Crime se infiltra em negócio legal e dificulta investigações

Maior organização criminosa do Brasil, o PCC já não é mais um problema restrito às autoridades de segurança. Tornou-se também um fator que atrapalha e distorce negócios de diversos setores os Estados.

Empresas relatam dificuldades para concorrer com negócios que recebem “investimentos” da facção criminosa com intuito de lavar dinheiro e, alguns casos, de gerar receita extra para o crime.

Outras companhias têm rotinas alteradas em função da ameaça à segurança de suas operações em áreas sob controle do crime.

Recentemente, alertas sobre a penetração do crime organizado na economia formal foram feitos por promotores de Justiça, pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e até pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Também surgiram informações sobre empresas ligadas ao crime sendo contratadas por órgãos públicos.

Ao longo de duas semanas, o Valor reuniu relatos de empresas, advogados, de integrantes do Ministério Público, da Polícia Federal, de deputados que fizeram carreira na polícia e de acadêmicos sobre os reflexos do crime organizado nos negócios.

Ex-proprietário de postos de combustíveis em São Paulo, um empresário que refere se manter anônimo por segurança conta que o que pagava à distribuidora era muitas vezes o preço que postos próximos aos seus cobravam na bomba. Segundo ele, muitos concorrentes com preços muito baixos são “lavanderias do dinheiro da droga”. Quando quis sair do negócio, um dos interessados em comprar o negócio era de fora do setor. Acabou vendendo para outro pretendente.

A lista de negócios lícitos que passaram a interessar ao crime para lavagem de dinheiro inclui hotéis, motéis, restaurantes, açougues, clínicas de estética, lojas de carro, padarias e até fintechs.

No início de abril, uma operação da Polícia Federal fez uma investida contra duas empresas de São Paulo que produzem artistas e festas de funk, também apontadas como canais de lavagem.

“O crime organizado movimenta muito dinheiro da droga, que é sua principal receita. É um dinheiro que precisa ser lavado. Muitas vezes, os criminosos iniciam uma empresa com o dinheiro que precisa ser lavado e de repente o negócio surge. Não estamos falando de pequenos negócios, mas de estabelecimentos que vendem bons produtos, onde vai haver giro de dinheiro legal misturado com o ilegal e isso dificulta as investigações”, diz o delegado regional de Polícia Judiciária da Polícia Federal em São Paulo, Cristiano de Pádua. Outras vezes, o crime se associa – por meio da cooptação – a empresas já constituídas, diz o delegado. Nesse caso, o dono do negócio consegue elevar sua lucratividade, ficando com uma parte do dinheiro lavado pelo crime.

Às vezes, a entrada do crime num negócio legal se dá pela coação. O dono de uma padaria que tinha grande movimento na capital paulista recebeu uma oferta irrecusável de compra, associada a uma ordem para que ele aceitasse logo o negócio. O crime organizado também se vale de um dos negócios que mais movimentam dinheiro: a indústria de cigarros.

“Esse é um assunto que passou a ser tema de discussões periódicas na direção da companhia”, diz o integrante de uma fabricante de cigarros. Criminosos ligados ao PCC, ao Comando Vermelho, aos Os Manos (do Rio Grande do Sul) e a outras facções são vistos pela indústria como motores por trás das operações com cigarros ilegais. Outro player relevante do mercado clandestino, ao menos no Rio, são operadores do jogo do bicho.

Parte dos cigarros de marcas paraguaias vendidas ilegalmente no Brasil entra no país como contrabando e tem como atrativo o baixo preço. São marcas legais no Paraguai, mas não aqui.

Outra parte dos cigarros ilegais tem sido produzida no próprio no Brasil. São fabriquetas improvisadas que falsificam cigarros das marcas paraguaias, para reduzir custos e riscos da logística internacional.

