“Chegamos a um nível insustentável de litígios”

Sócia da área tributária do escritório Machado Meyer Advogados, Raquel Novais é especialista em consultoria tributária de estruturação e resolução de conflitos fiscais técnicos de alta complexidade. Formada pela Faculdade de Direito de Franca, com mestrado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sua atuação envolve a tributação de setores regulamentados, como os de recursos naturais e energia.

A advogada chama a atenção para a “cultura de desconfiança” que predomina na relação entre o Fisco e os contribuintes, agravada pelo fato de que os mecanismos de soluções de conflitos são insuficientes – daí a necessidade de desenvolver alternativas como a transação e a arbitragem.

Ela lembra também que, no passado, muitas das cobranças exorbitantes eram canceladas já nas instâncias administrativas, o que foi gradualmente deixando de ocorrer. “A impressão de perda de imparcialidade tira a eficácia das decisões e direciona as disputas para a revisão pelo Poder Judiciário”, avalia.

Leia os principais trechos da entrevista.

Há algo de muito errado no nosso sistema

O nível de contencioso que o Brasil alcançou é insustentável. Nenhuma sociedade pode conviver com tanta energia investida na disputa tributária. Os reflexos deste quadro para a economia são visíveis. Num ambiente em que não há segurança jurídica sobre a incidência de tributos, a possibilidade constante de litígios afugenta investimentos, ainda mais num cenário global de grande competição para atrair esses investimentos.

São litígios que envolvem valores extremamente expressivos. Os autos de cobrança exorbitantes, e que exigem encargos de defesa altíssimos por conta das garantias exigidas na fase judicial, indicam que existe algo de muito errado em nosso sistema.

Falta confiança entre o Fisco e os contribuintes

Entre as causas mais relevantes para que tenhamos chegado ao atual nível de contencioso no País, a principal é sem dúvida a complexidade do nosso sistema tributário.

Não existe outro país com um sistema tão complicado. Isso gera incerteza e insegurança no que diz respeito à aplicação das normas tributárias. Há também a falta de confiança, de parte a parte, entre o Fisco e o contribuinte, o que fortalece a cultura do litígio. Os mecanismos de soluções de conflito são insuficientes.

O nível de cancelamento de autos de infração nas instâncias administrativas, que no passado punham termo a grande parte das cobranças exorbitantes e sem substrato, caiu muito.

Os tribunais administrativos mantêm a sua importância, mas, para a grande maioria dos temas representativos (notadamente, os de alta indagação jurídica), não tem sido infrequente a chancela das autuações, transferindo para o Judiciário a responsabilidade pelo efetivo controle de legalidade.

A impressão de perda de imparcialidade tira a eficácia das decisões e direciona as disputas para a revisão pelo Poder Judiciário, notoriamente assoberbado. Esse movimento tende a agravar cada vez mais os números do contencioso e, em última análise, o próprio índice de recuperabilidade dos créditos tributários por parte da Fazenda Pública.

As leis devem ser pilares da pacificação

Há provavelmente quem imagine que a situação de alto contencioso seja positiva para os escritórios de advocacia e para a categoria dos advogados tributaristas, mas não é.

O crescimento do País gera muito trabalho para a advocacia, e esse é um tipo de trabalho positivo, desafiador: criar soluções, ter ações propositivas em setores em desenvolvimento, ver os negócios acontecendo, com soluções tributárias que são fundamentais para a segurança.

Eliminar o litígio é utópico. Mesmo as jurisdições com excelente reputação de bom relacionamento entre Fisco e contribuinte enfrentam o litígio. Mas ele deve ser limitado; apenas o necessário para compor em assuntos limitados.
Os demais mecanismos, a começar pela própria lei, seguida de uma comunicação ágil e imparcial entre o Fisco e os contribuintes, deveriam ser os pilares da pacificação.

É preciso criar mecanismos de negociação

Em meio a um cenário tão complexo, certamente não há apenas uma medida de solução. Mas uma que terá impacto favorável para amenizar o problema é a transação tributária, prevista no Código Tributário Nacional de 1966 e jamais regulamentada [até a apresentação da MP 899/2019, ou MP do Contribuinte Legal, convertida na lei nº 13.988/2020, que foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em abril].

O mecanismo da transação permite às partes a solução de conflitos mediante concessões recíprocas e reguladas. Será um mecanismo adicional na solução de conflitos, que poderá contribuir para a redução do montante em litígio.

A instituição de outros mecanismos alternativos de solução de conflitos, como a arbitragem tributária, também seria importante. Há grandes discussões quanto à aplicação da arbitragem no Direito tributário. A meu ver, essa alternativa teria enorme potencial para reduzir o volume de processos no Poder Judiciário, de forma mais rápida e mantendo o nível de imparcialidade que garante a eficácia das soluções finais.

