Ética e legalidade são fundamentais ao desenvolvimento

A indústria do tabaco paga as taxas de impostos mais elevadas do país, entre 70 e 90%. Enquanto isso, a tributação no Paraguai é a menor do continente, ficando em 18%. A consequência disso, junto à falta de controle das fronteiras, é o crescimento do mercado ilegal de cigarros no país. Hoje mais de 50% do cigarro consumido no Brasil é ilegal. Com isso, o governo deixou de arrecadar R$ 11,5 bilhões em impostos sobre o setor no ano passado. Além disso, como os cigarros contrabandeados não atendem às normas fitossanitárias impostas às empresas brasileiras, a diminuição do contrabando evitará que os brasileiros consumam produtos não regulados. Para o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), se os tributos fossem menores, o consumidor compraria mais o produto nacional, e isso aumentaria a arrecadação pública.
Um levantamento realizado pelo ETCO, em parceria com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), revela que 16,9% do PIB — cerca de R$ 1,17 trilhão — são originários da economia informal. Está inclusa nesse cálculo a  produção de bens e serviços não declarados ao governo. A sonegação de impostos e contribuições reduz os custos e eleva o lucro dessas empresas de forma ilegal.

“Enquanto isso, nós, que queremos estar em dia com nossas contribuições, encontramos todos os tipos de dificuldades. Muitos ‘penduricalhos’ vêm sendo
colocados ao longo dos anos, e muitas vezes o próprio Fisco não consegue entender todo esse mecanismo” — destacou Edson Vismona, presidente do ETCO e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade, durante o painel Tributação e Economia Sustentável.
Para ele, práticas efetivas que garantam a fiscalização e a concorrência leal não são somente uma questão de ética e legalidade, mas, sim, um passo fundamental para o desenvolvimento do
país. No caso dos cigarros, segundo Vismona, a diferença no preço é drástica: se um maço de cigarro legal é vendido por R$ 7, o obtido por meio de contrabando pode custar apenas R$ 3.
— Nosso mercado está sendo entregue ao tráfico desses produtos ilegais. Em estados como Mato Grosso do Sul, por exemplo, 82% do cigarro consumido é oriundo do contrabando.
O crime organizado se financia com esses bilhões que são sonegados.

SOBREVIVÊNCIA DO SETOR

Para solucionar a questão dos produtos paralelos e garantir a sobrevivência das empresas do setor, um grupo composto por diversos players vem discutindo propostas para viabilizar o comércio legal e, assim, beneficiar tanto as empresas quanto o governo. Uma das soluções seria a revisão do modelo de tributação dessas indústrias.
— Concordamos que a carga tributária desses produtos precisa ser elevada. Mas temos que olhar a demanda, atuar para reprimir as organizações criminosas que se beneficiam com esse dinheiro.

Caso isso não aconteça, o mercado vai ser cada dia mais dominado pelos contrabandistas que não pagam nada por isso. A maior parcela do mercado não paga imposto. Uma outra prática sugerida por correntes desses setores é o controle físico de bebidas e cigarros. O presidente do ETCO ressalta também que a convergência de ações entre o poder público e as empresas deve ser uma via de mão dupla, sempre em respeito àqueles contribuintes que estão em dia com suas obrigações.
— Caso contrário, o beneficiado será sempre o devedor contumaz que faz do não recolhimento de tributos sua fonte de renda, prejudicando os cofres públicos, a concorrência e toda a sociedade.

Histórico no Brasil é de grandes equívocos

Em sua explanação no seminário Tributação no Brasil, o tributarista Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, trouxe à tona questões tributárias contemporâneas, tanto no Brasil como no mundo — e as principais diferenças de abordagens nestes cenários. Quando se trata da conjuntura brasileira, Maciel ressalta que este é um ponto de enorme rejeição social, e por isso é fácil
encontrar muitas conclusões apressadas sobre o tema. Entre os destaques, ele aponta a crença de se achar que modelos estrangeiros podem ser reproduzidos aqui facilmente, sem levar em consideração aspectos legais de nossa realidade. O fato de muitos profissionais afirmarem que o sistema tributário é extremamente complexo também é uma crença que, segundo ele, precisa ser analisada.