No ano passado, os brasileiros fumaram 108,7 bilhões de cigarros. Deste total, 36%, ou 39 bilhões de unidades, eram cigarros ilegais, segundo estudo do Ipec, empresa de pesquisas de mercado. A fatia de mercado nas mãos de criminosos era de cerca de R$ 10 bilhões.

A contaminação de empresas privadas pelo PCC ganhou destaque este mês em São Paulo em função de dois casos. Um deles, uma operação que desmantelou um esquema que envolvia dirigentes de duas empresas de ônibus da capital paulista com criminosos do PCC. As empresas movimentam legalmente milhões de reais todos os anos, com receita própria e com repasses da prefeitura. Promotores públicos apontaram que parte desse dinheiro beneficiava o PCC.

Outra operação investiu contra um esquema de fraudes em licitações em prefeituras e câmaras municipais em cidades do interior paulista e que também beneficiava empresas de prestação de serviços de limpeza e fiscalização que tinham por trás integrantes do PCC, segundo os promotores.

Um advogado que conhece empresas que prestam serviços na área de limpeza relata que a presença do esquema criminoso em cidades paulistas está fazendo com que alguns empresários do ramo simplesmente deixem de buscar contratos em municípios onde o crime é concorrente direto.

Para as empresas legais, o ambiente de insegurança e concorrência com o crime é fatal, diz Edson Vismona, presidente executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e do Fórum Nacional Contra a Pirataria.

Segundo a Confederação Nacional da Indústria as perdas de 14 setores para atividades ilícitas passaram de R$ 100 bilhões em 2014 para R$ 410 bilhões em 2022.

O MP já apontou ligações de integrantes do PCC com Organizações Sociais de Saúde (OSS), que prestam serviços para equipamentos públicos de saúde.

Lincoln Gakiya e Fábio Bechara, promotores de Justiça de São Paulo, dizem que aposta na entrada em empresas formais vem muitas vezes acompanhada de esquemas para driblar os órgãos de controle, sempre com a meta de ocultar os reais beneficiários.

Empresas discutem como combater a pirataria

Setores da economia afetados por pirataria e falsificação de produtos estão unindo esforços para intensificar o combate a esse tipo de crime, diante do aumento significativo de casos nos últimos anos.
Em encontro realizado ontem em São Paulo, representantes de segmentos como audiovi-sual, produtores de conteúdo, combustíveis e vestuário, entre outros, iniciaram mobilização para trabalhar com troca de informações e ações junto ao poder público, a fim de mostrar como a pirataria afeta não só as empresas, como também a população.

— São menos hospitais públicos, ou menos empregos provocados pela sonegação de impostos e pela falsificação de produtos ou pirataria de sinal de tevê, por exemplo. Cada setor vem fazendo seu trabalho, masaideia é que possamos trabalhar juntos na mesma direção para combater essas ilegalidades —diz André Dias, diretor de Relações Institucionais e Projetos Especiais da Globo, que organizou o encontro.
Os números levantados pelo Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade
(FNCP) mostram que, em 2022, o mercado ilegal cresceu 34,2% em relação a 2021, provocando perdas de R$ 410 bilhões à economia, envolvendo sonegação de impostos, venda de produtos falsos, violação de direitos autorais. Os números foram levantados junto a 14 setores, e o valor corresponde a duas vezes e meia o volume de recursos de que o governo precisa (R$ 168 bilhões) para fechar 2024 com déficit zero.
Edson Vismona, presidente do FNCP, observa que a população precisa se conscientizar de que, ao comprar cigarros falsificados ou combustível adulterado, está financiando o crime organizado e as milícias, que vêm dominando essas atividades ilegais.
— A união entre setores afetados, sociedade e poder público é fundamental para combater esse mercado irregular — afirma Vismona.