“Falta um plano para limpar o contencioso”

O advogado Beno Suchodolski, sócio do escritório que leva seu nome e membro do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), afirma que o contencioso tributário traz muitos prejuízos às empresas brasileiras. Embora atribua grande parte do problema à complexidade do nosso sistema tributário, ele acredita que uma reforma profunda, como as propostas que vêm sendo discutidas no Congresso Nacional, traria ainda mais insegurança jurídica inicialmente. Ele defende que a reforma seja precedida por um grande plano nacional de refinanciamento voltado à regularização de débitos tributários.

Para ele, medidas especificas podem ajudar a reduzir o contencioso. Uma das propostas que tinham o seu apoio foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em abril: o fim do chamado voto de qualidade no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), tribunal cujas turmas são formadas por julgadores do Fisco e dos contribuintes de forma paritária. O mecanismo extinto dava ao presidente da turma, sempre um representante do Fisco, um voto extra em julgamentos empatados. Com a mudança na lei, o empate passa a ser considerado em favor dos contribuintes.
Suchodolski defende também mudanças como uma maior produção de súmulas por parte do Judiciário e a revisão do sistema de bônus para os auditores fiscais.

Confira trechos da entrevista.

Excesso e baixa qualidade das normas

A exuberância de normas tributárias é um abuso extremado. Primeiro, porque um país com uma economia integrada de norte a sul como temos no Brasil, com empresas operando em todos os estados da federação, algumas operando em milhares de municípios, manter um sistema de acompanhamento tributário em todos os estados e municípios é impossível.

A dificuldade desse modelo tributário nacional é agravada pelo fato de que muitos estados e municípios produzem textos legais tributários mal escritos, confusos, equivocados, vagos, e isso torna a atividade empresarial muito difícil.

As razões jurídicas do problema

A causa do contencioso vem da falta de harmonização entre os vários segmentos do direito que comandam os tributos. Temos problemas de inadaptação do Código de Processo Civil para regular o contencioso tributário. Temos um Código Tributário Nacional extraordinário em sua qualidade jurídica, mas que precede a Constituição – e nunca houve uma harmonização entre ambos.

A independência dos poderes no Brasil criou alguns mitos jurídicos. Um deles é o de que a decisão judicial se aplica só ao caso concreto. Com isso, a jurisprudência tributária acaba ficando submetida a interpretações específicas de juízes, cada um com a sua convicção, e o resultado prático é uma quantidade enorme de decisões inconsistentes sobre os mesmos problemas. Se houvesse uma sincronização entre Judiciário e Executivo, esse problema poderia ser muito atenuado.

O Judiciário deveria produzir mais súmulas

Se o Supremo, o STJ e os Tribunais de Justiça dos estados produzissem súmulas estabelecendo situações em que há equívocos ou óbvias ilegalidades por parte do Fisco ou do contribuinte, e elas fossem seguidas obrigatoriamente pelas autoridades tributárias, seria criado um modelo para reduzir o contencioso. O Judiciário hoje produz pouquíssimas súmulas – e as que existem, o Fisco não respeita. Precisamos que o Congresso aprove uma lei estabelecendo como função do Judiciário a criação de súmulas de interpretação tributária de aplicação compulsória a todos os entes – governo federal, estados e municípios.

Bônus a fiscais por autuações pagas, não feitas

Hoje, de forma geral, a fiscalização é beneficiada com um sistema de premiação que concede pontos em cima do volume das autuações feitas. Isso deveria mudar e o fiscal receber os pontos apenas quando a autuação produzisse um pagamento. E que o fiscal cuja autuação sofresse redução administrativa ou judicial tivesse uma redução na sua premiação. Isso reduziria o volume de autuações indevidas ou inconsistentes.

Reforma tributária deve piorar a situação no início

Toda reforma tributária, durante certo número de anos, traz mais complexidade do que solução, porque se está caminhando com o modelo existente e um novo modelo, e essa transição de modelos traz mais insegurança, mais dúvidas para o contribuinte, para o Fisco e para o Judiciário. E o resultado prático é que o processo de migração é um processo no qual crescem as dificuldades interpretativas.

Antes da reforma, uma limpeza no estoque de contencioso

A reforma tributária teoricamente começa uma vida nova, então seria conveniente o País fazer uma limpeza nesse contencioso quase insolúvel que temos hoje. Um caminho seria um programa que permitisse amortizar o valor da dívida em um prazo de oito a dez anos, com liberação de penalidades e premiações progressivas aos contribuintes que se mantivessem em dia com as prestações. Hoje, o crédito nominal fiscal do governo federal é de R$ 3,5 trilhões: se um programa assim conseguisse recuperar 20% desse valor, seriam R$ 700 bilhões a mais para os cofres públicos, ou R$ 70 bilhões por ano durante uma década. Limparíamos o contencioso e ainda resolveríamos o problema do déficit fiscal federal. Eu acho isso fundamental antes da reforma tributária.