— Complexidade é inerente ao sistema. Ele precisa ser operável e não simples. São 27 legislações de ICMS, por exemplo, e precisa ter isso mesmo, porque o imposto é estadual. Mas no geral todos são muito parecidos uns com os outros, salvo em situações especiais.

Entre os principais problemas tributários do Brasil atualmente, o especialista destaca pontos como a excessiva litigiosidade e o burocratismo — porém, sempre ressaltando que se trata de problema com processo tributário e não com o tributo propriamente dito. Por isso, soluções como juntar ICMS e ISS são consideradas simplórias.

— São impostos diferentes, com destinação diferente.  Como fica a questão federativa? Como fica toda a jurisprudência que existe em torno disso? É como jogar água suja com a criança na bacia. É isso que se quer fazer? Ou está faltando um pouco de disponibilidade para raciocinar sobre o assunto e encontrar soluções com algum grau de criatividade?

O tributarista resgatou o histórico de reformas tributárias já ocorridas no Brasil e avaliou a  trajetória como sendo de mais equívocos do que de acertos. Em sua opinião, a maior parte das intervenções realizadas após 1965 podem ser classificadas como desastrosas. E a Proposta de Emenda Constitucional 45, conhecida como a PEC da reforma tributária, segue a mesma linha de equívocos.
Segundo Maciel, existem atualmente três grandes questões tributárias sendo discutidas em vários locais do mundo: a erosão das bases tributárias; a tributação da economia digital; e as novas fontes de financiamento da previdência social.

— A transferência de capital e a tributação de lucros de países de maior tributação para países de menor tributação ou sem  tributação, os paraísos fiscais, é algo que incomoda a todos — destaca.

A tributação da economia digital, um ponto de destaque nesse cenário, chama a atenção principalmente pela criação do imposto GAFAM – em discussão atualmente em países como a França e o Reino Unido. Trata-se de iniciativa dos governos locais para taxar as grandes empresas de tecnologia: Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft. Ele fala ainda sobre a possibilidade de tributar transações financeiras e robôs como forma de financiamento da previdência social.

Equilíbrio fiscal desafia legisladores

Tributos sustentáveis e harmônicos favorecerão negociações mais vantajosas

Tributação e economia sustentável pressupõem uma taxação adequada. Não pode ser muito baixa, para permitir a saúde financeira do Estado, e não pode ser elevada, a ponto de asfixiar a economia e impossibilitar os negócios. Com essa explicação, Phelippe Toledo Pires de Oliveira, procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, resumiu os desafios do Estado em desenvolver políticas propícias ao desenvolvimento de negócios no país durante o seminário Tributação no Brasil. Para ele, refletir sobre se as bases de tributação estão corretas e se podem ser aprimoradas é de grande relevância para o cenário nacional.
De acordo com dados do último estudo realizado pela Receita Federal, em 2017, a tributação no Brasil é baseada no consumo e na folha de salários. A alíquota sobre patrimônio é menor do que 5%, enquanto a que incide sobre a renda é inferior a 20%, sobre o consumo é de 48% e a que incide sobre a folha de pagamento é de 26%.
— A complexidade é inerente ao nosso sistema tributário. É complexo porque temos diferentes espécies tributárias no sistema  brasileiro: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios. E cada uma dessas espécies ainda tem os tributos em si: Imposto de Renda, contribuição sobre a folha de salários etc. Ser complexo, contudo, não significa que não possa ser  simplificado.
Para Oliveira, os desafios são grandes, e este é um ótimo momento para essa discussão. Para exemplificar, ele explica que atualmente o país possui cerca de 6 milhões de execuções fiscais por ano, só no âmbito da União. Há aproximadamente 1 milhão de processos de contribuintes contra a administração tributária em âmbito federal. O procurador-geral adjunto reconhece que é necessário pensar em mudanças pontuais para simplificar o sistema e diminuir a litigância. Contudo, é preciso estar atento para
não gerar outras ocorrências não desejadas.
— O fim da isenção de dividendos, por exemplo, ao mesmo tempo que trouxe um benefício para acabar com a discussão de  distribuição disfarçada de lucros, também gerou o fenômeno da “Pejotização” para pagar menos tributos. A pessoa física que  receberia aquele rendimento tributado a um percentual maior cria uma Pessoa Jurídica para ser tributado em um percentual
menor.
Oliveira ressaltou também pontos como a redução das alíquotas como condição para o alargamento das bases. Apesar de o os benefícios fiscais existirem no mundo inteiro, é preciso questionar se eles estão cumprindo a finalidade que
deveriam cumprir.
— O momento é de trazer à tona essas discussões até então não muito comuns no âmbito tributário, mas pouco usual entre a sociedade.
Com relação à reforma tributária, Oliveira afirma que a intenção do governo é discutir as propostas e aproveitar o melhor de cada uma para chegar a uma solução que seja viável e razoável para simplificação tributária.
— A reforma desejável, na minha opinião, é aquela que respeite o pacto federativo, promova a simplificação
tributária e respeite os direitos e garantias fundamentais do contribuinte.