A travessia da reforma tributária

Enfim aprovamos a reforma tributária, almejando a superação de antigas mazelas que afetam nosso crescimento econômico. Sairemos de um sistema antigo para um novo, iniciando a regulamentação e implementação das medidas gerais da Emenda Constitucional 132. Chegou a hora de começarmos nossa travessia — prevista para dez anos — rumo à terra prometida em busca de crescimento do PIB, equidade tributária, neutralidade fiscal, simplificação, transparência, desburocratização, modernização dos impostos, redistribuição da arrecadação entre os entes federativos, diminuição da sonegação, arrecadação no destino, mudanças no imposto de renda, fim do efeito cascata.

Começamos uma longa caminhada, e o antigo e o novo conviverão na transição.

Nessa caminhada haverá o debate de dezenas de leis complementares, detalhando mais de 70 pontos que deverão ser regulamentados mediante propostas do governo para o Parlamento.

A definição das alíquotas; quem pagará e para quem; as exceções com alíquotas menores; como será a administração do sistema e a interação entre os entes federativos; a arrecadação, fiscalização e distribuição dos tributos pelo Comitê Gestor que será criado; os mecanismos de compensação entre estados e municípios; normas processuais e definição do imposto seletivo são alguns dos importantes temas que despertarão muitas disputas e gerarão grande movimentação em toda a sociedade, com profundas discussões técnicas nos setores jurídico, de auditoria e contábil.

Enfrentaremos a divergência entre os que defendem, com razão, o necessário equilíbrio das contas públicas e quem não concorda com corte de gastos, instalando um embate que afetará o tamanho da carga tributária.

No meio corporativo haverá conflitos entre setores produtivos para definir que atividades serão mais ou menos oneradas e como serão estabelecidos os critérios para a incidência do Imposto Seletivo. E ainda temos de garantir os direitos dos contribuintes, diminuir o trilionário contencioso tributário, combater a sonegação e o crescimento do mercado ilegal, questões que necessariamente deverão estar diretamente inseridas nesses debates.

Diante de tantas matérias que deverão ser esmiuçadas, e sabendo que “Deus ou diabo estão nos detalhes”, chegou o momento de decidir se aproveitaremos ou perderemos essa oportunidade histórica de, finalmente, aperfeiçoar nosso sistema tributário.

Com certeza, não será uma travessia tranquila. Teremos que abrir mares, enfrentar maus conselheiros e profundos conflitos de interesses, aceitar mudanças estruturais e assim, sem Moisés para nos guiar, temos de seguir em frente.

Sair do discurso e partir para a ação. Nosso destino depende de acertarmos o rumo e superarmos arcaicas estruturas que dificultam o nosso desenvolvimento econômico e social. Em verdade, precisamos nos afastar do que afirmou Roberto Campos: “O Brasil não perde a oportunidade de perder uma oportunidade.”

 

O que realmente funciona para derrotar o contrabando? Conheça sete ações

Nas fronteiras brasileiras, o crime organizado está vencendo. Mantém vastas redes de colaboradores, organizados e bem armados, para transportar de armas e drogas até cigarros e agrotóxicos para dentro do país. Os lucros obtidos com as vendas de roupas, perfumes e eletroeletrônicos ajuda a financiar, inclusive, o pagamento de propinas. Enquanto isso, as forças da lei se veem às voltas com contingenciamentos no orçamento.

“A corrupção é um problema de caráter econômico, porém também social, e está presente devido às condições de trabalho, insegurança, falta de infraestrutura, bem como desvios de conduta do agente corrompido”, afirma o advogado José Vicente Santos de Mendonça, professor de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, onde coordena o Laboratório de Regulação Econômica.

Como combater esse círculo vicioso? Confira sete medidas capazes de reduzir a força do contrabando e do descaminho. Elas funcionam melhor se tomadas em conjunto, de forma a atacar o crime, simultaneamente, em diversas frentes.