“É uma doença que não está sendo tratada corretamente”

O advogado Roberto Quiroga Mosquera, sócio especialista em Direito tributário do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, de São Paulo, considera que há um desequilíbrio na balança entre os excessos cometidos pelo Estado e a má interpretação ou a má-fé por parte dos contribuintes. “Eu diria que 70% do problema é originado dos exageros do Estado e a responsabilidade por 30% é dos contribuintes”, avalia Quiroga, que é também professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e do Mestrado Profissional da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, a resolução do problema depende, acima de tudo, de uma decisão política do governo – tanto para lidar com o passivo acumulado quanto para evitar que esse montante continue crescendo ano após ano.

A seguir, trechos da entrevista.

Maior parte são valores irrecuperáveis

Certamente é assustador o montante do contencioso tributário no Brasil, R$ 3,3 trilhões, equivalente à metade de um PIB anual, mas é preciso ter em mente que não se trata de um número real. Algo entre 60% e 80% desse valor é irrecuperável, pois está atrelado a empresas quebradas, falidas, sem bens que possam gerar qualquer expectativa de recuperação dos créditos. É enganoso, então, pensar que há R$ 3,3 trilhões a receber. Na realidade, talvez haja R$ 1 trilhão, ou nem isso. Seria importante o governo fazer uma grande revisão e admitir que jamais vai receber boa parte desses valores, deixando a partir disso de investir tempo e dinheiro nos casos perdidos para priorizar aqueles em que há a perspectiva real de receber. Essa revisão poderia contribuir muito para reduzir a duração dos processos envolvendo contencioso tributário, que tem sido, em média, de dez anos.

Muitas normas dúbias

O Brasil arrecada cerca de R$ 1,4 trilhão em tributos federais por ano e vem gerando R$ 150 bilhões ao ano de contencioso tributário. Ou seja, mais de 10% da arrecadação. É uma proporção muito alta. Esses números são como uma febre, indício de uma doença que não está sendo tratada corretamente. E quais são as causas que precisam ser atacadas com urgência? A principal é que temos uma legislação dúbia, em que o contribuinte fica sujeito a interpretações diversas, sem que o governo consiga oferecer uma estrutura adequada de esclarecimento dessas interpretações. Além da imprecisão, há também uma quantidade enorme de normas. Acompanhar tudo isso sem estar sujeito a equívocos, ou a interpretações diferentes por parte da fiscalização, é praticamente impossível.

Falta diálogo

Há uma distância muito grande, no Brasil, entre os contribuintes e o governo. O governo assume uma posição extremamente fiscalista. Em outros países, as empresas têm a oportunidade de apresentar previamente à Receita o que estão pretendo fazer em termos fiscais e checar se os planos estariam corretos. Há também a possibilidade de um contribuinte conversar com a fiscalização, argumentar, apresentar outro ponto de vista, sem que as diferentes interpretações necessariamente se transformem em disputas na Justiça. Aqui há um desequilíbrio muito grande de forças e quase nenhum esforço para fazer um trabalho preventivo. Falta diálogo, em síntese. Esse distanciamento tem provocado, inclusive, um aumento nas autuações que envolvem questões penais e acabam sendo levadas à esfera criminal.

Abuso de autoridade

Não há qualquer punição no Brasil para um fiscal que se equivoca ou exagera na aplicação da norma tributária. Na ausência de uma orientação geral mais clara, os fiscais acabam tendo visões diferentes, interpretações próprias das normas. O problema é que qualquer autuação causa um grande transtorno à empresa, pois é preciso acionar uma estrutura de defesa e apresentar garantias para levar a contestação adiante. Quando fica comprovado que se tratou de um erro da fiscalização, nada acontece para o Fisco. O ônus está todo concentrado em um só lado. O governo tem a prerrogativa da autotutela em questões tributárias – ou seja, pode cobrar diretamente do contribuinte quando acha que deve –, mas não deveria abusar desse direito, algo que infelizmente vemos com frequência no País. Aliás, já que estamos em meio a uma discussão sobre abuso de autoridade, um bom tema para incluir no debate é a forma equivocada como os fiscais agem muitas vezes, protegidos pela certeza de que não haverá qualquer tipo de punição.

Decisão política

Uma evolução positiva no quadro do contencioso tributário no Brasil depende de uma decisão política que precisa partir do governo – mais precisamente, do Ministério da Fazenda. É preciso avaliar a fundo o quadro e planejar ações para lidar com o montante acumulado e, ao mesmo tempo, reduzir a geração de novos passivos. É uma discussão delicada, especialmente num momento de déficit público, com o governo gastando mais do que arrecada, mas é uma discussão necessária. Deve-se ter em mente que facilitar a vida das empresas será bom para a economia do País. Muitas delas estão se sentindo acuadas. Hoje, 80% das autuações do Fisco estão concentradas em um grupo de aproximadamente 8 mil empresas. Certamente é uma questão de praticidade fiscalizar as maiores arrecadadoras, é mais fácil ir lá e pegar os ovos de ouro, mas é preciso tomar mais cuidado para não matar as galinhas que produzem esses ovos.

