião pública sobre a importância de cumprir a lei e as consequências nocivas da concorrência desleal para o País.

Uma Jabuticaba amarga

Em artigo publicado hoje (28/02) no Portal JOTA, Milton Seligman – Professor do Insper, Global Fellow do Woodrow Wilson Center’s Brazil Institute e ex-ministro da Justiça – fala sobre a complexidade tributária brasileira, a necessidade de se realizar uma reforma urgente e destaca alguns dos aspectos que tornam estes mecanismos tão intricados.

Para dar suporte a algumas de suas teses, o professor citou o estudo Desafios Sobre o Contencioso Tributário Brasileiro, encomendado pelo ETCO à EY, além de destacar a importância que a entidade tem no papel de defender a ética e a legalidade nos negócios.

Entre os principais aspectos citados pelo professor sobre o estudo estiveram: o aumento do contencioso tributário brasileiro, que hoje representa metade do PIB do país, chegando a R$ 3,4 trilhões, a demora para a conclusão de um processo de contencioso tributário, que hoje leva em média 18 anos e 11 meses, e o aumento do rigor que a Receita Federal do Brasil vem empregando nos grandes contribuintes.

Leia o artigo completo em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-milton-seligman/uma-jabuticaba-amarga-24022020

Litígio tributário, o problema

Problemas existem em todos os sistemas tributários, em virtude de sua natureza intrinsecamente imperfeita combinada com elevada volatilidade das circunstâncias econômicas e políticas. O que muda é o tipo de problema.

As grandes discussões tributárias são, hoje, a taxação da economia digital, o enfrentamento da erosão tributária associada a paraísos fiscais e a identificação de novas fontes de financiamento da previdência social.

No âmbito da taxação da economia digital, a União Europeia não hesitou em cogitar um imposto sobre a receita bruta das empresas de economia digital, de caráter cumulativo para surpresa dos que professam o dogma da não cumulatividade.

De igual forma, a OCDE começa a admitir a tributação na fonte em lugar da residência, por força do crescente esvaziamento do conceito de estabelecimento permanente.

Tudo isso decorre da evidência de que sistemas tributários devem ser pragmáticos e resilientes para enfrentar uma revolução tecnológica, cada vez mais veloz. Quem não entender essa realidade vai ficar para trás.

Aqui, permanecemos em debate estéril sobre modelos tributários que vão se tornar obsoletos, sem cuidar dos verdadeiros problemas e, muito menos, olhar para a frente.

Alguns preferem o copismo indolente, em que se abdica de pensar. Parafraseando Nelson Rodrigues, complexo de vira-latas não se improvisa. É obra de séculos.

O principal problema tributário é o litígio permanente que fulmina a segurança jurídica, inclusive para o fisco.

Os litígios, compreendendo a dívida ativa e os contenciosos administrativo e judicial dos entes federativos, alcançam valores superiores à metade do PIB brasileiro. Eles só incidentalmente se associam à natureza dos tributos. Na essência, dizem respeito ao processo.

Há três fontes de litígios: o lançamento sem culpa, o questionamento da matéria tributária pela via do controle difuso de constitucionalidade e a grande indeterminação de alguns conceitos.

A legislação processual tributária brasileira é demasiado claudicante. Sequer temos normas gerais de processo tributário.

Autos de infração insubsistentes não geram custo para o Estado, porém infernizam a vida do contribuinte, envolvendo desde danos reputacionais até custos advocatícios, daí passando à exigência de vultosas garantias na esfera judicial.

Não raro me deparo com autos de infração de bilhões de reais. Não é crível que uma empresa, com ações em bolsa, pratique evasão fiscal desse porte. Trata-se apenas de um sintoma de gravíssima doença processual, que fulmina a pretensão de investir.

Para enfrentar esse delírio fiscal, os tributaristas Gilberto Ulhoa Canto, Geraldo Ataliba e Gustavo Miguez de Mello conceberam, há décadas, a integração entre os processos tributários administrativo e judicial, de que resultariam equiparação de forças entre o fisco e o contribuinte, sucumbência na hipótese de insubsistência do auto de infração, eliminação da exigência de garantias em recursos e, por consequência, eliminação da execução fiscal judicial, responsável por mais de 38% dos 80 milhões de processos em tramitação na Justiça brasileira. Em outras palavras, uma revolução.

As teses sobre inconstitucionalidades tributárias, quando suscitadas em primeira instância, geram processos que podem se arrastar por décadas para, afinal, resultar em incontornáveis problemas arrecadatórios, sem falar da possibilidade de quebra de isonomia por repercussões diferenciadas sobre contribuintes.

Esse é um problema que demanda muita criatividade para ser resolvido. Uma pista seria a instituição de um incidente de constitucionalidade que remetesse decisões de primeira instância diretamente para o STF.

Quanto à indeterminação conceitual, os mais relevantes problemas estão vinculados aos limites do planejamento tributário e à presunção de dano ao erário. Em ambos os casos, é visível que se fundam em legislações obscuras e lacunosas que dão a lugar a esdrúxulas arbitrariedades. O espantoso é que nada se faz para corrigir essas distorções.