1. Apostar em tecnologia

Satélites, sensores e radares são capazes de identificar veículos roubados utilizados para transportar contrabando nas estradas. Aviões não tripulados podem atacar aeronaves e embarcações utilizados pelos criminosos. Leitura biométrica nos postos de fronteira reduz o risco de um suspeito escapar porque utilizou documentos falsos. “As novas tecnologias de controle de pessoas e bens nas fronteiras e aeroportos são uma tentativa de se adaptar à realidade atual, em que pessoas e bens são altamente móveis”, afirma a pesquisadora Pinja Lehtonen, da Universidade de Tampere, na Finlândia.

“Por outro lado”, aponta a pesquisadora, “as organizações criminais internacionais contam com uma enorme quantidade de dinheiro e pessoas muito inteligentes a seu dispor, o que indica que as soluções tecnológicas só funcionariam até que os criminosos encontrassem uma forma de driblá-las”, diz ela, que desenvolve sua pesquisa de doutorado sobre o controle automatizado de fronteiras na União Europeia.

Ou seja: apenas comprar tecnologia não basta. O fator humano, diz ela, ainda tem um peso muito grande. “Oficiais experientes podem detectar o nervosismo de um suspeito com grande facilidade”.

2. Equipar os agentes da lei

“A receita dedicada ao ataque ao contrabando não é suficiente. Em termos de infraestrutura, o crime organizado ganha de goleada”, afirma Luciano Barros, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf). O Brasil tem menos de mil agentes da Polícia Federal atuando em toda a extensão de fronteira.

No Brasil inteiro, apenas 48 mil servidores federais atuam na segurança, contra 120 mil nos Estados Unidos. As Forças Armadas, que realizam ações frequentes nos pontos mais estratégicos das divisas brasileiras, precisaram adaptar a estratégia depois que, entre 2012 e 2017, o orçamento para gastos discricionários caiu 44%. O foco agora é em ações pontuais. São operações de grande porte, que agregam dezenas de diferentes agências governamentais. Mas, ao fim da ação, a fiscalização rotineira das fronteiras volta a ser falha.

3. Realizar ações integradas

Para evitar que um suspeito investigado pela Polícia Civil, por exemplo, passe por uma blitz da Polícia Rodoviária sem ser detido, o Ministério da Justiça e Segurança Pública aposta na criação do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), um serviço que reuniria todas as informações disponíveis no país inteiro sobre investigações em andamento e boletins de ocorrência. Mas o sistema ainda está em fase de implementação.

4. Atacar a corrupção

Seja nos postos de fronteira, seja nos camelódromos, os criminosos costumam contar com o suporte de agentes que recebem propinas para liberar a passagem. “Os dados comprovam que o número de desvios e de corrupção policial são significativos”, afirma o estudo “A corrupção policial em debate: Desvio e impunidade nas instituições policiais do Rio de Janeiro”, de autoria de Andréa Ana do Nascimento, pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

O estudo aponta que, entre 2009 e 2013, o número de reclamações contra as ações da Polícia Militar e da Polícia Civil no Rio de Janeiro aumentou, respectivamente, 93,6% e 68,5%. Enquanto isso, o total de policiais punidos caiu de 21, em 2010, para 4, em 2013.

5. Agir nas cidades

Os criminosos passam pela fronteira, mas o mercado consumidor de produtos contrabandeados está nas maiores cidades. É o que lembra Edson Luiz Vismona, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP). “É essencial atacar a venda ilegal nas ruas de todo o Brasil. Esse comércio de produtos pirateados ataca diretamente o comerciante honesto, que gera emprego legalizado e paga impostos”.

Para Vismona, ações de combate ao comércio ilegal, como as realizadas recentemente em São Paulo nos arredores da Rua 25 de Março, são capazes de atacar uma importante fonte de renda dos criminosos. “A cada vez que grandes cargas de contrabando são apreendidas, os grupos sofrem um baque. Recolher esses produtos é uma forma eficaz de dificultar a ação dos contrabandistas, na medida em que ataca seus lucros”, diz Luciano Barros.