“O mais preocupante é que os números só crescem”

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) aposta na conciliação e na mediação como estratégias para desafogar o contencioso tributário e solucionar possíveis conflitos antes que se tornem litígios. “É preciso filtrar a lavratura de autos de infração, de modo que somente se tornem contenciosos os casos em que as diferenças de entendimento entre Fisco e contribuinte sejam inconciliáveis”, avalia o diretor do departamento jurídico da Fiesp, Helcio Honda, que também é sócio-fundador do escritório Honda, Teixeira, Araujo, Rocha Advogados, especializado em Direito Empresarial.

Ele chama a atenção também para a ampla estrutura que as empresas precisam ter para cumprir as obrigações fiscais, enquanto as devedoras contumazes tiram proveito da complexidade e da morosidade do sistema.

A seguir, as opiniões do diretor jurídico da Fiesp.

Faltam perspectivas reais de solução

O contencioso tributário compromete o ambiente de negócios e prejudica o desenvolvimento das atividades econômicas no País. Não há outra situação como a do Brasil, em que a soma das discussões administrativas e judiciais das três esferas de governo supera metade do PIB anual. Além disso, uma demanda tributária beira vinte anos de tramitação quando passa por todas as instâncias administrativas e judiciais.

Isso resulta em efeitos nocivos, econômicos principalmente, tanto para o Fisco quanto para o contribuinte. E o que mais me preocupa é que os números do contencioso tributário não param de crescer, sem que tenhamos perspectivas reais de soluções para esse quadro.

Afasta investimento e enseja concorrência desleal

O alto custo da conformidade fiscal impacta de forma muito negativa a eficiência das empresas e traz imprevisibilidade ao ambiente de negócios. Isso se reflete também no baixo nível de investimentos, pois a provisoriedade decorrente da falta de simplicidade e estabilidade de regras do sistema tributário leva à contenção de investimentos. Há, portanto, um grande “Custo Brasil” decorrente de todo esse contencioso.

As empresas são obrigadas a manter um contingente expressivo de funcionários exclusivamente dedicados a cumprir as obrigações fiscais, além de assessorias especializadas e escritórios de advocacia. Esse mesmo cenário abre espaço para que pretensas empresas tirem proveito da complexidade da tributação e dos seus respectivos procedimentos de cobrança para exercer atividades em concorrência desleal, descumprindo sistematicamente as obrigações tributárias.

Faltam canais de comunicação

A causa mais importante do contencioso tributário é a complexidade do sistema tributário nacional. Isso leva à morosidade dos processos e a decisões dissonantes nos âmbitos administrativo e judicial, o que aumenta a insegurança jurídica e o clima de litigiosidade.

A legislação, além de extensa e complexa, atribui ao contribuinte o dever de interpretá-la e aplicá-la, tendo o Fisco o prazo de cinco anos para rever os procedimentos do chamado autolançamento. Isso se converte numa fonte importante dos litígios fiscais, senão a principal, pois a legislação muda constantemente e o contribuinte tem que aplicá-la sem conhecer previamente o entendimento do Fisco, que só vem depois e já por meio de autos de infração.
Faltam canais de comunicação, seja para a divulgação prévia do posicionamento fiscal sobre os diversos aspectos da legislação, seja para ajuste dos procedimentos do contribuinte ou para o acertamento do crédito tributário.

Excesso de obrigações acessórias

Muitas vezes as demandas do contencioso tributário são originadas por equívocos no lançamento por parte do contribuinte ou do Fisco, situações que poderiam ser resolvidas sem trâmites processuais engessados. A quantidade de obrigações fiscais a serem cumpridas também é causa relevante de conflitos, inclusive em razão das multas excessivas previstas na legislação para o caso de descumprimento de obrigações acessórias.

Essas obrigações, frequentemente, nem impactam a apuração e o recolhimento dos tributos – ou seja, são questões formais, cujas infrações, muitas vezes, não trazem prejuízo ao Fisco. É importante, também, criar formas de responsabilização pessoal do agente fiscal nas hipóteses de dolo e erro grosseiro.

Propostas defendidas pela Fiesp

Há muito a fazer, desde simplificar e padronizar a legislação tributária e as obrigações fiscais a serem cumpridas até aprimorar a relação institucional Fisco-contribuinte para solucionar possíveis conflitos antes que se tornem litígios. É preciso filtrar a lavratura de autos de infração, de modo que somente se tornem contenciosos os casos em que as diferenças de entendimento sejam inconciliáveis.

Outra bandeira da Fiesp é a vinculação de benefícios à classificação de risco dos contribuintes. Ou seja, criar mecanismos para valorizar empresas que têm bom compliance. Há vários mecanismos para punir o mau contribuinte, mas nenhum para reconhecer e dar vantagens a quem faz as coisas direito. A ideia é que seja criado um sistema de rating, a exemplo do que ocorre nos seguros de carro, por exemplo, de tal forma que o contribuinte que alcança certo patamar de pontuação receba determinado nível de desconto. Estamos trabalhando num anteprojeto para que esse conceito possa vir a ser implantado de forma linear no âmbito federal.