Revisão tributária é crucial ao país

Sistema brasileiro é colocado em xeque por especialistas durante seminário Tributação no Brasil

Marcos Lisboa chama atenção para a discrepância tributária

“Temos que reconhecer que tem alguma coisa muito errada na nossa economia, pois o mundo está crescendo e enriquecendo, mas o Brasil não.”  A declaração foi feita pelo economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa, durante o seminário Tributação no Brasil, realizado pelo jornal VALOR ECONÔMICO em parceria com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), na terça-feira, 23 de julho, em São Paulo. O evento reuniu renomados especialistas para discutir como a revisão tributária pode contribuir para o crescimento do Brasil.

O regime tributário afeta diretamente as decisões econômicas e os investimentos feitos no Brasil. É crucial que discutamos a mudança tributária, pois ela contribuirá amplamente para o crescimento do país.” Para o economista, já existe uma agenda de microrreformas tributárias que o secretário da Fazenda pode colocar em prática.

“Primeiro, é preciso acertar esta discrepância tributária, ajustar o comércio exterior e acabar com a insegurança com relação ao investimento em infraestrutura” — diz Lisboa,defendendo que as regras tributárias junto com as políticas industriais e de educação são os fatores mais importantes para o
crescimento dos países.

IMPOSTO CORPORATIVO

Uma maneira de a economia se desenvolver, na avaliação de Lisboa, é promovendo a internacionalização das empresas. Mas, para isso, ele explica, o Brasil precisa fazer como os países que reduziram o imposto corporativo para cerca de 20%. Hoje as empresas brasileiras não são tão competitivas e têm um crescimento menor. Também destaca que é preciso ter maior clareza a respeito das obras de infraestrutura para atrair mais investimentos, o que também pode colaborar com a recuperação da economia.
Lisboa defende o imposto sobre valor agregado (IVA), que é o mais utilizado no mundo e pode ser aplicado no Brasil. Por meio dele,  a tributação é feita sobre o valor vendido e são descontados todos os tributos que foram pagos antes. Já com relação à CPMF, o  economista tem suas ressalvas e afirma que ela aumenta a demanda por moeda, reduz a oferta de crédito e gera menor crescimento
da indústria.