6. Reduzir impostos

Na medida em que o Brasil reduziu os impostos sobre produtos eletroeletrônicos, a procura por versões piratas desses produtos diminui. Por outro lado, ao aumentar as taxas sobre cigarros, o país estimulou o consumo de versões vindas do Paraguai. Reduzir a taxação, ou convencer os países vizinhos a aumentar seus impostos de forma a equipará-los com os valores praticados no Brasil, é uma maneira de atacar o contrabando, ao reduzir o tamanho do mercado consumidor de produtos ilegais.

7. Melhorar a vida nas fronteiras

As cidades que ficam nas divisas do Brasil com outros países são caracterizadas por indicadores ruins de qualidade de vida, educação e geração de empregos formais. Estimular a entrada de empresas legalizadas nessas regiões, capazes de incrementar a renda e levar os jovens a procurar melhorar sua formação profissional, é uma forma eficaz de diminuir a mão-de-obra barata disponível para os grupos criminosos que atuam nas fronteiras.

Como o contrabando corrompe agentes públicos

O professor José Vicente Santos de Mendonça detalha a rotina do crime na tríplice fronteira em quatro momentos em que se dá a corrupção de agentes públicos. Acompanhe:

1º momento: Próximo à barranca do Rio Paraná e às margens do Lago de Itaipu, onde o valor disponibilizado é o menor, e existe um vínculo de cooperação mais estreito. Este vínculo é estabelecido entre o contrabandista e o agente público, sendo o valor da corrupção pré-estabelecido, e gira em torno de R$ 100/dia por agente público. Nesse caso, o agente público mantém-se indiferente à situação, e se estabelece uma relação de soma positiva, ou seja, todos “ganham” no trâmite.

2º momento: O agente público, após acordo com o contrabandista, faz o acompanhamento da carga até o limite de sua circunscrição, evitando, dessa forma, que a carga seja apreendida nos postos de fiscalização. Para este cenário o valor gira em torno de R$ 1.000 a R$ 1.500.

3º momento: Acontece nos postos de fiscalização, caso o veículo utilizado para transportar a carga seja parado. Nesse caso pode haver ou não um acordo prévio, e o valor do repasse gira em torno de R$ 3.000 a R$ 10.000.

4º momento: O ente público forja a apreensão, tendo como objetivo proporcionar ao contrabandista a oportunidade de negociação para a liberação de carga. Neste contexto, verifica-se o mais alto valor de corrupção, que varia de R$ 15.000 a R$ 50.000, podendo chegar a 50% do valor da carga, normalmente paga com a própria mercadoria.

Por Tiago Cordeiro, especial para a Gazeta do Povo – 06/07/2019

Despesismo

O título deste artigo remete a uma palavra ainda não incorporada aos dicionários brasileiros. Em Portugal, entretanto, já foi abonada pelo renomado dicionário da Academia de Ciências de Lisboa, que a define como a “prática que consiste no dispêndio exagerado de dinheiro, na realização de despesas ou gastos excessivos e utilidade pouco evidente, sobretudo por parte do Estado ou de outras entidades públicas”.

Na recente campanha eleitoral, não ouvi de nenhum candidato a qualquer cargo referência ao corte de despesas perdulárias. Ao contrário, muitos defenderam, não raro como mero apelo demagógico, a expansão das despesas.

É razoável admitir que algumas propostas de novos gastos tenham fundamento, mas deveriam vir acompanhadas de medidas visando a contenção do despesismo, senão seu financiamento ficará à conta de elevação da carga tributária, sabidamente alta, ou de um irresponsável aumento do endividamento público.

Além dos eventos climáticos extremos, não se pode desconhecer que o próximo governo enfrentará um cenário internacional adverso, envolvendo inflação e recessão nos países desenvolvidos, desaceleração econômica na China impactando as exportações de comodities, crise energética na Europa, fome na África e uma imprevisível trajetória na agressão da Rússia à Ucrânia.