“Não pode haver absoluta liberdade para aprovar norma sem uma reflexão consequencialista”

O superintendente jurídico da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Cássio Borges, afirma que os contribuintes brasileiros costumam ser surpreendidos por autuações de valores inexplicáveis. E aponta a insegurança jurídica como uma das principais razões do contencioso elevado. Ele cita exemplos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Superior Tribunal Federal (STF) e do Ministério da Economia para ilustrar os tipos de incerteza que afetam os contribuintes.

Para reduzir a insegurança jurídica, defende que o Congresso Nacional adote mecanismos para medir os efeitos das normas que são ali aprovadas, de modo a inibir o subjetivismo que, em sua opinião, muitas vezes acaba prevalecendo na produção legislativa.

Confira trechos da entrevista.

Valores sem explicação e insegurança jurídica

Um aspecto do contencioso tributário que chama muito a atenção são os valores envolvidos. Não é raro serem lançados valores sem base teórica ou metodológica. A Receita Federal apresenta um número e há uma dificuldade enorme em descobrir como ele foi calculado – isso quando se consegue descobrir.

Outro aspecto é a insegurança jurídica. O direito tem que trazer confiança para quem dele se vale. O contribuinte pratica seus atos a partir da norma que está posta. O direito também tem de ser previsível. O contribuinte não será surpreendido a cada ano de exercício com a mudança do direito. A falta desses elementos afugenta investimentos. Há vários exemplos da insegurança do nosso sistema.

Mudança de ministro e revisão de jurisprudência

No STJ, uma decisão recente sobre a inclusão do custo da capatazia no valor aduaneiro foi impactante. Tínhamos a expectativa de que a jurisprudência fosse confirmada em favor do contribuinte, mas uma mudança da composição da 1ª Turma, com o retorno de um ministro, fez com que toda uma jurisprudência e precedentes que estavam se confirmando fossem revistos. É um elemento de insegurança jurídica que repercute em toda a estratégia de indústrias que lidam com importação de produtos para uso final ou insumos.

Decisão do Supremo sobre ICMS na base do PIS e da Cofins

No STF, o exemplo é a tese da não inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. O ponto que interessa neste caso, relativo à segurança jurídica, está no pleito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para que haja uma modulação – e os efeitos da decisão passem a valer a partir de um determinado marco temporal para a frente.

Não critico aqui os efeitos prospectivos das decisões, que às vezes são necessários. Mas, neste caso, o STF já decidiu a questão em 2004 e está debruçado sobre ela desde 1998. Na década de 2000, já havia na corte um julgamento pendente de conclusão, com sete votos favoráveis aos contribuintes, que foram surpreendidos com a ADC 18 da União, que interrompeu o julgamento. Há uma série de instrumentos processuais utilizados pelo poder público para evitar que esta discussão chegue ao fim. Não me parece adequado que a PGFN faça esse tipo de requerimento e que o Supremo acolha tal pedido. Era um direito posto, conhecido e praticado pelo contribuinte de acordo com as regras postas e com os precedentes do Supremo.

Portaria sobre súmulas do Carf sem representantes dos contribuintes

No Executivo, há o exemplo da Portaria nº 531/2019 do Ministério da Economia, criando um comitê de elaboração de súmulas da administração tributária federal. Participamos ativamente da questão, pois o propósito da portaria era justamente estabelecer os precedentes e sumular decisões do Carf. Mas, para a nossa surpresa, não havia conselheiros dos contribuintes participando desse comitê. E pior: indicava pessoas em cargos de confiança, o que não gerava segurança ou estabilidade, pois eles poderiam ser afastados a qualquer tempo pelo governo.

Faltava legitimidade a quem iria estabelecer a jurisprudência. Como participar de um julgamento, mas, na hora de definir os precedentes com teses reiteradas, dar espaço a outras pessoas que não fizeram parte daquele julgamento e não compõem aquele conselho fiscal? O Ministério da Economia revogou a norma a pedido da CNI, mas essa situação exemplifica a insegurança jurídica.

Por um legislativo mais consequencialista

Uma proposta apresentada pela CNI é a de se começar, no âmbito do Congresso Nacional, a medir os efeitos das normas, de agir em uma linha consequencialista. Seria interessante que as normas, quando fossem construídas, passassem por esse crivo.

Dentro dessa lógica, tivemos a Lei nº 13.655/2018, apelidada de “Lei de Segurança Jurídica”, escrita por professores de São Paulo, que passou a estabelecer a necessidade de motivação de certas decisões. Não creio que essa lei chegue a alcançar a construção legislativa, pois está dirigida à execução, à aplicação do direito, mas ela dá um norte, um caminho de que não pode haver um absoluto subjetivismo, uma absoluta liberdade do congressista para propor e aprovar todo tipo de norma sem uma reflexão consequencialista. É um trabalho a ser desenvolvido no Congresso Nacional para melhoria do nosso direito e das nossas normas.