O seminário Tributação no Brasil foi realizado no Instituto Tomie Ohtake. Além de Marcos Lisboa, participaram o tributarista Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal; Edson Vismona, presidente do ETCO e do Fórum Nacional Contra a Pirataria
e a Ilegalidade; Phelippe Toledo Pires de Oliveira, procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional; Roberto Quiroga Mosquera,
doutor e mestre em Direito Tributário; e Efraim Filho, deputado federal. A mediação ficou a cargo do jornalista Samy Dana, colunista do site de educação financeira Valor Investe e professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Os principais destaques das discussões dos especialistas foram os desafios de uma mudança na tributação que traga ganhos tanto para o Estado quanto para os contribuintes e proporcione o desenvolvimento nacional. Os palestrantes também explicaram as razões pelas quais o atual sistema tributário favorece a ilegalidade e o contrabando no país, propiciando a consolidação
dos devedores contumazes.

Contrabando é um mal a ser combatido

Revisão tributária deve priorizar setor produtivo e focar no enfraquecimento do mercado ilegal

 

 

A luta contra o mercado ilegal que tomou conta do país e as expectativas com relação à revisão tributária foram os principais assuntos abordados pelo deputado federal e presidente da Frente Parlamentar Mista de Combate ao Contrabando e à Falsificação, Efraim Filho, no seminário Tributação no Brasil.

Para o deputado, o setor produtivo precisa ser priorizado e ter condições de manter o seu negócio. “Os problemas não são circunstanciais, são estruturantes. No país há uma regra para facilitar a vida do Estado, a arrecadação, mas não para colaborar
com o contribuinte. É preciso valorizar quem gera emprego e oferece oportunidades.”
Ele questionou o fato de o setor de cigarros, por exemplo, ter quase 60% de mercado ilegal. “Estamos deixando de arrecadar imposto e gerar emprego. O contrabando é extremamente nocivo para a sociedade.”
Segundo Efraim Filho, a sociedade é tolerante com pequenos desvios, mas, quando se investiga, é possível perceber que o mercado
ilegal financia o crime organizado, gera evasão de divisas, perda de receita, além de prejudicar o mercado de trabalho formal e oferecer um produto sem registro nem controle da Anvisa. “É um jogo de perde perde. O contrabando inibe os negócios e precisa ser combatido.”
Para ele, durante o período em que a economia do país estava em crescimento, o contrabando não foi combatido adequadamente
e se estabeleceu. Mas, em momentos de crise, as perdas cada vez maiores têm sido motivo de preocupação para as empresas brasileiras.

PAPEL DO CONGRESSO
Segundo o deputado, apesar dos desafios, existe um terreno fértil para avançar na discussão sobre a reforma tributária. Para Efraim Filho, o protagonismo que o Congresso assumiu na reforma da Previdência deve se repetir nessa pauta. Ele afirma que a intenção é que o setor produtivo, a Receita Federal e o governo deem suas opiniões para que a proposta tenha legitimidade.

“Temos presidente e relator escolhidos, a comissão especial da reforma tributária está instalada, mas audiências públicas devem ocorrer para que os mais diversos setores possam ser ouvidos.”
Segundo Efraim Filho, o grande desafio da reforma tributária não é mudar a lei, mas a cultura do país. “O nosso papel é liderar o processo de renovação e manter a mão estendida para aqueles que quiserem colaborar.”
Para o deputado, o Congresso está aberto a receber sugestões e viabilizar uma proposta realmente nova. De acordo com ele, os parlamentares precisam aceitar opiniões sobre o assunto e chamar para si a responsabilidade de avançar na reforma. “No governo Temer, a discussão que ocorreu na comissão especial da reforma tributária deixou o legado de um debate mais amadurecido. O  diagnóstico, portanto, já está pronto. Agora o foco deve ser na aprovação das matérias.”

Reforma Tributária em debate

Foi realizado nesta terça-feira (23/7) em São Paulo o seminário Tributação no Brasil. O evento, uma iniciativa do  (ETCO) em parceria com o Jornal Valor Econômico, reuniu diversos especialistas para uma discussão sobre os principais desafios que o país enfrenta na área tributária.

Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, avalia que as conversas sobre impostos no Brasil sofrem com a perpetuação de alguns mitos. “Ficamos discutindo se devemos reproduzir modelos estrangeiros e a fusão simplória de tributos e deixamos de lado a análise e o enfrentamento de temas fundamentais como o excesso de litigiosidade do sistema e a enorme insegurança jurídica que as empresas enfrentam” afirmou.

Edson Vismona, presidente do ETCO, acredita que o sistema tributário no Brasil é de fato complexo, mas esse não é o problema. “Em todas as nações esse não é um tema simples. Mas no Brasil, a questão passou a ser caótica. Temos que respeitar o contribuinte responsável e combater o devedor contumaz, simplificar e racionalizar o sistema. E também temos antes que realizar uma profunda reforma do estado de forma a otimizar a utilização dos recursos públicos”.

De acordo com o procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, Phillippe Pires de Oliveira, um dos pontos de atenção é a necessidade de controle da efetividade dos benefícios decorrentes de políticas de incentivo fiscal. “Quando se fala em reforma tributária, os setores envolvidos sempre questionam os agentes públicos sobre como serão afetados frente a eventuais benefícios em curso”

Marcos Lisboa, economista e presidente do Insper, afirmou que as distorções tributárias no Brasil acabam por estimular a ineficiência. “Foi o que aconteceu com a CPMF, que acabou levando muitas empresas internalizassem parte da produção como forma de eliminar esse custo financeiro. Mas, via de regra, isso acabou por piorar o processo produtivo dessas empresas” afirmou.

Efraim Filho, deputado federal (DEM/PB) e presidente da Frente Parlamentar de Combate ao Contrabando, realçou a importância de uma mudança de mentalidade das autoridades e da população. “É preciso não só alterar a lei, mas a cultura no Brasil, que vê o contrabando como algo menos grave. O brasileiro precisa entender que quem domina hoje o mercado ilegal, como no caso dos cigarros, em que 54% dos produtos vendidos por aqui são ilegais, são os mesmos grupos que controlam o narcotráfico e que trazem violência para as cidades do país. Esse é um jogo de perde-perde, que só inibe o crescimento do país”

Everardo Maciel explica por que não acredita em projetos que sugerem refundar nosso sistema de impostos

A NOVA TEMPORADA DA REFORMA TRIBUTÁRIA

 

por Everardo Maciel*CLIQUE AQUI 3

Sistemas tributários são modelos vivos que retratam a complexidade das relações econômicas e sociais em uma sociedade. Há muitas razões contrárias a pretensões excessivamente ambiciosas de reforma tributária

 

A imperfeição e a complexidade do sistema tributário brasileiro, o que de resto são características comuns a todos os sistemas tributários, estimulam uma profusão de soluções plasticamente elegantes e disruptivas, mas que desconhecem os riscos e os custos inerentes a qualquer mudança.

Sistemas tributários resultam de embates que envolvem conflitos de razão e de interesse nos parlamentos. Não são maquetes, aplicativos ou, no passado, obras de monges copistas. Ao contrário, são modelos vivos que retratam a complexidade de relações econômicas e sociais em uma sociedade. São, pois, inevitavelmente imperfeitos e complexos.

Essa complexidade, por sua vez, é crescente, porque os sistemas tributários vão, ao longo do tempo, incorporando alterações – umas legítimas, outras não – que deformam a concepção original.Legenda Everardo Maciel

A imperfeição e a complexidade estimulam novas concepções voltadas para a refundação dos sistemas tributários, no contexto de uma idealização improvável e pouco útil.

São frequentes afirmações peremptórias que denunciam a complexidade, ineficiência e regressividade do sistema tributário brasileiro, sem que haja um debate minimamente consistente sobre a matéria.

Há muitas possibilidades de qualificação da complexidade. O que torna verdadeiramente complexo um sistema tributário é a sobrecarga de exigências burocráticas, profusão de regimes especiais e a indeterminação dos conceitos e morosidade processual que levam à insegurança jurídica.