No âmbito das enormes carências do Estado brasileiro, seria recomendável, embora pouco provável, a implementação de um programa de reestruturação do gasto público, que prestigiasse a eficiência, proclamada no art. 37 da Constituição, e eliminasse o despesismo.

Há uma inesgotável lista de despesas que sugam as receitas e comprometem a prestação de serviços públicos: o malsinado orçamento secreto, fonte permanente do mau uso do dinheiro público e da corrupção; os cargos de vice no Poder Executivo da União, Estados e Municípios; as cotas de “representação” parlamentar; a remuneração e as “assessorias” de vereadores em pequenos Municípios, que subsistem às custas de transferências; a remuneração de agentes públicos por participação em conselhos de empresas estatais; a jornada de trabalho dos policiais militares, que faculta a prestação de serviços privados ou participação em “milícias”; as “indenizações” nos Poderes Legislativo e Judiciário, e no Ministério Público; o excesso de representações diplomáticas no Exterior, sem nenhum fundamento econômico ou político; as duplas férias e conversão em remuneração, os feriados especiais e os recessos no Poder Judiciário e no Ministério Público. Utopia? Certamente.

 

A INTERDEPENDÊNCIA DO ESTADO BRASILEIRO

Ao longo da história do Brasil percorremos uma extensa jornada para a consolidação de uma identidade nacional e com ela a constatação da interdependência que deveria nos unir na construção do nosso destino.

Esses postulados ressaltam um aspecto fundamental de qualquer sociedade civilizada: a preservação da convivência. Todas as regras existentes buscam preservar o relacionamento pacífico entre as pessoas, a sustentabilidade do meio ambiente, a superação das desigualdades sociais, buscando a justiça e a harmonia social. Há um claro sentido de utopia que como ensinou o cineasta Fernando Birri; “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

A vida em sociedade pressupõe o reconhecimento e a necessidade de preservar as nossas relações, estimulando permanentemente a ética, a inclusão, a diversidade, posturas que, ultimamente, vem sendo valorizadas também no meio corporativo com a adoção das métricas ESG, aproximando as empresas, enfim, da defesa dos direitos humanos.

Entretanto, as ações voltadas para fortalecer a convivência são ameaçadas. O debate político atesta uma radicalização que afasta o entendimento, as opiniões contrárias são atacadas violentamente, sem apego à argumentação e a “cultura do cancelamento” se alastra. O contrário não é adversário e sim inimigo.

Esse ambiente tem raízes profundas na nossa história. São abundantes as práticas de desrespeito a direitos, patrocinadas pelos governantes e apoiada por parcelas da sociedade – cada vez mais desconfiada segundo pesquisa global do instituto Ipsos. A apuração divulgada pela Veja mostra que diante da pergunta “Você confia no próximo?” feita a 22 500 pessoas em trinta países, o Brasil aparece em último lugar.

Escândalos de corrupção, o sentido de impunidade que contamina toda a sociedade, a profunda desigualdade e certamente dificuldade em fazer valer os mais comezinhos direitos do consumidor claramente são prejudiciais à nossa convivência. Sim, o nosso passado e o que estamos vivendo no presente não são animadores, mas podem servir de combustível para mudar o futuro.

Ao lembrar que a nossa dependência mútua é a realidade que deveria significar união e que é possível superar nossas inúmeras dificuldades com diálogo, tolerância, sem subserviência. Assim, poderemos questionar e encontrar caminhos. Utopia? Talvez, mas como ensinou Birri, assim deve ser o nosso caminhar.

Despesismo

O título deste artigo (‘Despesismo’) remete a uma palavra ainda não incorporada aos dicionários brasileiros. Em Portugal, entretanto, já foi abonada pelo renomado dicionário da Academia de Ciências de Lisboa, que a define como a “prática que consiste no dispêndio exagerado de dinheiro, na realização de despesas ou gastos excessivos e utilidade pouco evidente, sobretudo por parte do Estado ou de outras entidades públicas”.