“Estamos criando uma relação inédita entre o Fisco e o contribuinte”

A lei nº 13.988/2020, aprovada a partir da Medida Provisória 899/2019, ou MP do Contribuinte Legal, trouxe esperança de redução do contencioso fiscal ao instituir o instrumento da transação tributária, que autoriza a celebração de negociação e acordo entre Fisco e contribuintes para encerrar litígios. No desafio de transformá-la em lei, coube papel de destaque ao deputado federal Marco Bertaiolli (PSD-SP), que em seu primeiro ano na Câmara dos Deputados assumiu a relatoria da comissão mista que analisou o projeto no Congresso Nacional.

O deputado acredita que o novo instrumento tem grande potencial de melhorar a relação entre o Fisco e os contribuintes, reduzir o contencioso, preservar empresas e empregos e ao mesmo tempo elevar a arrecadação do Estado. Ele também defende uma simplificação do sistema tributário que inclua a reforma do ICMS.

Confira a seguir.

Ambiente favorece o litígio

Nós temos uma legislação tributária altamente complexa, além de uma carga tributária elevada. Então temos um ambiente favorável ao equívoco e ao erro – e não o erro proposital, mas o erro derivado da impossibilidade de cumprir uma legislação tão complexa como a nossa.

O contencioso é elevado porque as empresas têm entendimentos diferentes do entendimento do Fisco e precisam de esclarecimento para não incorrer em ilegalidades. Mas temos um ambiente que favorece o contencioso e não o esclarecimento das normas tributárias.

Diminuir as estruturas tributárias nos dois lados

Precisamos simplificar a forma de arrecadar impostos no Brasil. Primeiro, para desonerar a gigantesca máquina pública para cobrar os impostos. E também para diminuir a máquina privada que existe para pagar os impostos.

A forma de diminuir essa disputa fiscal é termos uma legislação simples, a qual esteja acima do entendimento do fiscal da Receita Federal que prevalece hoje. É preciso ter transparência, tranquilidade e segurança jurídica fiscal para que nossas empresas possam trabalhar.

Uma nova relação entre Fisco e contribuintes

A conversão da Medida Provisória 899/2019, ou MP do Contribuinte Legal, na lei nº 13.988/2020 buscou criar um relacionamento novo do Fisco com o contribuinte brasileiro. Hoje, as empresas conseguem conversar com a Receita Federal somente por meio de seus advogados e por meio de petições judiciais.

A nova lei deve ajudar a construir uma relação de entendimento, em que o Fisco poderá interpretar a capacidade de pagamento de tributos de uma empresa que esteja em dificuldades financeiras para que ela continue trabalhando, operando, gerando emprego e pagando impostos como for mais adequado ao seu patrimônio. A lei traz garantias ao Fisco e transparência às empresas.

Projeto foi uma construção coletiva

Durante o processo de discussão da MP do Contribuinte Legal, estivemos em várias associações falando sobre o tema, como a Associação Comercial de São Paulo e a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Pauo), e a receptividade foi a melhor possível.

Com a nova lei, estamos criando uma relação inédita entre o Fisco e o contribuinte brasileiro. Após essa relação ser criada, podemos passar por um período de adaptação e alguns ajustes podem ser feitos.

O projeto foi uma construção coletiva. A Receita Federal, o Ministério da Economia, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e vários deputados contribuíram para o aprimoramento do projeto.

Reforma tributária e simplificação do ICMS

Há que se ter uma simplificação dessa arrecadação de impostos, que hoje é altamente complexa no Brasil. Por isso que a Reforma Tributária é muito importante.

Não é apenas uma questão de se vamos pagar mais ou menos impostos, mas sim a simplificação do sistema tributário brasileiro. Não podemos ter uma federação com 27 estados e cada um com uma norma diferente de ICMS. Nem é a diferença de alíquota o real problema, mas sim o regime tributário que torna a operação inviável às empresas brasileiras.

Expectativa de arrecadar R$ 12 bilhões no primeiro ano

Não é só o contencioso tributário que assusta. O próprio passivo fiscal brasileiro, de R$ 3,4 trilhões, é algo que incomoda e faz falta no caixa do governo. Temos mais de meio PIB brasileiro de passivo – e boa parte desse valor poderia impactar positivamente os cofres públicos. Não na sua totalidade, uma vez que há muitos créditos podres nessa lista.

Nossa expectativa é que a lei do Contribuinte Legal deve gerar no mínimo R$ 12 bilhões no primeiro ano.