Questões como número de alíquotas ou de tributos e sobreposição de incidências são facilmente superadas pelo uso de bons aplicativos de computador.

Problemas existem e sempre existirão, o que pretexta uma ação contínua centrada em matérias estratégicas, objetivando eliminá-los ou mitigá-los.

Os problemas do ICMS e do PIS/Cofins são sanáveis com mudanças cirúrgicas.

Há muitas razões contrárias a pretensões excessivamente ambiciosas de reforma tributária.

Mudanças têm custos e riscos. Estabilidade normativa, no âmbito tributário, é um ativo relevante para decisão sobre investimentos privados.

Em entrevista a Veja (27/09/2017), Eldar Saetre, presidente da Statoil (estatal norueguesa de petróleo), salientava que sua grande preocupação em relação à tributação brasileira era a imprevisibilidade. Acrescentou que, na Noruega, era alta a tributação da atividade petrolífera (78%), mas estável.

Em entrevista ao Financial Times, veiculada em Valor (28/04/2017), Warren Buffet, um dos maiores investidores do mundo, dizia: “As pessoas investem quando julgam que podem ganhar dinheiro, e não por causa da taxação tributária”.

Além disso, há riscos para o erário e para o contribuinte. Toda mudança repercute em alíquotas e bases de cálculo, de forma não previsível e de modo diferenciado sobre os contribuintes.

No limite, grandes mudanças podem assumir caráter aventureiro. Enfim, sistemas, como o tributário, só se conhecem bem com massa real.

Em tudo, não se pode esquecer a nossa imorredoura vocação para copiar modelos de outros países, construídos em circunstâncias peculiares e diferentes das nossas. É o servilismo cultural, polo oposto e igualmente medíocre da xenofobia no campo das ideias.

O mais grave é que buscamos copiar modelos em franca obsolescência, como o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), complexo, vulnerável à sonegação (o carrossel ou passeio de notas é uma modalidade de evasão bem conhecida na Europa) e incapaz de assimilar adequadamente a economia digital.

É bom prestarmos atenção no que se debate na fronteira da política tributária. Com sólido substrato acadêmico, nos Estados Unidos já se discute a formulação de um modelo de tributação da renda consumida, que agrega características do IVA e do Imposto de Renda, inovando-as.

Enquanto isso, no Brasil, pouca ou nenhuma atenção se dá às nossas mais severas enfermidades tributárias: o burocratismo, a indeterminação conceitual e o processo tributário.

A burocracia reina triunfante no sistema tributário. Suas pérolas são o cadastro múltiplo, as exigências de certidão negativa, a restituição de impostos, os óbices à compensação, etc.

É certo que indeterminação conceitual sempre haverá, demandando a intervenção esclarecedora da Justiça. Afinal, não existe um sistema de conceitos fechados.  O que é condenável é o exagero.

Ainda não pacificamos conceitos como faturamento, receita bruta, indenização para fins tributários, dissolução irregular de empresas, responsabilidade solidária dos sócios, substituição tributária, planejamento tributário abusivo, etc. É um absurdo.

O processo, desde o lançamento até a execução, é um primor de morosidade e ineficiência.

Na União, os valores em discussão administrativa e judicial somados aos créditos inscritos em dívida ativa correspondem a mais que o dobro da arrecadação anual de tributos.

Relatório produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que dos impressionantes 80 milhões de processos pendentes na Justiça cerca de 30 milhões dizem respeito à execução fiscal.

Ainda que contrarie a burocracia e a indústria da litigância, a verdadeira reforma consiste em debelar essas enfermidades tributárias. Ela, contudo, não tem o charme do desenho de um novo, imprevisível e desnecessário modelo tributário.

As pretensões ambiciosas, ao exacerbarem os conflitos tributários, inclusive no âmbito do federalismo fiscal, findam sempre em impasses, além de retirarem o foco das enfermidades tributárias brasileiras. É oportuno lembrar o ensinamento de Einstein: “é insanidade continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.