Na recente campanha eleitoral, não ouvi de nenhum candidato a qualquer cargo referência ao corte de despesas perdulárias. Ao contrário, muitos defenderam, não raro como mero apelo demagógico, a expansão das despesas.

É razoável admitir que algumas propostas de novos gastos tenham fundamento, mas deveriam vir acompanhadas de medidas visando a contenção do despesismo, senão seu financiamento ficará à conta de elevação da carga tributária, sabidamente alta, ou de um irresponsável aumento do endividamento público.

Além dos eventos climáticos extremos, não se pode desconhecer que o próximo governo enfrentará um cenário internacional adverso, envolvendo inflação e recessão nos países desenvolvidos, desaceleração econômica na China impactando as exportações de comodities, crise energética na Europa, fome na África e uma imprevisível trajetória na agressão da Rússia à Ucrânia.

No âmbito das enormes carências do Estado brasileiro, seria recomendável, embora pouco provável, a implementação de um programa de reestruturação do gasto público, que prestigiasse a eficiência, proclamada no art. 37 da Constituição, e eliminasse o despesismo.

Há uma inesgotável lista de despesas que sugam as receitas e comprometem a prestação de serviços públicos: o malsinado orçamento secreto, fonte permanente do mau uso do dinheiro público e da corrupção; os cargos de vice no Poder Executivo da União, Estados e Municípios; as cotas de “representação” parlamentar; a remuneração e as “assessorias” de vereadores em pequenos Municípios, que subsistem às custas de transferências; a remuneração de agentes públicos por participação em conselhos de empresas estatais; a jornada de trabalho dos policiais militares, que faculta a prestação de serviços privados ou participação em “milícias”; as “indenizações” nos Poderes Legislativo e Judiciário, e no Ministério Público; o excesso de representações diplomáticas no Exterior, sem nenhum fundamento econômico ou político; as duplas férias e conversão em remuneração, os feriados especiais e os recessos no Poder Judiciário e no Ministério Público. Utopia? Certamente.

 

 

Projeto de Lei no Senado prevê combate a devedor contumaz

No momento em que se avalia a implantação de um novo Refis, para a renegociação de dívidas das empresas, surge a discussão sobre a busca de medidas compensatórias.

Nesse sentido, há uma iniciativa pronta para ser votada pelo plenário do Senado Federal que irá permitir o combate ao devedor contumaz, que sangra os cofres federais na ordem de R$ 14 bilhões ao ano, só no mercado de combustíveis. É o PLS 284/17 que prevê entre uma série de medidas a distinção objetiva entre os devedores: o devedor eventual e o devedor reiterado (que não serão afetados pelo referido PLS) e o devedor contumaz, esse sim, deve ser combatido, pois, se estrutura dolosamente para não pagar os impostos devidos.

Para se ter uma ideia do passivo, também no setor de combustíveis, as dívidas ativas chegam a R$ 70 bilhões. O que corresponde, por exemplo, a 8% do PIB de Minas Gerais no ano passado.

O PLS 284/17 foi relatado pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES) e foi aprovado por diversas comissões e agora só depende do Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para seguir adiante e ser pautado. A demora na aprovação desse projeto incentiva o devedor contumaz, prejudicando os cofres públicos e toda a sociedade.

Para o presidente do ETCO (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial), Edson Vismona, que acompanha a tramitação da pauta no Congresso, o grande desafio do sistema legal brasileiro é diferenciar o inadimplente do devedor contumaz. “O contumaz não é um contribuinte, ele é criminoso, pois pratica fraude no exercício de suas atividades. Já o inadimplente quer estar em dia, mas por circunstâncias diversas não conseguem arcar com suas obrigações tributárias, este sim, merece atenção do governo e estímulo para sua regularização, já o contumaz deve ser repelido”, afirma.