“Fisco e contribuinte não são figuras que se opõem”

Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor do Mestrado Profissional da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), onde é um dos coordenadores do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF), o juiz federal Paulo Cesar Conrado critica a postura intransigente que as partes envolvidas no contencioso tributário – Fisco, contribuintes e Judiciário – adotam muitas vezes para tentar resolver seus próprios problemas.

Ele defende a criação de Varas tributárias para processar e julgar as demandas relacionadas ao tema, o que proporcionaria vantagens como redução de etapas e especialização do julgador. “Hoje, causas tributárias extremamente relevantes do ponto de vista econômico convivem com causas de valor inexpressivo e que deveriam ser processadas e julgadas em outro ambiente”, avalia.

A seguir, a visão dele sobre o contencioso.

Avanços significativos

O contencioso judicial evoluiu muito em comparação ao que vivíamos três décadas atrás. As inúmeras reformas pelas quais o Código de Processo Civil (CPC) anterior passou na década de 1990, a Emenda Constitucional 45, da Reforma do Judiciário, e, mais recentemente, o advento do CPC de 2015, foram eventos que serviram, de um lado, para deixar à mostra as fragilidades do sistema processual e, de outro, para intensificar a busca por soluções. Ainda estamos muito longe do ideal, mas já há suficiente massa crítica sobre a necessidade de estabilidade, de segurança, o que demanda o aperfeiçoamento urgente de instrumentos dirigidos a esse resultado. Nesse ponto destacam-se figuras como os recursos repetitivos processados nos tribunais superiores.

Filtro administrativo

O ponto mais crítico parece estar hoje no contencioso administrativo, alvo de intensa crise institucional nos últimos anos, o que acabou fragilizando sua atuação. Isso é muito preocupante, pois, em meu entender, o contencioso administrativo tem um papel fundamental para o sistema processual tributário – o de filtrar questões que podem (ou poderiam) ser resolvidas independentemente do Judiciário. Se os órgãos administrativos julgadores não se imbuírem desse espírito, sua atuação corre o risco de se tornar puramente protocolar.

Espírito de cooperação

Fisco e contribuinte não podem se enxergar como figuras que se opõem, mas sim que se complementam. O contencioso tributário decorre principalmente da falta de postura cooperativa. É fruto da intransigência de seus atores, muito interessados em resolver seus próprios problemas. Fisco, contribuinte e Judiciário passaram as últimas décadas tentando fazer prevalecer seus desejos – o de arrecadar, no caso do Fisco; o de manter-se livre da atividade tributária, dos contribuintes; e o de reduzir seu acervo, do Judiciário. Todas pretensões legítimas, mas que devem coexistir e não se anular.

É evidente que num sistema tributário tão complexo, especialmente no que se refere a deveres instrumentais, abre-se espaço para intensa litigiosidade. Ainda assim acho que esse ambiente de beligerância histórica segue sendo a principal causa do gigantismo de nosso contencioso. Tanto é assim que, a partir de elogiáveis iniciativas tomadas no âmbito federal, sobretudo no que tange à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) – como quando passou a servir-se de instrumentos como a transação e o negócio jurídico processual –, o número de processos assumiu clara tendência de queda.

De todo modo, a simplificação do sistema ajudaria muito na construção de um contencioso mais resolutivo e menos beligerante.

Competências redefinidas

Já avançamos muito em termos normativos. Precisamos tornar reais, na prática judicial, ideias fixadas em lei, sobretudo no CPC de 2015. Vale destacar, nesse sentido, o aprimoramento pragmático do sistema de julgamento de temas afetados nos tribunais superiores, coisa que depende muito pouco de ajustes legais, muito mais de gestão. O único aspecto propriamente normativo que, creio, poderia resolver muitos problemas do contencioso tributário relaciona-se ao plano das competências.

O Judiciário, notadamente o federal, vive, hoje, um verdadeiro paradoxo nesse aspecto. Causas tributárias extremamente relevantes do ponto de vista econômico convivem com causas de valor inexpressivo e que deveriam ser processadas e julgadas em outro ambiente, como o dos Juizados. É o que se passa, por exemplo, com grande parte das execuções fiscais referentes às dívidas de profissionais com seus respectivos conselhos de classe.

A criação de Varas tributárias, onde se processariam e julgariam todas as demandas afetas à matéria, não importa se relacionadas a cobrança ou a defesa, seria um grande passo, pois reduziria complexidades e permitiria a especialização do julgador. Descomplicando-se a rede de instrumentos hoje usada – declaratória, seguida de anulatória, seguida de execução, seguida de embargos etc. –, o número de processos certamente seria reduzido.

“Falta aos nossos juízes um balizamento a seguir”

O desembargador Paulo Sérgio Domingues, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, acredita que uma das principais razões para o nível elevado de litígios entre o Fisco e os contribuintes esteja na falta de estabilização da interpretação da legislação por parte dos tribunais superiores.

Mestre em Direito pela Universidade de Frankfurt e ex-presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Domingues diz que essa falta de balizamento explica muitas decisões divergentes para casos semelhantes no Judiciário. “A quantidade de trabalho de um juiz é tão grande que não dá tempo de ficar fazendo tese jurídica”, ele afirma. “A realidade é que faz falta uma decisão mais rápida dos tribunais superiores.”

Outra causa que ele aponta é a demora e as lacunas com as quais os processos tributários chegam da esfera administrativa ao Judiciário, o que muitas vezes acaba inviabilizando a cobrança e aprofundando a sensação de impunidade.

O desembargador defende mudanças no processo de execução fiscal e a aprovação de legislação para distinguir o devedor eventual do devedor contumaz de tributos.

A seguir, algumas passagens da entrevista que fizemos com ele.

Interpretação controversa gera mais contencioso

Muitos conflitos poderiam ser evitados se tivéssemos estabilidade no que diz respeito à fixação da legislação fiscal. Num sistema tributário como o nosso, com legislação confusa e sobreposição de legislações federal, estaduais e municipais, isso se torna ainda mais grave.

A pacificação da interpretação depende da estabilização da jurisprudência nos tribunais superiores. Nossa sociedade quer uma interpretação que a pacifique ao longo do tempo. A existência de incerteza na interpretação da legislação tributária só gera mais conflitos. É claro que cada um vai procurar defender seus interesses quando for autuado por algo baseado em interpretação controversa.

Juiz não tem tempo para fazer tese jurídica

Os juízes brasileiros são bem preparados para julgar causas tributárias – não acredito que a falta de uma especialização maior possa ser apontada como parte do problema. Ouço dizerem que há muitas decisões em sentidos diversos, mas o que falta é um balizamento a seguir.

Quando estava em tramitação a Emenda Constitucional nº 45/2004, da Reforma do Judiciário, discutia-se muito a urgência de instituirmos a súmula vinculante. Diziam que o grande problema do País era os juízes não seguirem a jurisprudência do Supremo. Sempre achei que era inútil, porque o nosso problema nunca foi esse. A quantidade de trabalho de um juiz é tão grande que não dá tempo de ficar fazendo tese jurídica. A realidade é que faz falta uma decisão mais rápida dos tribunais superiores.

Ter uma definição rápida sobre essas matérias onde há repercussão geral seria extremamente útil para reduzir toda a cadeia do contencioso – desde as autuações por parte do Fisco até as ações judiciais.

Demora e lacunas no processo administrativo

Outro problema é a forma como os processos chegam da esfera administrativa para o Judiciário – por conta da grande dificuldade de estrutura da administração tributária. É muito comum eles chegarem mal preparados, com vários buracos. Não me refiro só à parte legislativa, mas a aspectos como a tipificação dos autos de infração, do porquê do surgimento do débito, ou a localização do devedor e de seus bens. O processo demora tanto na esfera administrativa até chegar a uma conclusão, a uma apuração do débito, que, quando se propõe a execução fiscal, já não se encontra mais o devedor nem os seus bens.

E isso alimenta um ciclo vicioso. A ideia de que se alguém praticar uma infração não será rapidamente identificado e punido acaba estimulando essa prática. A perspectiva de uma cobrança pouco eficaz favorece o contribuinte mal intencionado.

Tirar da Justiça o papel de cobradora

Há muito tempo se discute uma alteração no processo tributário. Uma mudança que eu defendo é a pré-judicialização da primeira fase da execução fiscal, da cobrança da dívida. Hoje, o Judiciário atua como um cobrador de dívida em nome do credor. Penso que esse papel poderia ser atribuído à Receita, e o Judiciário ser acionado somente quando houvesse uma controvérsia levantada pelo devedor ou em momentos como a penhora ou o arrolamento de bens. Como se trata de um tema polêmico, é necessário que haja cuidado com esse tipo de operação, mas acho que isso poderia fazer a execução fiscal andar mais rapidamente.

Também acredito que poderia haver alguma simplificação do processo administrativo-judicial. Talvez não precisasse de três esferas administrativas e mais três judiciais.

O debate sobre alterações na lei de execução fiscal é bem maduro. Acho que já é hora de o Congresso Nacional realizar uma mudança legislativa que venha atender aos interesses da sociedade.

Lei mais dura contra o devedor contumaz

Outra ponto que me parece extremamente importante é consolidarmos uma legislação contra o devedor contumaz de tributos. Precisamos de mecanismos para diferenciar aquele contribuinte que cumpre as suas obrigações tributárias, mas que eventualmente passa por uma dificuldade e deixa de recolher os valores temporariamente, daquele que tem má-fé, não paga e nem tem intenção de pagar os tributos, prejudicando toda a sociedade. Se alguém está usando isso como mecanismo de sobrevivência da sua empresa, como forma de levar vantagem sobre o concorrente, não está agindo na forma ideal.

Precisamos de uma legislação que permita tratar o primeiro de forma menos draconiana – e adotar instrumentos mais rigorosos contra o devedor contumaz.